Cinema

Um carinho feito em família

Selton Mello lança nesta quinta-feira (3) “O Filme da Minha Vida, adaptação nacional do romance de Antonio Skármeta

Por Daniel Oliveira
Publicado em 02 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
 
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Selton Mello tem repetido muito que “a beleza salvará o mundo”. É uma frase de Dostoiévski que ele leu no livro de um escritor búlgaro cujo nome não lhe vem à cabeça, mas que foi uma indicação de Jorge Furtado. “Ele propõe que, quando tudo vai mal a seu redor, é hora de enaltecer o ser humano, o que ele tem de melhor”, explica.

Nos tempos difíceis que o mundo atravessa hoje, é isso que o ator e diretor deseja oferecer com “O Filme da Minha Vida”, que estreia nesta quinta-feira (3): uma chance de exaltar o lado bendito da vida. Para Selton, seu novo longa é “carinhoso, gentil, uma celebração da delicadeza e do lado luminoso de cada um. É um presente, uma flor que eu dou para o público”, sintetiza.

No universo cinematográfico do diretor, esse carinho e essa beleza são sintetizados pelo conceito de família. Adaptado do romance “Um Pai de Cinema”, do chileno Antonio Skármeta, o filme acompanha o jovem Tony Terranova (Johnny Massaro), que, nos anos 60, retorna a sua cidade natal, na serra gaúcha, ao mesmo tempo em que o pai, o francês Nicolas (Vincent Cassel), retorna a Paris. O protagonista tenta, então, entender esse abandono paterno, enquanto descobre o amor com a jovem Luna (Bruna Linzmeyer).

É um conto terno, que caminha entre a melancolia e o humor, sobre a ruptura numa relação entre pai e filho – uma descrição que também serviria para “O Palhaço”, longa anterior do cineasta. “Minha relação com meus pais e meu irmão é muito afetiva, e acho que é por isso que gosto de falar tanto de família. Ver os pais juntos, ter a família reunida, talvez seja um desejo infantil meu”, reconhece Selton.

Conscientemente ou não, “O Filme...” acabou sendo um de seus trabalhos mais “familiares”. Uma de suas inspirações durante a adaptação foi um quadro que está em seu quarto: a imagem pintada por sua mãe de uma mulher com tranças, de costas, em frente a uma janela. Há uma cena no longa em que Sofia (Ondina Clais), mãe de Tony, é enquadrada de forma idêntica. “Eu não tinha falado nada para a maquiagem, e eles fizeram a trança. Quando olhei, disse ‘é o quadro da minha mãe’. Acredito que, se você alinha seu grupo emocional e afetivamente, coisas desse tipo começam a acontecer”, revela.

Esse preciosismo visual, especialmente na reconstituição da época, é o grande destaque da produção. A bela fotografia de Walter Carvalho – abusando de molduras de janelas, sombras e espelhos para ressaltar o caráter metalinguístico do título –, o design de produção de Claudio Amaral Peixoto e os impecáveis figurinos de Kika Lopes recriam uma década de 60 pelo olhar romantizado do protagonista. Na idealização de suas memórias com o pai, Tony permanece preso nesse limiar entre infância e vida adulta, o passado e o futuro e entre duas figuras paternas – Nicolas e Paco, um amigo da família vivido pelo próprio Selton –, tendo que definir, entre os dois, que homem ele será.

O ator e diretor reconhece ainda que, além do visual e da decisão acertada de filmar na Serra Gaúcha, esse passado romântico ganha vida na tela, em grande parte, graças à excelente trilha musical. Ele explica que já apontava canções desde o roteiro, e que o resultado final – que inclui de Charles Aznavour a Sérgio Reis – é a soma de uma pesquisa dele, do compositor Plínio Profeta, do supervisor musical Gustavo Montenegro e do montador Marcio Hashimoto. Um dos destaques é uma longa sequência ao som de “I Put a Spell on You”, de Nina Simone, no clímax do filme. “É uma das minhas músicas favoritas. Ela dá uma envenenada ali, do cara que cresceu. Tem um veneno bom”, revela o diretor.

Esse crescimento, essa passagem da bicicleta para a moto, da infância para a vida adulta, ganha corpo – e rosto – na boa atuação e nos olhos de filhote sem dono de Johnny Massaro. Conseguir o ator não foi fácil, mas Selton tinha certeza, desde o início, de que a mistura inusitada do carioca era seu Tony. “Ele tem um rosto muito especial. Parece ator antigo, é meio francês. É gauche, mas é gato. É esquisito, mas é protagonista. Tem humor, mas tem uma melancolia”, descreve, afirmando que ele é a encarnação do que Skármeta explica como alguém “que se sente coadjuvante na própria história”.

Esse casamento perfeito foi fundamental, já que o maior defeito do longa é que as demais personagens – em especial, as femininas – em torno do protagonista não são muito bem-definidas. “O Filme da Minha Vida” é, em grande parte, um longa sobre a definição de uma masculinidade, com garotos obcecados por garotas e sexo, e Tony entendendo, no meio disso tudo, o que significa ser homem. E o resultado é que o roteiro acaba retratando as mulheres como meros objetos de desejo, existindo ali para definir o caráter dos homens que as escolhem, sem aprofundar nem dar voz a nenhuma delas – Sofia, a mãe abandonada, é o pior sintoma disso.

Selton tenta compensar isso e a falta de um terceiro ato satisfatório, com uma boa direção de atores. Algo que, depois de dirigir a série “Sessão de Terapia” sozinho, ele tira de letra. “Faço uma analogia com futebol. ‘Sessão’ foi como ficar treinando dois toques no meio de campo. E ‘O Filme...’ foi sair para o campo, onde eu podia abrir o quadro, mas com a sabedoria de como manter a atenção do público”, compara. O resultado pode não ser um jogaço, mas deve agradar à geral.

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