Entrevista

'Vamos tentar tirar da cultura para colocar na cultura'

Prefeito Alexandre Kalil diz que vai fazer cortes na estrutura da Fundação Municipal de Cultura para viabilizar projetos

Por Joyce Athiê
Publicado em 12 de abril de 2017 | 03:00
 
 
 
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Os últimos dias foram movimentados para a área cultural de Belo Horizonte. Um dia após o pedido de exoneração de Leônidas Oliveira do cargo de presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), a audiência pública na Câmara Municipal que discutiu os cortes do Orçamento previsto para o setor neste ano expôs a situação de fragilidade da instituição.

As notícias geraram preocupação sobre a viabilização de projetos financiados pela FMC, como o Festival Internacional de Teatro – Palco & Rua (FIT), o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) e o Festival de Arte Negra (FAN), entre outros.

O Fundo Municipal de Cultura também foi afetado. Sem o aumento progressivo do Orçamento, estimado em R$ 12 milhões, a verba para o fomento, em 2017, é da ordem de R$ 5 milhões, sendo que R$ 1,5 milhão seria destinado a quitar dívidas anteriores.

No bojo da movimentação do setor, ainda está a recriação da Secretaria Municipal de Cultura, promessa de campanha de Kalil que passará a entrar na esfera do debate a partir da reforma administrativa. Em um dia destinado a atender a imprensa, o prefeito conversou com o Magazine sobre seus planos para a cultura de Belo Horizonte.

Estamos diante de uma situação difícil na Fundação Municipal de Cultura. Inicialmente, devido à saída de Leônidas Oliveira, indicado pela gestão anterior.

Sim, ele pediu demissão. Existe uma prioridade da cultura no meu governo que é a cultura popular. Nós temos um Orçamento hoje de R$ 50 milhões, e praticamente R$ 30 milhões estão indo embora na folha de pagamento. Isso não pode acontecer. Com a saída do Leônidas, nomeei interinamente a Simone Araújo (da Diretoria de Ação Cultural Regionalizada). Ela vai ficar até acabarem os feriados. Vamos criar a Secretaria de Cultura e a fundação vai ficar debaixo dela. Uma cidade como Belo Horizonte tem que ter um aeroporto e uma Secretaria de Cultura.

Esse processo de criação da secretaria já está em andamento?

Estou recebendo do Murilo Pereira, do administrativo, um diagnóstico completo da estrutura da fundação. Temos que reduzir a máquina da fundação. Por que estamos sem dinheiro para ajudar a quadrilha, os congados, os movimentos teatrais? Porque o dinheiro está ficando no meio do caminho, na folha de pagamento. Primeiro, tenho que ter um diagnóstico do pessoal da fundação. Não vamos acrescer uma secretaria. Não vamos inchar. Vamos usar o pessoal da fundação para fazer a secretaria. Das diretorias que a fundação tem, um será o secretário, com um salário que é praticamente o mesmo da fundação.

Esse é um diagnóstico para um possível corte, mas outros já foram anunciados. Como será possível fazer uma gestão da Fundação de Cultura nesses termos?

A fundação foi pouco afetada, até porque ela tem muita coisa, muito equipamento desgastado, não usado. Para você ter uma ideia, o Teatro Francisco Nunes estava sem ar-condicionado. O museu Abílio Barreto estava com uma árvore caída em cima. Nós tivemos que chegar e falar: “Socorro”. Estamos cheios de equipamentos espalhados sem o menor apelo de público. E equipamento sem apelo de público é dinheiro queimado.


Incentivo

“Não vai faltar dinheiro”

Kalil deixa claro que nenhum projeto cultural corre risco, fala de seus planos para a festa junina e condena o pichador

FOTO: LINCON ZARBIETTI - 23.5.2016
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FIT. “Les Girafes, Opérette Animalière”, na praça da Estação

Durante a entrevista que o prefeito Alexandre Kalil concedeu nessa terça-feira (11) ao Magazine na sede da Prefeitura de Belo Horizonte, no centro da capital, ele falou sobre a sucessão na Fundação Municipal de Cultura, a volta da Secretaria Municipal de Cultura, o desejo de que as festas juninas ganhem a mesma dimensão do Carnaval e o que pensa sobre pichação.

