“Homens, Mulheres e Filhos”

Uma grande rede desconectada 

Longa explora relação codependente com a internet e segredos da vida online

Por Daniel Oliveira
Publicado em 04 de dezembro de 2014 | 04:00
 
 
 
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“Homens, Mulheres e Filhos”, que estreia hoje nos cinemas, observa com um olhar quase antropológico a overdose de tempo que passamos em frente a telas de computadores, celulares e tablets atualmente, e a relação codependente que estabelecemos com esses aparelhos. No entanto, ser capaz de observar isso é diferente de ter algo a dizer a respeito.

E o problema do longa do diretor e roteirista Jason Reitman é exatamente esse. Como um âncora de telejornal que vê uma imagem e, sem nada a comentar, fica apenas descrevendo aquilo de forma redundante, o filme enxerga uma questão ali, mas não acrescenta nada de novo a ela. E o mais surpreendente – e triste – é que isso vem de um cineasta que fez alguns dos comentários mais ácidos e clínicos sobre as idiossincrasias das crias do novo milênio nos ótimos “Obrigado por Fumar” e “Amor sem Escalas.”

Adaptando o romance de Chad Kultgen, Reitman acompanha uma série de personagens (descritos no título) e seus vícios virtuais em uma cidade no interior do Texas. Há o casal (Adam Sandler e Rosemarie DeWitt) em crise que busca formas de curar o tédio – ele com prostitutas e ela com uma rede social de adultério. O filho deles é tão viciado em pornografia que não consegue ter uma relação sexual sadia com a líder de torcida, cuja mãe (Judy Greer) cria um site quase pornográfico para alçar a filha ao estrelato instantâneo.

Há ainda o jogador de futebol americano (Ansel Elgort) que desiste do esporte quando é abandonado pela mãe e se refugia em um jogo online. A única pessoa com quem ele estabelece uma relação é a garota (Kaitlyn Dever) vigiada a ferro e fogo pela mãe (Jennifer Garner) obcecada com a vida virtual da filha. Ah, e tem ainda a menina anoréxica estimulada a não comer por um fórum online.

E se não cito o nome de nenhum desses personagens, é porque você não vai se lembrar de nenhum deles ao fim do filme. Por um simples motivo: eles não são personagens, mas sim tipos. A anoréxica, o jogador de RPG, o marido adúltero, a esposa entediada, a loira peituda fascinada pela fama.

Com esse amontoado de histórias, Reitman não tem tempo de desenvolver nenhuma delas. E o resultado é que elas acabam seguindo fórmulas previsíveis – e na segunda ou terceira cena, já é possível imaginar onde elas vão dar.

O desafio de longas com múltiplas narrativas é fazer com que as diferentes histórias catalisem os temas umas das outras e potencializem sua ressonância, construindo um argumento mais sólido pela soma. Por mais que possa haver objeções quanto ao seu discurso e seu olhar sobre o tema, ou sua abordagem melodramática, foi exatamente isso que “Crash – No Limite” conseguiu fazer.

E é o que falta a “Homens, Mulheres e Filhos”. O filme tem histórias interessantes e Reitman extrai boas atuações de seu elenco. O casal vivido por Sandler e DeWitt é um bom exemplo: a sequência em que o longa corta entre o encontro adúltero dos dois é a melhor da produção e atesta o talento do cineasta. Mas deixa o espectador com vontade de mergulhar mais naquele relacionamento – e quando ele fica bom, o filme acaba.

O mesmo problema da falta de tempo compromete o momento mais dramático do longa, quando a personagem de Jennifer Garner toma a decisão mais moralmente condenável do roteiro. Ela perde grande parte de seu efeito porque a personagem não tem nenhuma profundidade ou nuance e, consequentemente, o longa não consegue convencer do porquê ela realmente faz aquilo.

Some a isso a narração em off de Emma Thompson que tenta associar a história à física quântica de Carl Sagan e fica claro que “Homens, Mulheres e Filhos” atira para lados demais sem acertar em nenhum. Sim, o longa tem momentos engraçados em que é fácil se reconhecer na hipnose da vida online, mostrando que ela é, na verdade, uma muleta para nossa extrema solidão e incapacidade de se comunicar. Mas isso não é novidade, é só um primeiro ato. Faltam os outros dois, em que o filme não seja só um papo de tio de que a internet é ruim e você precisa sair mais.

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