O que é abuso espiritual? Como identificar, na prática, essa forma específica de abuso? Quem são as “vítimas perfeitas” do abusador espiritual? Em que momento uma comunidade de fé se transforma numa seita invasiva e destrutiva? Esses são os principais questionamentos do livro “Abuso Espiritual: A Manipulação Invisível”, de Gabriel Perissé, mestre em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo e mestre em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
A obra compara o abuso espiritual com outros tipos de abuso, esclarecendo as características da “vítima perfeita” para o abusador e os truques de manipulação que são usados. O medo incutido no fiel e o complexo de santidade de alguns líderes espirituais confluem para a negação das seitas em se verem como tal, desembocando em fundamentalismos que precisam ser enfrentados sem medo.
“O abuso espiritual é praticado por pessoas que têm algum tipo de autoridade religiosa sobre suas vítimas. Ele permite que, nos mais diferentes ambientes religiosos, ocorram outros tipos de abuso, como o abuso sexual, o abuso financeiro, o abuso de consciência etc. Todo abuso é uma violação da alma, na medida em que atinge a nossa dignidade de seres humanos. O abuso espiritual atinge a alma de nossa alma, é um dos piores, embora possa passar despercebido”, explica Perissé.
O tipo de abuso de que trata o livro tem características peculiares. “Ocorre dentro de sistemas religiosos, ou pseudorreligiosos. Os agressores falam em nome de Deus e falam com uma autoridade e segurança de causar inveja ao próprio Deus, do qual eles se dizem porta-vozes”, observa o teólogo.
Ele fala sobre o abuso de consciência, que tem como pressuposto o abuso de poder. “A consciência é o ‘lugar’ no qual escutamos o chamado do amor, do bem, da justiça, da liberdade, da beleza e da verdade. Em outras palavras, é o ‘lugar’ da nossa intimidade com Deus e com os valores. É na consciência que tomamos as decisões mais importantes. Quando alguém ou uma instituição, em nome de uma suposta autoridade divina, invade nossa consciência, estamos diante de uma violação, de um autêntico ‘estupro da alma’”.
Como o abusador escolhe suas vítimas? “Como um predador cruel, o abusador fareja nossas vulnerabilidades. As vítimas de qualquer tipo de abuso são vulneráveis, seja do ponto de vista social, afetivo, da saúde mental etc. O abusador instintivamente sabe manipular nossas fraquezas, incluindo as morais. Os abusadores mais perigosos são aqueles que se escondem dentro de instituições idôneas, de modo que se utilizam dessa idoneidade ‘oficial’ para praticar sua perversidade. São os lobos ferozes vestidos como ovelhas dos quais fala Jesus”, infere o teólogo.
O Nazareno também falava em “vigiai e orai”. Assim, segundo o autor, é preciso vigilância para distinguir os abusadores da fé dos pregadores bem-intencionados. “É fundamental praticarmos um saudável espírito crítico. Precisamos aprender, por exemplo, a identificar o narcisismo dos abusadores. Devemos estar atentos àquelas pregações em que o orador fala demasiadamente de si mesmo, colocando-se como protagonista de ações virtuosas. O tema central da pregação cristã é a mensagem do Evangelho, e não a vida do pregador”, destaca Perissé.
E emenda: “Existem outros critérios, como a obsessão pela ação do demônio. Certos abusadores parecem conhecer mais demonologia do que cristologia e utilizam o medo que as pessoas têm do demônio como instrumento de manipulação. Para desenvolvermos nosso discernimento, Jesus recomendava que fôssemos simples como pombas, mas astutos e prudentes como serpentes”.
O abuso espiritual pode ocorrer em templos, igrejas, terreiros, seitas. “Pesquisas e estudos sobre esse tema sofrem com a subnotificação, com a cultura do silêncio, a blindagem institucional, a culpabilização da vítima, o medo de represálias, entre outros obstáculos. Por ser ‘espiritual’, esse tipo de abuso carece de evidências materiais, o que torna mais difícil realizar pesquisas quantitativas”, diz o teólogo.
Ele finaliza: “No entanto, tem aumentado o número de denúncias e relatos, na forma de livros e de vídeos na internet, por parte de vítimas ou mesmo de estudiosos na área da violência religiosa. A mídia também tem feito sua contribuição, noticiando casos de abuso e manipulação em todo tipo de espaço religioso ou pseudorreligioso”.
“Abuso Espiritual”, Gabriel Perissé, editora Paulus, 208 páginas, R$ 43.
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