Há um nome previsto para ocupar a presidência da Fundação Municipal de Cultura? O nome da atriz, diretora e vereadora Cida Falabella foi sondado?

A Cida tem todas as qualidades, mas eu não a sondei, como não sondei ninguém. Não sou de sondar, sou de convidar. Estamos conversando com o pessoal da área de cultura antes de escolher esse nome. Não temos pressa porque a fundação está em pleno funcionamento e não podemos errar. Fizemos um evento cultural importante para a cidade, que foi o Carnaval. Queremos fazer uma festa junina que se prolongue por todo o mês de junho e atinja aglomerados, vilas, favelas.

Isso é uma demanda da sociedade?

Não, isso foi uma ideia da Belotur trazida pelo (Aluizer) Malab (atual presidente do órgão) que abracei. São eventos importantes para a cidade, e vamos tentar fazer da festa junina o que fizemos do Carnaval. Tem que ter quermesse, cerveja, pipoca, picolé, porque tem que ter gente. Se pensa muito a cultura isolada, cultura tem que ter gente.

Minha pergunta é se o pensamento de tornar a festa junina algo com a dimensão do Carnaval é uma demanda da sociedade e se isso está sendo criado com os órgãos que pensam a cultura.

Não, será feito como fizemos com o Carnaval. Vamos sentar com todo mundo, ouvir as demandas para ver o que podemos investir, porque é papel do Estado dar segurança, alvará, autorização. Prefeitura não sabe fazer nem Carnaval, nem festa junina, nem réveillon. Não sabe fazer nada. Queremos ajudar quem sabe fazer.

No fim do ano passado, a fundação e o Conselho Municipal de Cultura aprovaram a nova lei de fomento que modifica o Fundo Municipal de Cultura. Existia a previsão de crescimento do Orçamento, mas o próximo edital já tem um corte. De R$ 12 milhões, a verba foi para R$ 5 milhões, sendo que R$ 1,534 milhão são referentes a dívidas anteriores.

Queremos implementar o dinheiro na cultura. Não estou cortando para colocar o dinheiro em outro lugar. Tem R$ 5 milhões do fundo, R$ 1,534 é dívida que até já mandei pagar. Mas, nesse corte, posso aumentar o valor do fundo colocando dinheiro para a cultura. De onde ele vem, não importa. Se cortei do Orçamento de R$ 50 milhões e sobrou, é para a fundação, é para o fundo.

Mas, por exemplo, já temos um corte de R$ 7 milhões do fundo. Já existe um planejamento de como isso será usado na cultura?

Não foi cortado. Nada foi acrescido. Fala-se de R$ 5 milhões, mas se esquece dos R$ 50 milhões, porque ele é consumido pela folha de pagamento, pra manutenção do que não é usado. Se fechar a torneira como tem que se fazer em tudo – na saúde, na educação, na segurança – , sobra dinheiro. Se sobra dinheiro, você atende as demandas.

Mas, prefeito, um fundo de R$ 5 milhões que já começa com uma dívida de R$ 1,5 milhão é quase um valor simbólico.

É zero. Por isso, estou pedindo essa reestruturação. Para aumentar o fundo, vamos ter que tirar dinheiro de algum lugar. De onde? Da própria fundação, que tem um gasto meio exagerado. Vamos tentar tirar da cultura para colocar na cultura.

Existe uma previsão para a fundação entregar esse estudo?

