Arte contemporânea

Vivências performáticas

Artista mineira Priscila Rezende traz à tona questões do machismo e do preconceito racial em seus diversos trabalhos

Por Gustavo Rocha
Publicado em 28 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Pensar a arte como reflexo de seu tempo é o que movimenta a artista Priscila Rezende. Nome de destaque na cena de arte contemporânea, especialmente na performance, ela tem circulado por diversos festivais e encontros para desenvolver e trazer à tona suas questões.

“Acredito que a arte é a própria política. Em uma sociedade machista e racista como a brasileira – onde alguns ainda acreditam que ‘lugar de negro é na cozinha’, na limpeza, sempre servindo e na miséria –, um corpo negro, em si, já é um ato político. Principalmente um corpo negro feminino, que ocupa o espaço da arte, ‘reservado’ à branquitude. Estamos fazendo política quando fazemos arte”, destaca.

Priscila acumula trabalhos de destaque em sua trajetória, passando pelo Museu de Arte da Pampulha e por galerias culturais e mostras em São Paulo, Santos e Vitória. Fora do Brasil, esteve em Berlim e foi residente na Central Saint Martins, em Londres, e Art Omi, em Ghent (Nova York).

A performer esteve presente no FIT com “Deformação”, na qual fica clara sua intenção de abordar a mulher negra na sociedade brasileira, tentando conformar seus corpos a padrões estéticos impostos pelo meio social.

“À medida que fui ampliando meu entendimento em relação à raça, a compreensão do que significa ser um corpo negro, mais queria colocar isso no trabalho, pois a performance se apresentou como um espaço de catarse mesmo pra mim, e quanto mais fazia performance, mais queria desenvolver o trabalho para poder falar sobre meus incômodos e vivências”, ressalta a artista.

Questionada se a função principal da performance seria justamente política, Priscila diz não acreditar em função como algo intrínseco à arte: “Acredito que não só a performance como qualquer outra mídia artística tenham ferramentas e poder para dialogar politicamente. A arte tem possibilidades infindas, e a política é uma delas. Não vejo como uma função. A função exerce, serve a algo, e não acredito que a arte sirva para a política”.

Ao refletir sobre a cultura afro-brasileira, suas influências e a resistência enfrentada por ela no Brasil, Priscila destaca a falta de reconhecimento. “Tivemos três séculos de escravidão negra, temos influência da cultura africana na língua, na gastronomia, nos hábitos, mas em 2018 ainda há a necessidade de uma lei para que se ensine a cultura afro-brasileira nas escolas”, explica.

Priscila esteve recentemente no extremo norte do país, por conta da residência Urbis – edição Oiapoque, organizado pelo coletivo Tensoativo (de Macapá) e patrocinado pelo Rumos Itaú Cultural. “Nunca havia estado ou tido contato por um período mais duradouro com indígenas. A arte feita por indígenas não tem o mesmo espaço e visibilidade que artistas brancos. Eu reconheço que desconhecia o trabalho desenvolvido pelos indígenas”, pondera ela.

Formação

Foi o interesse pela fotografia e pelo desenho que levaram Priscila ao curso de artes plásticas na Escola Guignard. Vinda de uma família humilde, a artista conta que precisou pensar em formas de construir uma carreira rentável e que isso não passava pela arte. Assim, ela tentou sem sucesso fazer os cursos de design gráfico e produção editorial até, mais uma vez, tentar cursar a faculdade de artes.

“Meu acesso sempre foi limitado. Nunca tinha ouvido falar em performance, por exemplo. Conheci a performance através de um workshop oferecido pelo professor Marco Paulo Rolla, na Guignard. A possibilidade de ter o corpo como ferramenta de criação e expressão foi o que me atraiu”, relembra.

Do contato com Marco Paulo Rolla, surgiu a performance “Laços” e depois “Bombril”.

 

Artista enfatiza a necessidade de igualdade e maior inclusão

A artista Priscila Rezende tem circulado com seu trabalho por festivais e encontros no Brasil e no mundo. Entretanto, apesar da visibilidade e da boa aceitação de suas performances, ela destaca que é importante pensar realmente sobre a curadoria e o espaço que é destinado a artistas negros, mulheres e LGBTs, nos eventos artísticos.

“Podemos ver uma crescente na inclusão de artistas negros e questões da negritude em programações culturais, mas ainda é insuficiente. Suficiente para mim é estar como igual, não só em quantidade, mas em valorização e tratamento”, destaca Priscila.

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