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Preparado para personagens densos

Fernando Eiras, fala em Tiradentes sobre seu papel no filme ?Incuráveis?, pelo qual foi premiado no Festival de Brasília.

Por CINTHYA OLIVEIRA
Publicado em 28 de janeiro de 2006 | 00:01
 
 
 
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TIRADENTES " Os personagens densos procuram por Fernando Eiras. Pelo menos é o que acredita este que é um dos atores mais festejados no momento dentro do cenário teatral e cinematográfico.

Depois de atuar em três longas de Julio Bressane, um dos diretores mais reflexivos do cinema brasileiro, agora ele chega aos cinemas, ao lado de Dira Paes, no novo filme de Gustavo Acioli, "Incuráveis", exibido anteontem na 9ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

Com esse personagem anônimo, Eiras ganhou o Candango de melhor ator no último Festival de Brasília. Mas o ator não pôde desfrutar das glórias oferecidas pelo mais prestigiado festival do país. No momento em que os prêmios eram distribuídos, ele estava em plena ação, apresentando o espetáculo "Ensaio.Hamlet", em Paris.

"Cheguei no hotel e havia uma mensagem para mim. Era o pessoal do filme gritando: "Fernando, atende o telefone, você ganhou em Brasília!" Foi uma grande surpresa, não esperava ganhar. Se bem que, na verdade, alguma coisa me dizia que uma coisa boa ia acontecer para mim", conta o ator, que chegou a Tiradentes logo após uma estadia em Nova York, onde se apresentou, ao lado da Companhia dos Atores, em um festival dedicado a Shakespeare.

O reconhecimento do trabalho de Fernando não é gratuito. Ele é um colecionador de personagens complexos, como este de "Incuráveis", filme baseado em texto do dramaturgo Marcelo Pedreiras sobre o encontro de um homem desiludido com uma prostituta solitária.

"Gostei muito do roteiro porque achei que havia ali uma coisa que me interessa: a humanidade desses personagens. Existe uma teatralidade que nos dá possibilidade de desenvolver um jogo entre atores. Então achei que, se nós dois, Dira e eu, conseguíssemos uma química, um lugar para trabalhar esse confronto, se passássemos veracidade, o filme poderia ficar interessante", explica o ator.

O longa não mostra passado nem futuro desses personagens, apenas traz um flagrante de um momento de suas vidas. Mas, mesmo assim, Fernando especula sobre a trajetória de seu triste personagem.

"Parece que ele quer se matar, porque não se aguenta mais. Presumo que ele seja um vencedor, um ambicioso e tenha conseguido tudo o que quis na vida, mas existe um grande vazio dentro dele. Um vazio que ele não pode sustentar. É difícil para ele, por causa de todas suas questões sem resposta. Mas, de repente, o personagem encontra aquela criatura que desperta nele uma sensação erótica, que o faz adiar esse momento. Mas não acredito que ele vá viver muito tempo, não, a barra dele é muito pesada", especula.

"Incuráveis" é uma obra baseada totalmente no trabalho de atores e na colocação do complexo texto. Por isso, não bastou escalar um bom elenco " a dupla protagoniza todas as cenas do filme ", também foi preciso trabalhar cuidadosamente a concepção dessas personagens.

Durante um mês e meio, a equipe teve de reservar o horário das 17h às 5h da madrugada para desenvolver o embate entre essas duas pessoas da ficção. "Tivemos a sorte de sermos dirigidos pelo Gustavo, que dá tempo e espaço para o ator preencher", diz Fernando.

Desejo realizado
Para o ator, essa foi a primeira vez, no cinema, em que pôde dar uma cara mais naturalista ao seu personagem.

Todos os papéis presentes nos filmes de Bressane ("O Mandarim", "Dias de Nietszche em Turim" e "Filme de Amor") são tidos por Eiras como de "composição", ou seja, havia uma liberdade maior na construção do trabalho, algo mais próximo das artes cênicas.

"O personagem de "Incuráveis" vem preencher meu desejo de fazer um personagem mais naturalista", conta Fernando, que também participou de "Quase Dois Irmãos", de Lúcia Murat, e "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil", de Paulo Thiago. Mas é no palco que o ator diz se sentir verdadeiramente realizado.

Ainda mais porque, nos últimos anos, tem trabalhado com prestigiados diretores, como Enrique Diaz. Com "Ensaio.Hamlet", por exemplo, a parceria entre o ator, Diaz e a Companhia dos Atores trouxe uma enxurrada de estatuetas, inclusive da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e Prêmio Shell.

Tanto prestígio fez com que a peça, nos dois últimos anos, pudesse ser apresentada na França, na Rússia e nos Estados Unidos. Este ano, além de Hamlet, Eiras leva para o exterior mais um personagem complexo. Em uma montagem de "A Ópera do Malandro" que será apresentada por 40 dias em Portugal, ele vive a travesti Geni, figura mais emocionante dessa famosa obra de Chico Buarque.

"É bom que volto a mostrar o meu lado cantor", completa. E o ator explica porque possui uma relação tão apaixonada com as artes cênicas: "o que me atrai no palco é o perigo. O teatro te dá um "feedback" de você mesmo, te dá seus próprios limites. O palco nos deixa próximo do outro. Em ação você não está só e tenta tocar o outro de alguma forma. Mesmo que seja em outro país porque as questões são as mesmas, como viver, como ir adiante, como morrer aos poucos, como livrar de si, como lançar pontes. Por isso que fazemos arte".

Mas não pense que, por ser apaixonado pelo palco, Fernando acha que os outros meios dramatúrgicos têm uma importância menor. Se está afastado da televisão, é porque desde seu último trabalho, "Xica da Silva" (1995), os convites mais interessantes que surgiram o levaram para os sets de filmagem.

"O cinema veio com muita força na minha vida e passei a ter de viajar muito por conta das peças e dos filmes. Não sobra muito tempo para televisão. Tenho paixão pela TV, mas para aceitar um convite, tem que ser um bom personagem, saber que é a hora de interpretá-lo".

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