Cinema

Uma história para ver e ouvir

Redação O Tempo

Por DANIEL OLIVEIRA
Publicado em 12 de abril de 2013 | 20:12
 
 
 
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Em uma das principais cenas de "O Cantor de Jazz", de 1927, o protagonista Jakie Rabinowitz canta animadamente e conversa com a mãe, Sara, na sala da casa dela. O pai, um judeu ortodoxo que quer que o filho siga a tradição de cantores litúrgicos da família e abomina o gosto popular de Jakie, chega e grita: "Pare!".

O silêncio se abate. O cinema volta a ficar mudo. Para Eduardo Morettin, professor de cinema da Universidade de São Paulo (USP), a sequência marca bem a relação que vai configurar o início do cinema sonoro que tem início oficialmente com "O Cantor de Jazz", considerado o primeiro filme falado da história. Ao mesmo tempo em que já introduz o musical como gênero por excelência dessa nova fase, a cena deixa clara a resistência que a mudança vai sofrer pelos artistas do cinema mudo, "que já haviam construído uma linguagem muito sofisticada e bem definida àquela altura", explica Morettin.

O filme, estrelado pelo astro da Broadway Al Jolson, foi lançado em blu-ray no último dia 21 de março pela Warner, como parte da comemoração de seus 90 anos. Dirigido por Alan Crosland, o longa é um dos principais marcos da companhia criada em 1923, que entrou para os livros como pioneira no advento do som. Mais ainda, ele afirmou como um dos principais estúdios norte-americanos a Warner que, até então, só era mais conhecida pela cinessérie do astro canino Rin Tin Tin.

Morettin explica que, na verdade, "O Cantor de Jazz" é o primeiro filme com diálogos sincronizados, e não com som. O que acontecia no cinema mudo era que músicos eram contratados para fornecer uma trilha ao vivo para os longas durante a projeção nos cinemas.

"Mas filmes como `Aurora´, de Murnau, e `A Turba´, de King Vidor, já traziam discos com as músicas que deviam ser tocadas durante a exibição", conta.

A produção da Warner inovou ao trazer o protagonista cantando e alguns poucos diálogos em cena. O sistema que possibilitou isso, o Vitafone, também consistia num disco que era tocado separadamente. Ele seria utilizado até 1931, quando a banda sonora impressa diretamente na película se tornou a regra.

Mas, se essa novidade se tornou um sucesso que obrigaria toda a indústria cinematográfica a seguí-la - similar ao 3D ou à exibição digital hoje -, ela também foi criticada pelo retrocesso que representou em termos de linguagem. Narrativamente, "O Cantor de Jazz" é ainda um típico melodrama mudo. A maioria dos diálogos se dá em intertítulos; os enquadramentos são quase sempre planos gerais ou americanos, via de regra fixos; e a trama é bem simples, adaptada de um musical da Broadway, sobre o filho judeu que entra em conflito com o pai ortodoxo e sai de casa porque quer ser um cantor popular.

"O filme estreia no apogeu do cinema mudo, com o uso da câmera solta e histórias muito complexas e bem trabalhadas", analisa Eduardo. Com o advento do som, grande parte desse requinte visual é sacrificada em nome da sincronização de canções e diálogos. "Numa perspectiva artística e cultural, o olhar da época foi contaminado pelo lamento de que o cinema sonoro acarretou uma perda", explica o professor.
 
Além disso, outra crítica que macula a narrativa de "O Cantor de Jazz" vem na sua cena-clímax. Ao ser confrontado no camarim pela mãe e pelos produtores de seu espetáculo - e ser obrigado a decidir se vai cantar para o pai na celebração do Dia do Perdão Judeu ou fazer sua estreia na Broadway - o protagonista Jakie está usando a `blackface´. A maquiagem, que pintava o rosto de atores brancos para interpretarem personagens negros, e a peruca de cabelo crespo estão entre os piores símbolos do racismo norte-americano e são um tabu até hoje.
 
O blu-ray lançado pela Warner traz uma série de curtas produzidos com a tecnologia do Vitafone na época. Em um deles, Jolson aparece novamente cantando pintado de preto. "Historicamente, isso é um sinal de que o longa está inserido dentro de uma tradição em que a questão da raça é um problema", afirma Morettin. Assim como a presença da Ku Klux Klan no pioneiro "O Nascimento de uma Nação", dirigido por D. W. Griffith em 1917, é uma mancha que, ao mesmo tempo, faz do filme um registro cultural e histórico de sua época, e o torna mais importante pela inovação de linguagem do que pelo conteúdo da narrativa.

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