São Paulo. Desde abril de 2017, quando lançou seu quarto álbum, “DAMN.”, o rapper norte-americano Kendrick Lamar parecia destinado a ser a grande estrela musical do ano. Foi quase. No Grammy, em janeiro, dominou as premiações nas categorias de rap e só perdeu nas principais porque o pop perfeito de Bruno Mars é mais palatável para o grande público.
Quando a Marvel resolveu produzir seu primeiro filme com um super-herói negro, “Pantera Negra”, que arrecadou R$ 765 milhões em sua estreia (terceira melhor marca da história), anunciar que Lamar cuidaria da trilha sonora era a escolha mais óbvia do mundo. Um filme quente, um astro mais quente ainda. Jogada comercial de bamba.
Só que não há nada na cena norte-americana atual menos comercial do que Kendrick Lamar. “Black Panther”, a trilha sonora, lançada na semana passada junto com o filme e liderando as plataformas digitais, é um disco instigante, diferente, nada acomodado. Não tem a mesma força de “DAMN.”, mas ainda assim é o primeiro disco de 2018 que deve ir para as antologias.
O papel de Lamar é de total protagonismo. Canta nas melhores faixas, mas atua em todas, compondo, arranjando ou inserindo participações. Chamou um bando de amigos, desde sucessos na “Billboard” a ritmos obscuros, de artistas sul-africanos que cantam em zulu, e até o premiado príncipe do soul The Weeknd.
Quem tentar definir estilos certamente não está familiarizado com o trabalho de Lamar, provavelmente o artista de hip hop mais aberto a experimentações da história. Um aglutinador de gêneros que usa elementos inusitados em uma assinatura bem particular, como se fosse uma declaração de intenções políticas e musicais condensada em pouco mais de três minutos.
Tudo tem corpo, densidade. A ordem das músicas conduz o ouvinte por uma audição paralela da grande aventura de T’Challa, o príncipe de Wakanda que é, na verdade, o herói Pantera Negra. Lamar vai executando sua ópera própria, que passeia dos beats eletrônicos às batidas tribais. Nas letras, alterna o narrador, assumindo às vezes o papel do herói e, em outras vezes, como na poderosa “King’s Dead”, dando voz ao vilão.
O álbum é bom exemplo de como o uso da música no cinema mudou. Antes, você ouvia a trilha no filme. Agora, escuta as músicas para reconhecer nelas elementos do longa e compreender o que cada uma tem a dizer. As faixas se revezam entre música de guerra, lamentos, euforias, orgulho, insinuações românticas.
É um pouco como uma narrativa transmídia. Você não escuta a música no filme, mas, depois de assistir ao longa no cinema, está apto a baixar o álbum, apreciar as canções e fazer por conta própria as conexões possíveis com o que viu mostrado na tela.
“Black Panther: The Album”
Artista: Kendrick Lamar
Gravadora: Aftermath
Quanto: cerca de R$ 70