“Início dos anos 1990. O jornal ‘Notícias Populares’ está em crise, vendendo pouco e sofrendo críticas por seu teor sensacionalista”. É o que se lê antes do início do primeiro episódio da série “Notícias Populares”, que estreia nesta sexta-feira (29) no Canal Brasil. O breve texto termina assim: “O Grupo Folha, dono do ‘Notícias Populares’ e da ‘Folha de S.Paulo’, convoca a jornalista Paloma para uma dura missão: modernizar o ‘NP’”.

Depois disso, ficção e realidade se misturam para contar, com um recorte temporal específico, um pouco da trajetória daquele que foi um dos principais jornais do país – o “NP” circulou em São Paulo entre outubro de 1963 e janeiro de 2001. Em sete episódios, cada um centrado em uma história que foi manchete do periódico, casos tão surreais quanto cômicos são apresentados ao telespectador.

A história começa em janeiro de 1993, quando Paloma Fernandes, vivida pela atriz Luciana Paes, volta ao Brasil após ver seu casamento desmoronar. Correspondente da “Folha de S.Paulo” em Paris por oito anos, ela assume a chefia de reportagem do “Notícias Populares”, cargo que jamais imaginou ocupar. Mas o combinado com o fictício Dr. Felix, dono do Grupo Folha, era que, após seis meses na labuta para modernizar o jornal, ela seria alçada à editora na “Folha”.

Do rio Sena ao rio Tietê, Paloma teve de lidar com seus preconceitos ao pisar em um mundo que ela desconhecia e, ao mesmo tempo em que enfrentou dilemas éticos, sofreu boicote dos editores e mobilizou a equipe para defender prostitutas e cafetinas perseguidas pela polícia e pelos moradores do centro de São Paulo.

“(Trabalhar no ‘NP’) não estaria exatamente no arco da história da Paloma, mas ela acaba ali por uma série de questões pessoais e sai da zona de conforto. A graça vem do embate desse mundo europeu que ela conheceu com o Brasil profundo. Ela conhece um pouco mais do país onde ela nasceu através do ‘NP’”, diz Luciana Paes, em entrevista coletiva realizada na última segunda-feira (25).

Criada pelo jornalista, diretor de TV e roteirista André Barcinski e o cineasta Marcelo Caetano, dupla que esteve à frente da série “Hit Parade” (2021), também do Canal Brasil, e assina o roteiro em parceria com Anna Carolina Francisco e Ricardo Grynszpan, “Notícias Populares” é resultado de uma primorosa pesquisa histórica.

A redação do “NP” é brilhantemente reproduzida na série – golaço da cenografia e da direção de arte. As filmagens aconteceram no prédio do Grupo Folha, nos mesmos metros quadrados onde, décadas atrás, repórteres davam longas baforadas em seus cigarros, bebiam café e batiam freneticamente nas hoje obsoletas máquinas de escrever.

Nas paredes, fotos de mulheres nuas decoravam o ambiente de reuniões de pautas e tensas discussões. Os computadores recém-chegavam às redações, e a transição do analógico para o digital ainda engatinhava. Vários jornalistas que passaram pelo “Notícias Populares” foram consultados pela equipe de produção. “Tivemos um trabalho grande de pesquisa no acervo de fotógrafos, repórteres, editores e da ‘Folha’. Ainda existem muitos objetos guardados que foram aproveitados”, ressalta o diretor Marcelo Caetano.

“Foi uma experiência proustiana entrar na redação do ‘NP’, mesmo que só tenha a entrada. A equipe teve um trabalho gigante para reconstituir aquela zona, gente gritando, máquina de escrever… A série exala esse caos da redação”, diz André Barcinski, que trabalhou no jornal por um ano e meio, experiência classificada por ele como “muito intensa”. “Me marcou muito, fiz um tipo de jornalismo que você só aprende na prática”, relembra.

