A data escolhida pela produção do Festival Internacional de Cinema de Veneza para a exibição do curta-metragem “Ato”, de Bárbara Paz, na mostra “Orizzonti Short Film”, reserva uma coincidência que emocionou a produtora mineira Tatyana Rubim, nome à frente do projeto Teatro em Movimento, dentro do qual o embrião da produção foi gerado.
É que neste dia 10, quando o desdobramento do cine-teatro homônimo, gravado em Ouro Preto, com Alessandra Maestrini e o ator mineiro Eduardo Moreira no elenco, for exibido pela primeira vez para uma plateia internacional, Tatyana estará aqui, do outro lado do Atlântico, festejando seus 50 anos de vida. “Entendi (a coincidência) como um recado dos deuses. Um presente, um reconhecimento, uma pérola que recebi da vida”, exulta ela, com justa razão: a exibição em Veneza marca a primeira incursão internacional da Rubim, a produtora por trás do Teatro em Movimento – que, desde o advento da pandemia, aliás, ganhou a sua plataforma virtual, o Teatro EmMovDigital. No caso, “Ato” é coprodução da Rubim com a BP filmes, de Bárbara Paz.
A exposição na Itália é uma baliza, pontuando-se o cenário que a Rubim encontrou ao adentrar o mercado, há exatos 20 anos. “No início, a gente notava certa resistência por parte de algumas produções teatrais de virem para a capital mineira. Em uma oportunidade, chegaram a me dizer que BH era praça ‘marrenta’. Com o tempo, o projeto ficou mais conhecido, e passamos a ter uma presença e uma interação maiores não só com os artistas, produtores e companhias locais, como com os de outros Estados. Mas, até agora, a gente ainda não tinha uma visibilidade internacional. Até tínhamos trazido algumas atrações internacionais, mas não tínhamos tido presença lá fora, o que acontece agora e tendo a cidade de Ouro Preto – que, aliás, nos acolheu maravilhosamente bem – como cenário”, aponta ela, referindo-se ao fato de a Casa da Ópera, construída em 1770 e considerada o mais antigo teatro em funcionamento nas Américas, ter sido uma das locações.
Com roteiro de Cao Guimarães, “Ato” mostra um mundo pós-pandêmico, suspenso, no qual um enfermeiro de nome Dante (Moreira) enfrenta a viuvez precoce ao perder a esposa para a Covid-19. Ele se encontra em um processo de travessia tendo como única companhia Ava (Alessandra Maestrini), uma profissional do afeto: ela passou a ganhar a vida oferecendo carinhos, abraços e até a partilha de uma noite de sono com o cliente, para que possam dormir abraçados. Tatyana salienta que o filme não está na competição da mostra, mas sim marcando presença como convidado.
E embora lamente não ter podido ir a Veneza, Tatyana não pode se queixar de outros motivos para celebrar a contento as citadas duas décadas de sua Rubim. A plataforma online Teatro EmMovDigital, por exemplo, foi indicada ao 15º Prêmio APTR de Teatro, na categoria Especial, pela qualidade e diversidade dos trabalhos apresentados por lá. Já a Rubim Produções está indicada ao mesmo certame na categoria Espetáculo Adaptado Editado, com “Farol de Neblina”, websérie de quatro episódios, adaptada do belo espetáculo teatral “Neblina”, com texto de Sérgio Roveri, direção de Yara de Novaes e com os atores Leonardo Fernandes e Fafá Rennó no elenco.
Aliás, quando induzida a falar sobre os 20 anos da Rubim, um dos marcos apontados por Tatyana é justamente a transição para o mundo virtual, que se tornou imperativa devido à Covid-19. “Aí, a gente realmente se reconstruiu. Não uso nem a palavra ‘reinvenção’, foi mesmo a reconstrução de um projeto, que passou também a lançar repertório próprio, produzido a partir de uma rede acumulada nessas duas décadas, e que inclui de técnicos a artistas”.
Uma das investidas bem-sucedidas foi a websérie “Quarentemas”, com episódios curtos, gravados pelos próprios atores, de suas casas, ainda quando não havia sido dada a largada da imunização no Brasil. “Estruturamos uma equipe criativa de primeira linha, com pessoas importantes do nível de Gilberto Scarpa, Éder Santos, Inês Peixoto, Marcio Medina, Tatá Spalla... Segundo relatos que recebemos, a iniciativa foi alento em dias de isolamento”, diz a produtora.
Outro investimento foi o Cena Web, com repertórios mais longos – sendo o mais extenso, com 50 minutos, “Ítaca, 365”, de Cacá Carvalho. Os demais foram o já citado “Ato”, de Bárbara Paz, e “(Des)memória”, de Yara de Novaes. O trabalho teve início em uma imersão com o artista multimidiático Matías Umpierrez, referência por trabalhos criados com base em teatro, vídeo e intervenções urbanas.
Momento de desidratação
Para não dizer que são tudo flores, Tatyana se ressente da falta de apoio, que, segundo ela mesma anuncia (“muito tristemente”), fez com que a produtora, neste ano, não saísse do lugar. “Todos esses reconhecimentos são um afago na alma, mas, infelizmente, mesmo com os nossos patrocinadores – Cemig, Banco Itaú e Instituto Unimed –, o projeto está parado. Atualmente, estamos vivendo esse momento dessa falta de entendimento. Acho que o comprometimento do setor cultural com essa paralisação de aprovações da lei é de um prejuízo inestimável, e para muitos. Porque é um setor marcado por pequenos empreendedores, mas que tem uma agilidade de contratação enorme. Nós, da Rubim, criamos uma rede de trabalho importante, gerando 136 postos de trabalhos, fora as contratações de empresas – e tudo isso está parado. É muito triste. Não consigo entender, só lamento”, constata.
Para a produtora, o setor cultural vivencia um momento de profunda desidratação. “É uma destruição mesmo. Falo que, no meu caso, as indicações a prêmios são incentivos para não desistir, pois comprovam que o que fizemos fez sentido para alguém. Mas é duro. Essa conta não fecha pra mim. Até em termos econômicos, visto que está comprovado (por estudo da Fundação Getulio Vargas) que cada R$ 1 investido em cultura se reverte em R$ 1,59 para a economia, ou seja, além de repor o que se renunciou, há lucro. Sendo assim, por que estão punindo esse setor?”, questiona.