Cinema

Quando 2 mulheres se amam 

Premiado em Cannes, “Carol, dirigido por Todd Haynes e estrelado por Cate Blanchett, chega ao Brasil

Por Daniel Oliveira
Publicado em 14 de janeiro de 2016 | 04:00
 
 
 
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Em uma das primeiras cenas de “Carol”, Therese (Rooney Mara) olha as pessoas na rua através de uma janela de carro. Em vários outros momentos durante o filme, que estreia hoje, isso vai se repetir, com as protagonistas observando, por meio de vitrines ou janelas de apartamentos, casais de mãos dadas, fazendo compras, rindo, vivendo uma vida que Therese sente que nunca terá – não à toa, ela é uma aspirante a fotógrafa, sempre enxergando a vida por meio de uma lente.

Até que chega alguém e diz “eu vejo você. Eu sei como você se sente. Venha viver comigo”. E faz alguma diferença que esse alguém seja outra mulher? Faz. Porque são os anos 50. E essa mulher, Carol (Cate Blanchett), está num divórcio atribulado com o marido, Harge (Kyle Chandler). E a palavra “lésbica” não existia fora de uma página no dicionário que ninguém ousava abrir.

É por isso que o romance entre Carol e Therese não é verbal. No roteiro de Phyllis Nagy, não há grandes declarações de amor, ou elaborações poéticas sobre o que elas sentem. Porque as duas vivem em uma civilização masculina, com uma linguagem criada por homens para expressar o que homens pensam e o que homens querem.

Então, elas precisam achar outras formas, físicas, de expressar esse amor. Uma mão no ombro que se estende um pouco além da conta. Um sorriso diagonal, uma foto ou uma música. No meio da artificialidade angustiante do teatro social dos EUA pós-guerra, as duas tentam encontrar mínimas brechas por onde canalizar sua verdade.

E é isso que faz de Carol um papel perfeito para Blanchett. O motivo que faz da australiana uma grande atriz é que ela sabe que todos nós estamos atuando o tempo todo um personagem que queremos ser. Carol, grande dama da sociedade nova-iorquina, com um enorme desprezo por tudo o que a cerca, encena uma versão de Joan Crawford. Um figurino sempre impecável de peles e vestidos hermeticamente fechados lhe servem de armadura para que ela não se sufoque naquele universo. Blanchett sabe exatamente quando essa performance é boa e quando é ruim – e, acima de tudo, quando a máscara cai e o teatro termina, e o que é revelado nesse momento.

A certa artificialidade da atriz é parte da abordagem de Haynes. Assim como em “Longe do Paraíso” e na minissérie “Mildred Pierce”, o cineasta reencena o melodrama clássico de Douglas Sirk com toda a sua pompa, suas cores e seus artifícios. Só que ele retira todas as reviravoltas e inverossimilhanças típicas do gênero para encontrar o ser humano naquelas histórias e a forma como ele autenticamente reage às intempéries oferecidas pelo destino. Ao fazer isso, Haynes abre mão dos arroubos de atuação e dos grandes closes melodramáticos que tentam debulhar as lágrimas do espectador. “Carol” é um longa filmado à distância, com os personagens sempre parecendo um pouco inalcançáveis para o público. E isso pode ser percebido como frieza ou insipidez porque o filme é sobre uma paixão que nunca pode ser dita, não pode explodir. Essa distância, porém, é a mesma que separa Carol e Therese. Uma imposição social que é o grande tema do filme e que só é atravessada por um dos personagens na sequência final do longa, perfeitamente fotografada por Ed Lachmann, com um olhar em busca de sua vida.

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