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Teatro do impossível 

Com elogiada trajetória, diretor e dramaturgo Diogo Liberano estreia peça com Teatro Inominável em Curitiba

Por Gustavo rocha
Publicado em 31 de março de 2014 | 03:00
 
 
 
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Curitiba. Essa não será mais uma matéria para destacar o quão jovem é um dos mais instigantes nomes da dramaturgia nacional da atualidade. “Eu tenho 26 anos. Todo mundo diz isso. Como já disseram que eu tinha 23. Ok, é apenas a minha idade”, observa Diogo Liberano – ator, diretor, dramaturgo e integrante da companhia Teatro Inominável, que viajou do Rio de Janeiro a Curitiba para estrear o espetáculo “Concreto Armado” na Mostra Oficial do festival.

No entanto, ser tão jovem e já tão bem quisto – com trabalhos celebrados, como “Sinfonia Sonho”, de 2011 – e estrear num festival grande como o de Curitiba – que costuma optar por artistas e espetáculos consagrados – acabam mesmo fazendo dele um dos nomes mais singulares do evento. Isso, é claro, não garante “jogo ganho”, como se vê ao final da primeira apresentação do espetáculo, quando a luz se acende e revela espectadores um tanto inseguros em relação ao que viram por aproximadamente duas horas.

O instante pós-estreia de “Concreto Armado”, avalia o diretor, expõe não só o incômodo provocado pela temática do espetáculo – a preparação para a Copa do Mundo–, como também as reflexões do próprio coletivo sobre o que havia levado à cena. “Eu saí da estreia com a sensação de que não acabou, não fui nem no camarim dar parabéns a ninguém, porque não se tratava disso. Essas coisas são minimamente compreendidas por nós, mas têm um caráter inédito, apavorante”, comenta.

Entrecortada por performances individuais dos sete atores em cena, o espetáculo acompanha um grupo de arquitetos que pesquisa o patrimônio da cidade do Rio de Janeiro e, depois de muito discutir, escolhe o estádio do Maracanã como objeto de estudo. “As performances literalmente destroem a noção de espetáculo, acabam com ele, jogam contra a ficção. Junto a isso, trazemos uma narrativa complexa que abre caminhos que o drama não abre”, analisa o diretor.

“No final das contas, é uma arena de tentativas distintas de tocar em um problema que até agora não tem nome nem explicação. Está acontecendo, está em curso. Para a gente houve a compreensão de que não seria possível fechar o espetáculo”, completa.

Além do formato escolhido para tocar nesse universo, a peça convive com uma iminente e quase indissociável aproximação com a realidade. “A peça nos impôs a condição de trabalhar com a coisa no minuto que ela está acontecendo, fora da sala de ensaio. Foi muito complicado porque, no final das contas, nosso tema estava vivo, piorando e se multiplicando o tempo todo. É um duelo bastante premonitório. Tendo em visto que os materiais são tão atuais, a única maneira de olhar para eles é o nosso olhar. Não tem notícia de jornal que dê conta disso”, ressalta Liberano.

Uma peça que toma como pano de fundo a Copa do Mundo e seus reflexos sobre cidade que a recebe parece ter um mote que interessa à maioria das pessoas, seja pela relação com o futebol (de amor e, às vezes, de ódio, indiferença), seja justamente pelo posicionamento – a favor ou contra o evento esportivo. O que realmente interessa ao diretor, por outro lado, é vivenciar essas relações na gênese de um trabalho artístico. “Nossa busca é fazer em cena o que não demos conta de fazer na vida. Nunca havíamos, nesse sentido, feito um trabalho tão impossível. Isso, aliás, poderia ser uma marca da companhia”, destaca.

RECONHECIMENTO. Com sua fala convicta, Liberano explica que, na verdade, tudo que se cria ao redor dele e de seu trabalho é muito bom, enquanto possibilidade de diálogo (seja com o público, a imprensa, a crítica e outros coletivos de teatro), mas que ele tenta preservar o seu fazer intacto. “Eu não nego o diálogo, claro, mas estamos aprendendo a deixar o que ouvimos um pouco mais pra lá e entender que é apenas um olhar”, pondera o diretor.

“Não estamos fazendo nada excepcional. Estamos trabalhando, errando, e isso é um lugar que a gente não pode perder. A minha questão é quando esse tipo de olhar quer ser autor do meu trabalho. Há lugares em que podemos abrir concessões; há lugares que não. O olhar e o interesse das pessoas pela companhia me deixam muito feliz, porque isso vem pelo nosso trabalho, pela honestidade que nos norteia”, defende.

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