Cinema

Tempos de violência

Sexo, política, sangue e outras representações polêmicas entraram em cartaz e fizeram sucesso nas bilheterias em 1967

Por Thiago Pereira
Publicado em 22 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Crime, tiros e sangue no cinema não eram algo exatamente novo em 1967, especialmente nos Estados Unidos. Terra do western, gênero que formatou seu cânone pelo menos três décadas antes, exatamente sob estes parâmetros, a audiência ianque já dava mostras de que aprovava uma representação mais “graphic”, para usar o termo deles: uma violência mais crua e com tons realistas. Mas, ainda assim, a violência sempre foi uma preocupação das entidades conservadoras dos EUA, que temiam que o cinema fosse um divulgador de mau comportamento.

“Hollywood servia também como espelho de comportamento”, diz Ana Lúcia Andrade, professora de Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG. “Mas, em 1967, o Código Hays, responsável por atenuar a violência e torná-la menos explícita, deixa de vigorar. Assim, passam a ser produzidos filmes que vão marcar essa transição, como ‘Bonnie and Clyde’”, diz Andrade.

O que “Bonnie and Clyde” (no Brasil, “Uma Rajada de Balas”) fez foi se deliciar nessa nova possibilidade. Isso, além de mostrar aos poderosos da indústria holly-woodiana que uma nova forma de representar a violência conseguia, ao mesmo tempo, encher as salas de cinema (o filme virou mania entre a juventude dos anos 60) e tensionar a representação fílmica a partir de sua narrativa (a história verídica de um caso de amor literalmente bandido) e de sua imagética (na qual o diretor Arthur Penn tomava emprestadas lições da Nouvelle Vague francesa).

O roteiro usa a história de um casal de bandidos que roda a América dos anos 30 saqueando bancos e matando pessoas. “Nós roubamos bancos” está entre as cem mais famosas frases do cinema (ela é dita quando uma pacata senhora pergunta na rua àquele jovem e bonito casal o que ele fazia na vida). A caligrafia com a qual o roteiro foi escrito é pura contracultura, um grito contra a moralidade e a autoridade vigentes. “Representar Clyde (Warren Beatty) com certa impotência, talvez até uma homossexualidade enrustida, e Bonnie (Faye Dunnaway) mais liberada sexualmente são representações daquela geração, muito mais do que a (geração) que o filme cobre, a dos anos 30. É um filme de época, mas com cara dos anos 60. O cabelo, a maquiagem, marcam uma ânsia por liberdade”, acredita Andrade.

Boa parte dessas questões está condensada na cena em que o casal é assassinado, e o espectador, metaforicamente, leva um banho de sangue. “Em plena Guerra do Vietnã e você não podia falar de violência, sendo que do outro lado do mundo estavam matando, às vezes, gratuitamente, crianças e mulheres. A ideia era mesmo chocar, dar um baque no espectador, que não estava acostumado com esse tipo de imagem”, diz Andrade. “Como se o cinema tivesse sofrido uma espécie de higienização: e, de repente, esse filme vem jogar na cara: ninguém é perfeito. ‘Bonnie and Clyde’ foi um recado: o cinema não pretendia esconder mais nada e ia explicitar todos os problemas da América, jogando tudo – até de forma estética – na cara do espectador”.

Triste Trópico. “Talvez possamos pensar nisso, nestas obras capturando certo espírito daquilo que ia acontecer no ano seguinte”, diz Eduardo de Jesus, professor de publicidade e cinema da PUC Minas. “Já que 1968 foi um ano que não veio de uma hora para outra, talvez elas se apresentem como uma gestação anterior”.

O ano de 1967 no Brasil é o de “Terra em Transe”, uma das maiores obras do cinema nacional e uma das assinaturas definitivas de seu cineasta, Glauber Rocha. “É um filme sintomático, tanto do projeto do Cinema Novo quanto do narrativo do Glauber, seu auge nesse sentido”, acredita Eduardo. “Tem esse marco de ele sair do sertão e ir para a cidade, um país fictício”.

Se “Bonnie and Clyde” usava a violência na chave do banditismo como questão comportamental, em “Terra em Transe” ela está conectada ao poder. “Nesse sentido ele é super-atual. O que vemos hoje é que esse Eldorado se materializou de alguma forma. Temos ali alegorias de várias formas do poder, essa coisa de calar a boca do povo, as forças da imprensa, da igreja, da economia e da política”, enumera o professor.

Enquanto isso

Oscar. A cerimônia de 1967, realizada em abril, sinaliza a presença de pelo menos um filme que se filiava às mudanças que o ano mostraria – “Blow-Up”, de Michelangelo Antonioni – mas teve como grande vencedor “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma”, representante da velha escola de Hollywood.


1967

O cinema e outras visões do feminino

FOTO: Youtube / Reprodução
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Deneuve se tornaria ícone

Nas salas de cinema dos Estados Unidos, o público se dava conta de que uma mulher de meia idade em crise conjugal (Anne Bancroft) poderia, sim, seduzir um jovem recém-formado (Dustin Hoffman) e, assim, descascar o ideal de família norte-americana, no brilhante “A Primeira Noite de um Homem”, de Mike Nichols. Na França, Luis Buñuel eternizava Catherine Deneuve como símbolo de atitude e beleza em “A Bela da Tarde”, por meio de Séverine, a esposa apaixonada pelo marido, mas que trabalha como prostituta à tarde para satisfazer seus desejos sexuais. E assim, em 1967, a representação cinematográfica ajudava a parir outra imagem do feminino, forte e inesquecível. (TP)

 

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