Estreia

Uma cidade partida

'Projeto Flórida' retrata a pobreza nos arredores da Disney World


Publicado em 01 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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TORONTO, CANADÁ. Tão perto, tão longe. “Projeto Flórida” é o melhor filme da atual safra norte-americana dentre os esnobados pelos eleitores da Academia de Artes e Ciências de Hollywood – foi indicado a apenas um Oscar, de ator coadjuvante, para Willem Dafoe. A direção do filme que estreia hoje é de Sean Baker, do corajoso “Tangerine”, filmado em 2016 com três iPhones 5, que tem como protagonista uma prostituta trans.

Seu mais recente indie, que acumulou levas de devotos no circuito dos festivais no ano passado, também não economiza na crítica social, mas ganha em ternura ao centrar a história em um grupo de crianças vivendo na pobreza em um subúrbio de Orlando, a poucos passos da Disney World.

O nome do motel transformado em projeto habitacional em que vivem a maior parte do tempo é Castelo Mágico, e o longa foi batizado com o apelido do parque de diversões antes de sua construção, na virada dos anos 70. “Desta vez, não dava para filmar com smartphone. Queria o oposto do visual ultradigital. Até no fim, quando você vê algo simbólico através de um telefone celular, fiz questão de refazer a cena em película. A sensibilidade deste filme exigia isso”, diz o diretor de 47 anos.

Um dos destaques de “Projeto Flórida” são as imagens captadas por Alexis Zabe. Após “pirar” com “Luz Depois das Trevas” (2012), dirigido pelo mexicano Carlos Reygadas, com direção de fotografia de Zabe, Baker decidiu que precisava “daquelas cores”. Depois de testar a parceria no curta promocional “Snowbird” (2016), filmado, como “Tangerine”, em iPhones, Baker intimou Zabe a criar com ele algo como “Os Batutinhas” do século XXI.

O roteiro de Baker migrou para as lentes do profissional conhecido do grande público pelo clipe de “Happy”, de Pharrell, de forma surpreendente. A fantasia do lado de cá dos portões da Disney surge nas artimanhas para se conseguir uma bola de sorvete grátis nas ruas sujas de uma Orlando bem distante da vendida em pacotes turísticos para a classe média tupiniquim. Um dos momentos mais divertidos se dá, aliás, com a chegada, por engano, de turistas brasileiros ao Castelo Mágico.

Baker encontrou uma linguagem original na sensibilidade “pop” de um filme que não tem medo de passear por temas adultos como a crescente desigualdade americana e o terrível impacto nas novas gerações da realidade de um país cada vez mais segregado.

A linha narrativa é conduzida de forma sensível, mas sem concessões melodramáticas, pelas crianças vividas por Brooklynn Prince (Moonee), Valeria Cotto (Jancey) e Christopher Rivera (Scooty). Cabe a Halley, a jovem mãe de Moonee, papel difícil e bem resolvido pela também estreante no cinema Bria Vinaite, assegurar a sobrevivência de sua família disfuncional. Ela banca o aluguel no muquifo administrado pelo zelador Bobby, vivido por Dafoe, com trambiques praticados, quase sempre, com a filha.

Indicado ao Oscar por “Platoon” (1986) e “A sombra do Vampiro” (2000), Dafoe conta que o filme o fez abrir os olhos sobre a epidemia dos sem-teto. “Tenho família na região de Orlando e, quando li o roteiro, pensei: ‘Como é que eu era ignorante em relação a esta realidade?’. Fui atrás antes de começar as filmagens. Meu Bobby é fruto do mergulho que fiz na realidade das pessoas que tentam terminar o mês com um teto, e do olhar do personagem para esse inferno social”.

Baker começou a pensar em um filme sobre uma das mais trágicas sequelas da explosão da bolha do mercado imobiliário norte-americano há sete anos, antes mesmo de “Tangerine”. Influenciado pelo britânico Ken Loach, e resistente ao pedido de executivos de Hollywood para diminuir a carga dramática de seu roteiro, ele penou para tirar “Projeto Flórida” do papel. “Sabia que tinha algo original sobre a pobreza norte-americana. Me tocou foi descobrir toda uma geração de crianças crescendo assim”, diz Baker. “Depois de ‘Tangerine’, poderia ter me transformado em algo como um diretor de filmes de super-herói feitos em iPhone, mas não me interessa. Não tenho problema em viver de aluguel em Los Angeles e, em contrapartida, contar histórias sobre a realidade de meu país que não aparecem nas telas do cinema”.

FOTO: DIAMOND FILMS/DVULGAÇÃO
Willem Dafoe

No Oscar

Willem Dafoe (foto) é um dos indicados ao Oscar de melhor ator coadjuvante por seu papel como gerente de um motel perto da Disney, em “Projeto Flórida”.

 

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