“Nós vamos trocar alianças/ Não vai nos faltar esperança/ Eu estarei sempre ao teu lado”, Paulo Miklos canta, entre dedilhados de violão, nos versos iniciais de “Ao Teu Lado”, música que abre o disco “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” (Deck), lançado na sexta-feira (27). O amor, sob várias óticas, é um tema presente da primeira à última faixa do álbum, o quarto da carreira solo de Miklos – e o segundo desde que ele deixou os Titãs, em 2016.
“Ao Teu Lado” acaba sendo emblemática porque reflete o que ele queria para o disco: uma sonoridade que traduzisse leveza, esperança, paixão, amizade e um desejo de ver a luz e encontrar ar em meio ao sufoco.
“Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” é o álbum de um homem apaixonado e feliz por estar em uma relação. Após cinco anos juntos, o músico e a produtora Renata Galvão se casaram em novembro de 2019 numa cerimônia em São Paulo. O casal entrou ao som de “Sorte”, de Caetano Veloso. Mas Paulo Miklos ficou com vontade de ter sua própria marcha nupcial. É o que “Ao Teu Lado” pretende ser: “Ela anuncia que vamos trocar alianças, prometo muita cantoria, coloco promessas, sonhos, só não falo em dinheiro. Tem muito a ver com a minha vida”.
Poucos meses depois do casamento, veio a pandemia e um vírus completamente desconhecido começou a fazer parte do dia a dia do casal. No meio da correria, entre enclausuramentos, quarentenas, incertezas, filhos em aulas online, jogos de cartas e cachorros correndo de um lado ao outro, Paulo Miklos começou a escrever um par de canções despretensiosamente. Elas foram nascendo aos poucos e o compositor se deu conta de que dali poderia surgir algo maior. “Parecia que eu estava abrindo uma janela para outro lugar. As músicas foram tomando forma e fui me dando conta de que tinha um disco ali”, conta Miklos.
O passo seguinte foi mostrar o material ao produtor musical Rafael Ramos, que ficou responsável por reunir os músicos e dar uma identidade ao trabalho. “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” foi gravado no segundo semestre do ano passado à distância.
Paulo Miklos não se juntou à banda uma vez sequer: “Foi muito interessante, os músicos têm muito conhecimento e cumplicidade entre si. Repetimos isso virtualmente, sem o olho no olho do estúdio, mas aconteceu. Foram vários comentários de ‘zap’, eu mandava o esqueletinho das músicas cantando com meu violão, quando deveria repetir o refrão. Foi bastante divertido”.
Miklos sublinha que “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” é um disco de amor maduro, não de arroubos. “Tudo no amor deve estar sempre bem/ Assim como se do amor não sobrasse ninguém”: assim começa a canção que dá nome ao álbum. O título pareceu instigante. A canção fala sobre os riscos aos quais um casal está exposto numa relação. Tudo se encaixou. O cantor colocou em letra e música o que vinha pensando sobre as relações humanas, mas sobretudo sobre a intimidade de duas pessoas que se amam e dividem uma vida. “Tem muito disso no disco, a obra acabou refletindo o que eu estava sentindo. Está transparente”, ele aponta.
“Um Misto de Todas as Coisas” e “É Assim Que Eu Sei” também investem em tentativas frustradas de decifrar o que é essencialmente misterioso e coisas inexplicáveis que parecem permear todos os relacionamentos, desde o princípio da paixão e seus possíveis sinais até o esgotamento cotidiano revelado por uma briga ou uma simples toalha molhada em cima da cama.
Até quando fala sobre temas que podem soar mais pesados em uma canção, Miklos usa a música para criar um clima leve e cativante. “O Que Ela Quer”, por exemplo, é fruto de experiências pessoais e uma confissão do lugar de privilégio que ocupa por ser homem em uma sociedade que censura, oprime e objetifica a mulher. “Ela quer mais que respeito/ Quer andar sem medo pela vida/ E eu, seu companheiro/ Tenho muito o que aprender ainda/ Ela quer que eu me resolva/ Sem fazer disso uma novela”, canta Miklos.
“Essa canção tem a ver com as mulheres da minha vida: minha esposa, que é uma mulher muito potente e ativa, e minha filha, Manoela, ativista e feminista. É interessante, porque eu busquei, para dar um balanço no astral, um sabor latino-americano, um pouco mais suave. É justamente o homem se percebendo e admitindo que tem muito a aprender.
Homem do cinema
“Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém” é só um dos projetos com os quais Paulo Miklos esteve ou está envolvido. Só neste segundo semestre, três filmes e uma série que contam com o músico no elenco vão estrear no circuito nacional ou no streaming. “Jesus Kid”, do diretor Aly Muritiba, chegará aos cinemas no próximo dia 9. “O Homem Cordial”, de Iberê Carvalho, com o qual Miklos ganhou um Kikito de melhor ator no Festival de Gramado de 2019 ao viver um vocalista de uma banda de rock nos anos 1990, e “O Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti, também já rodaram festivais, mas só agora, com a pandemia em uma fase mais branda, ganharão as salas do país.
A outra novidade é a segunda temporada de “Manhãs de Setembro”, da Amazon Prime Video, que chega à plataforma ainda em 2022. Fora a enxurrada de trabalhos prestes a entrar no eixo comercial, Paulo Miklos está gravando “Estômago 2 – O Poderoso Chef”. Recentemente, ele estava no pátio de um presídio em Curitiba se preparando para mais um dia no set de filmagens, quando, da janela protegida por uma grade, um dos internos gritou: “E aí, mano! E o Sabotage? E o ‘Invasor’?”. Paulo Miklos achou aquilo interessante.
Foi justamente ao lado do rapper Sabotage que Miklos fez sua estreia como ator no filme “O Invasor”, de Beto Brant, lançado em 2001. Lá se vão mais de 20 anos. O músico sente que também já é reconhecido como um homem do cinema: “Vejo isso, sim. Já sou uma pessoa do cinema e para diferentes gerações. Isso é interessante. Um garoto pode ter me visto como o Gonzales de ‘Carrossel’, por exemplo, e isso é muito divertido”.
Equilibrar-se entre dois ofícios, entre duas linguagens, não é exatamente um problema para ele. “Sinto que é uma linha contínua, que começa comigo cantando e interpretando as canções e vai para os personagens. A mesma intensidade e entrega que tenho no palco, cantando, tenho quando vou para o cinema”, comenta Miklos.
Reverenciando Sabotage
Do encontro entre música e cinema é que nasce a amizade entre ele e Sabotage, assassinado em janeiro de 2003. No set de “O Invador”, os compositores habitavam um terreno desconhecido e resolveram se unir. Sabotage acabou dando diversas dicas para Miklos, inclusive na construção de seu personagem, Anísio, um matador de aluguel frio e brutal. “O Beto foi genial ao trazer o Sabotage para reescrever todas as minhas falas, ele criou uma língua própria para mim. Foi aí que consegui desenhar meu personagem”, frisa Miklos.
Vinte anos depois, o compositor presta tributo ao rapper em “Sabotage Está Aqui”, uma das 12 faixas de “Do Amor Não Vai Sobrar Ninguém”. Perto de onde mora, no bairro do Morumbi, em São Paulo, Paulo Miklos se depara frequentemente com um grande grafite de Sabotage em um muro. Miklos diz que é bonito vê-lo ali. Afinal, o vento continua soprando, o sol está brilhando e, como versa o refrão da canção,”quem disse que ele não está aqui?”.