Festival de Berlim

Recepção pouco calorosa

Animação 'Ilha de Cachorros', de Wes Anderson, inaugurou na quinta-feira (15) a 68ª edição da mostra na capital alemã


Publicado em 16 de fevereiro de 2018 | 03:00
 
 
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Berlim, Alemanha. O diretor norte-americano Wes Anderson soltou os cachorros na abertura do Festival de Berlim, na manhã de quinta-feira (15), mas colheu uma recepção tão morna quanto ração amanhecida. Ao menos, foi assim que a imprensa recebeu sua nova animação, “Ilha de Cachorros” – com muito menos entusiasmo do que em ocasiões anteriores neste festival, quando o texano exibiu “O Grande Hotel Budapeste” (2014) e “A Vida Marinha com Steve Zissou” (2004). Seu novo filme, que estreia em junho no Brasil, usa bonecos filmados em estilo stop-motion para contar a história de um garoto japonês, Atari, que sai em busca de seu cão, Spots (voz de Liev Schreiber).

O mote que desenrola a trama é a decisão do tio de Atari, o prefeito da cidade, de banir dali todos os cachorros e mandá-los para uma ilha-lixão, incluindo Spots. Para buscar seu cãozinho, o menino recebe a ajuda de uma matilha desgarrada formada pelo vira-lata Chief (Bryan Cranston) e outros peludos exilados (Edward Norton, Bill Murray, Jeff Goldblum e Bob Balaban).

“Tínhamos a ideia de fazer uma história sobre cachorros num lixão. E também queríamos falar sobre nosso amor pelo cinema japonês”, disse Anderson, que escreveu o roteiro com seus parceiros constantes Roman Coppola e Jason Schwartzman. O filme também reúne entre os dubladores um elenco que frequentemente mostra as caras em seus filmes: além dos já citados, há vozes de Tilda Swinton, Frances McDormand, Scarlett Johansson e Harvey Keitel.

“O bom da animação é que um ator nunca pode recusar alegando indisponibilidade: pode-se gravar a voz em qualquer lugar e a qualquer hora”, brincou o diretor.

Seus “tiques” cinematográficos estão todos ali: seus enquadramentos típicos, a expressiva paleta de cores e as feições abobadas dos personagens – marcas de um diretor frequentemente criticado por ter mais estilo do que propriamente conteúdo. De alguma forma, contudo, é um filme com mais ressonância política do que os demais. Greta Gerwig, indicada ao Oscar pela direção de “Lady Bird”, dá voz a uma estudante que confronta o governo pela decisão de banir os cachorros. “O mundo começou a mudar enquanto fazíamos o filme, e pensamos que era o momento certo para lançá-lo”, disse Anderson, sem citar nominalmente político algum.

Numa edição ainda mais politizada do que o habitual e com filmografias que vão do Sri Lanka a Guiné Bissau, a 68ª edição do Festival de Berlim tem em “Ilha de Cachorros” seu provável título mais pop e certamente aquele com mais nomes hollywoodianos.

A conversa com a imprensa que se seguiu à exibição do filme teve todos os lugares preenchidos, ovações a Greta Gerwig (lembrada por ser a única mulher a disputar o Oscar de direção neste ano) e perguntas sobre quais as raças de cão que os atores têm em casa (Jeff Goldblum tem um poodle). Bill Murray resumiu o que sente em ser uma entre tantas vozes famosas no filme. É como estar no clipe de “We Are The World”.

 

Protestos contra Ki-duk e o festival

No primeiro dos grandes festivais de cinema a ocorrer após a onda de denúncias de assédios, o assunto reverberou logo na abertura. Presidente do júri desta edição, o cineasta alemão Tom Tykwer (“Corra, Lola, Corra”) afirmou que o tema precisa ser discutido sob o ponto de vista do conteúdo, e não dos indivíduos acusados.

“É sobre ética e abuso de poder. E às vezes não se fala disso, mas, sim, de pessoas se comportando mal, e se aponta o dedo a essas pessoas”, afirmou à imprensa na abertura do Festival de Berlim. Nesta edição, a mostra alemã tratará do tema dos assédios em um seminário e terá um espaço para que vítimas de eventuais abusos procurem aconselhamento.

Mas a polêmica em torno dos assédios já extrapolou as fronteiras do país. Mais de cem organizações civis sul-coreanas criticaram o festival por sua “indulgência” com o diretor Kim Ki-duk, acusado de agressão física e abuso sexual. Kim é um dos cineastas mais conhecidos da Coreia do Sul e já recebeu um Leão de Ouro no Festival de Veneza, por “Pietá” (2012), e um Urso de Prata de diretor em Berlim, por “Samaritana” (2004).

Em dezembro, uma atriz que pediu anonimato denunciou abusos do diretor durante uma filmagem. Ela disse que Ki-duk a agrediu e a obrigou a rodar cenas com nudez e sexo que não estavam no roteiro de “Moebius” (2013), antes de substituí-la por outra atriz. A mulher, que depois das filmagens encerrou sua carreira, apresentou uma denúncia. Ki-duk, 56, foi condenado a pagar 5 milhões de wons (US$ 4.600) por agressão física. A acusação de assédio sexual não foi aceita, com a alegação de falta de provas.

A atriz apelou da decisão sobre o abuso sexual. Ki-duk admitiu que dar tapas era parte do aprendizado. Seu filme mais recente, “Human, Space, Time and Human”, será exibido no festival. “Estamos vivendo nesta injusta realidade, em que o autor de um ataque físico trabalha e é bem-vindo em qualquer parte como se nada tivesse acontecido, enquanto a vítima que denunciou o abuso é isolada e marginalizada”, escreveram em um comunicado 140 organizações da sociedade civil, que incluem grupos de defesa dos direitos da mulher, dos direitos humanos e de ajuda às vítimas.

O diretor da Berlinale, Dieter Kosslick, disse que a organização do evento não aceitou os trabalhos de cineastas acusados de “maneira grave” de abusos sexuais. “Por que, então, a Berlinale é indulgente com Kim e estende o tapete vermelho para ele e seu filme?”, questiona o comunicado. A organização do festival afirmou que as alegações de abuso sexual foram rejeitadas e que o evento “condena toda forma de violência ou má conduta sexual”.

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