Esse estudo está sendo feito cuidadosamente por nos. Vou recebê-lo depois do feriado. O dinheiro tem que sair da cultura, mas tem que ser usado no fomento da cultura popular. Não pode estar perdido em quatro ou cinco diretores ou em um monte de funcionários. Agora, isso é um diagnóstico de prefeito. Se eu te falar que sou um profundo conhecedor da cultura popular, eu sou um mentiroso. Nunca fui. Estou aprendendo porque estou conversando. Eu ouvi (o pessoal do) congado, da quadrilha, da escola de samba, do bloco caricato, dos músicos. O que pode ser feito, eu já fiz. Liberar os músicos para tocar nos bares é cultura. Isso gera emprego, fomenta a economia.

Eu queria entender melhor a proporção dessa quadrilha.

Eu também não sei. Recebi isso ontem. Começou como o Carnaval. Vamos fazer? Sim. Vamos começar a chamar as pessoas e fazer um programa.

O Carnaval vem de uma demanda da sociedade.

Mas essa demanda da quadrilha existe. As quadrilhas são populares. Mas o pessoal não tem nem lugar para ensaiar. É a mesma mentalidade do Carnaval. O tamanho quem dá é o povo. Eles nos informam o tamanho do brinquedo, e a gente cuida da estrutura do tamanho estimado.

Por falar em tamanho e proporção, dentro dos projetos da fundação, o FIT e o FAN têm uma demanda de maior orçamento. O FAN foi feito com R$ 1,5 milhão. O FIT, R$ 5 milhões. Diante do cenário, temos uma reprogramação que veio com cortes.

Não. O orçamento da fundação foi mantido. O que não houve foi o aumento programado.

Houve corte no que foi solicitado. E, segundo a própria fundação, eles têm R$ 3 milhões para realização do FIT, do FAN, do FIQ, dos editais, das exposições e de todos os outros projetos da FMC. É impossível isso ser feito com esses valores. Qual é o risco que esses projetos enfrentam?

Nenhum.

Não corremos o risco de ficarmos sem esses projetos?

Não. Mas temos que arrumar o dinheiro. Isso é o dever do gestor público. Vamos ter a Virada, o Festival de Literatura, toda a programação cultural. Mas é dever do Estado arrumar o dinheiro. É claro que não vai faltar dinheiro. Vamos atrás da iniciativa privada, botar o prestígio pessoal do prefeito para não faltar nada. Temos “N” maneiras de fazer, mas não podemos tirar dinheiro da saúde. O meu compromisso com o pessoal da cultura é não deixar faltar. Mas me deixem trabalhar para não deixar faltar. Se não cortar, não tem cultura.

O que ganhamos, de fato, com o retorno da Secretaria Municipal de Cultura? Ela já está incluída na reforma administrativa, de abril?

O que se ganha é gente projetando a cultura. Uma fundação não projeta. Uma secretaria projeta. A função da fundação é execução. E da secretaria, planejamento. A secretaria já entra agora em abril na reforma administrativa. Ela será criada assim que a reforma passar na Câmara, automaticamente.

Ela entra no Orçamento da FMC?

Sim. Com o mesmo pessoal inclusive, o que era uma reivindicação.

Na gestão anterior, tivemos uma perseguição ao “pixo”. Gostaria de entender como o senhor pensa o “pixo”.

Mas pichador tem que ser perseguido.

O senhor tem certeza que quer afirmar isso?

Pichação é diferente de grafitagem. A grafitagem é uma coisa bonita. Estamos lançando um projeto bacana (o Projeto Profeta Gentileza). Agora, ficar rabiscando a parede da cidade, sou contra. Por isso quero grafitar. Ocupar o espaço com arte.

Não entende o “pixo” como uma forma de expressão?

Eu não consigo ler aquilo. Posso ser mais burro que os outros. Se algum dia alguém me explicar, estou disposto a aprender. Mas não tenho a menor ideia de que expressão é aquilo. Eu, humildemente, gostaria que alguém me explicasse o que aquilo representa. A grafitagem, eu acho um barato. É igual tocar um violão. Eu que não toco nem tambor, acho o que os outros fazem e eu não consigo fazer um espetáculo. Mas, se alguém me explicar a arte do “pixo”, posso até adorar. Mas hoje, na minha mediana inteligência, não consigo ver nada de interessante ali.

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