Quanto mais escabrosa era a notícia, mais exemplares eram vendidos. O limite entre o sensacionalismo e o interesse público é frequentemente colocado em debate. Entre as notícias, nos deparamos com um jacaré que rapta uma criança, um assassino que liga para a redação do jornal para revelar seus crimes, uma rebelião de prostitutas e o nascimento do Bebê-Diabo, em uma maternidade de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, repercutido no delicioso e hilário quinto episódio.

“Quis que a experiência de assistir a série fosse similar à experiência de folhear o jornal, trazendo todas as emoções, o caos, os sentimentos aflorados que o ‘NP’ trazia. É uma série que trabalha com os excessos, com os extremos, tem um prazer visual. Mergulhar nesse universo é antropofágico, tropicalista. O ‘NP’ vai para esse ramo da cultura brasileira”, comenta Marcelo Caetano.

Tanto no texto quanto no visual, “Notícias Populares” se serve do exagero, do absurdo, da ironia e do deboche. Meio marginal, meio vanguarda, as páginas do “NP” estampavam gente morta e Carnaval, mas também traziam colunas sobre candomblé e temas ligados ao universo LGBTQIAP+ quando grandes veículos ignoravam esses assuntos. O jornal teve a primeira colunista social negra do país e contou com as opiniões de Lula, Paulo Maluf e Silvio Santos.

Essa ambiguidade do periódico foi levada para a série, como observa Marcelo Caetano, que jamais havia dirigido algum projeto com esse tom: “Foi um exercício interessante mergulhar nessa linguagem audiovisual popular sem fazer uma adesão boba ao que a gente estava filmando. Há um equilíbrio interessante dentro do caos quando a gente aponta que também temos uma visão crítica sobre o que estamos falando”.

As personagens são amálgamas de pessoas reais, como as jornalistas Sônia Abrão e Renata Lo Prete, e criações ficcionais, caso da apresentadora Andrea Caracortada, do filme “Kika” (1993), de Pedro Almodóvar. A protagonista do cineasta espanhol serviu de inspiração para Rata, concorrente do ‘NP’ vivida por Bruna Linzmeyer, que faz uma participação especial na série, cujo projeto nasceu ainda em 2018 e estreia no mês em que o Canal Brasil comemora 25 anos. “A Rata tem prazer no caos, em causar problema, ser invasiva”, conta a atriz.

O elenco conta com nomes como Ana Flavia Cavalcanti (Greta), Rui Ricardo Diaz (Matias), Ary França (Conrad), Fábio Herford (Dr. Felix), Clayton Mariano (Helcio), Tuna Dwek (Aldenora), entre outros. Rejane Faria é Marina, experiente fotógrafa que sempre busca a melhor foto, custe o que custar, para estampar um jornal de gigantesco apelo imagético.  

A O TEMPO, a atriz mineira conta que ficou surpresa ao descobrir como era o dia a dia na redação do “NP”: “Entrar nas casas das pessoas, invadir velórios, subir em muros e no alto de prédios para conseguir a melhor foto, a imagem inédita, além de extrair das pessoas os momentos de maior emoção, mesmo que tivéssemos que apelar para uma coisa mais íntima. Fiquei muito impressionada com essa habilidade dos repórteres e dos fotógrafos”. Para Rejane, “Notícias Populares” é uma série “histórica e divertidíssima sobre a memória desse país”.

Quando o assunto são as histórias – e estórias – do “NP”, talvez o telespectador precise separar o que é verdade, mentira e o que ganhou certos e propositais exageros. O diretor Marcelo Caetano dá uma dica: “A melhor resposta que posso dar é: veja a série com a mesma desconfiança que você teria lendo o jornal”.

Estreia no Canal Brasil

Criada por André Barcinski e Marcelo Caetano, a série “Notícias Populares” estreia no Canal Brasil nesta sexta-feira (29), às 22h30. Os episódios vão ao ar sempre às sextas, no mesmo horário, e ficam disponíveis no Globoplay + Canais a partir de hoje.