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Mineiro vencedor do Jabuti, Leonardo Chalub conta bastidores da obra premiada

O livro Palmares de Zumbi foi o escolhido por Carlos Honorato, Júlio Emílio Braz e Sandra Medrano, jurados da categoria juvenil

Por Patrícia Cassese
Publicado em 27 de novembro de 2020 | 19:06
 
 
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A vontade de contar histórias acompanha o mineiro desde Leonardo Chalub, 34, desde sempre. Não por outro motivo, quando chegou o momento de escolher o curso para o qual iria prestar o vestibular, ele marcou o X em cinema, um modo de viabilizar aquele antigo desejo. No entanto, alguns fatores fizeram com que a realidade solapasse os sonhos. "É uma carreira muito difícil no Brasil - em Belo Horizonte, então, nem se fala. Tive alguns desacertos profissionais, fiquei meio desencantado e fui para a publicidade, para tentar ampliar o leque. Acabei ingressando no Cedecom-UFMG, onde fui fazer edição de vídeo (atualmente, é técnico de audiovisual da Escola de Engenharia).  Mas a vontade de contar histórias nunca saiu de mim", diz ele, que acabou realizando o sonho não diretamente por meio da telona, e sim, em um livro. Nesta quinta-feira, ele teve a certeza de que todo o esforço valeu a pena: Chalub foi um dos vencedores da 62ª edição do Prêmio Jabuti, com o livro "Palmares de Zumbi" (Nemo), agraciado na categoria “Juvenil”.  Carlos Honorato, Júlio Emílio Braz e Sandra Medrano foram os jurados da categoria. 

Leonardo lembra o dia exato em que o insight para escrever o livro se deu. "Estava assistindo a um filme cujo orçamento era obviamente caríssimo. Mas era muito ruim! E me vi pensando: 'Não é possível que um estúdio tenha investido tanto dinheiro em um roteiro tão fraco'. De cara pensei que eu mesmo poderia ter escrito algo melhor. E como tinha muita coisa (escritos) engavetada, resolvi colocar aquele pensamento em prática", rememora.  

À época, o moço tinha acabado de voltar a treinar capoeira. "Comecei muito novo na capoeira, mas não aquela de academia, que você faz a aula e vai embora. A capoeira que sempre me interessou foi onde tive acesso a uma bagagem muito bacana, um conhecimento que o público geralmente não acessa: a que envolve também a cultura  e a história em torno dela. Algo muito mais aprofundado do que aquela roda que algumas pessoas  geralmente veem em uma praça, mas não prestam tanta atenção assim ao que os capoeiristas estão cantando, à letra da música. Tive acesso a esse conhecimento e achei que, com um livro, poderia contribuir para capoeira, de certa forma devolver a ela o que me proporcionou".

A alusão a Zumbi dos Palmares na letra de uma das músicas entoadas por um de seus mestres na prática de Leonardo fez com que a potência dessa figura emblemática na história do Brasil fosse florescendo em sua mente. "Instigado, resolvi pesquisar mais sobre ele. E acabei me deparando com milhares de versões. Um dado interessante é que, na época, eu não tinha acesso aos buscadores de internet que a gente tem hoje, como a Wikipedia. E, assim, decidi contar a história pela capoeira, que é uma arte na qual, ao contrário de outros esportes, você não precisa ser o melhor jogador, e, sim, contribuir. E isso algumas pessoas fazem por meio de um evento, outras por um CD... Eu dedici escrever um livro. O objetivo incial era vender na roda que participava, esse foi o caminho que havia acertado para o livro, naquela época", reconta.  

Cumpre frisar que, no processo de escrita, Leonardo acabou se valendo dos ensinamentos que adquiriu na faculdade de cinema. "Nunca tinha estudado 'como escrever um livro', e sim como fazer um filme. Mas fui usando o que aprendi, como a curva dramática, a escrita de um roteiro, a jornada do herói... Fui usando isso para escrever. E pensei, desde sempre, que queria uma escrita que fosse o mais fácil possível de, mais tarde, ser transformada em roteiro. Mesmo que não fosse fácil de executado, que não fosse nada fora da realidade".

A história que culminou com o Jabuti teve um capítulo importante quando ele enviou o material para a irmã, que é doutora em linguística, dar uma avaliada. Sem o conhecimento de Leonardo, ela acabou repassando o rascunho ao pessoal da Nemo, braço da Autêntica. "E o editor me retornou muito rápido, disse: 'Segura, eu quero esse texto'".

Naturalmente, o original foi submetido a algumas etapas, criteriosamente acompanhadas por pessoas com lugar de fala para o assunto, como Nilma Lino Gomes, pedagoga e ativista do movimento negro. Narrado como uma aventura, que acompanha o líder quilombola desde que ele ainda era Francisco, coroinha de Porto Calvo, o livro também se apresenta como uma “biografia” do Quilombo dos Palmares e de tudo aquilo o que ele se tornou sob a liderança do herói. Zumbi é de Palmares tanto quanto o Palmares imortalizado pela história é de Zumbi: um não pode existir sem o outro em nossa memória coletiva. 

Nilma assinalou: “Um interessante texto literário, detalhado, com uma escrita que flui e um final surpreendente. A figura de Zumbi como protagonista foi bem construída misturando ficção e dados da realidade histórica. Há, na obra, uma mensagem de que foi na capoeira que o personagem encontrou um lugar que ajudou a dar sentido a sua ética em um mundo hostil. E a hostilidade, disputa, raiva, inveja do mundo são retratadas tanto no universo branco quanto negro”. A narrativa é ainda mais valorizada pelas ilustrações de Luís Matuto.

A questão do meio ambiente também permeia a história por meio da presença de um animal em particular: a onça. Leonardo se recorda, com indignação, do dia em que os jornais noticiaram a tragédia ocorrida com a onça Juma, morta com um tiro de pistola depois que fugiu dos instrutores após ter participado do evento do Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016 no zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), localizado na zona oeste de Manaus. "A onça dá um tom de ficção. Você percebe que, já na capa, há duas onças. Num primeiro olhar, pode parecer a vestimenta, mas são duas onças, olhando em direções contrárias. E algumas pessoas já entenderam o que elas representam no contexto, ainda que isso esteja colocado de forma sutil, o que o traço do Matuto em muito contribuiu".

Em tempo: o capítulo sobre Dandara, conta ele, foi a própria Nemo que sugeriu. E todos ficaram tão instigados e maravilhados que, agora, a ideia é lançar um livro específico sobre essa guerreira. Leonardo Chalub finaliza lembrando que, de início, pensou em destinar o livro a jovens adultos. "Mas ao conseguir colocar algumas questões difíceis de uma forma que de certa maneira tem um caráter lúdico, acho que o livro conseguiu abrir os olhos de muitos leitores, principalmente se pensarmos o impressionante número de pessoas que odeiam a figura de Zumbi dos Palmares sem ao menos saber quem ele foi", indigna-se. "Por isso, acabou sendo maravilhoso que o livro tenha se encaixado na categori juvenil", conclui.

 

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