Serviços esotéricos prestados profissionalmente no Brasil são permitidos por lei, mas podem se enquadrar como crime caso sejam realizados sem transparência e com falsas promessas aos clientes. Apesar da ausência de legislação específica para o setor que pode incluir tarólogos e até mesmo videntes, há uma relação comercial regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.
A contratação de serviços esotéricos configura uma relação de consumo convencional, com cliente e fornecedor claramente definidos, conforme detalhou o advogado mestre em direito do consumidor, Felipe Moreira, em conversa com a reportagem de O TEMPO. Apesar do CDC não mencionar explicitamente estas práticas, elas se tornam juridicamente relevantes em casos de abusos contra o consumidor.
"A prática esotérica não é ilegal, então pode ser realizada de forma profissional, desde que conduzida com responsabilidade", explicou o especialista. "O Código de Defesa do Consumidor se aplica integralmente a qualquer relação de consumo, inclusive às práticas esotéricas profissionais. O consumidor tem direito à informação clara sobre o serviço, seus limites e possibilidades, sem promessas de resultados garantidos", acrescentou.
Segundo o especialista, as práticas abusivas podem estar "na oferta dos serviços (com falsas promessas de resultado), na cobrança (com valores irrazoáveis ou mediante coação) ou durante a prestação dos serviços (com o constrangimento do consumidor para continuar executando as práticas esotéricas)". Em casos efetivos de prejuízo durante a prática esotérica ou de abusividade na conduta do profissional, o cliente pode acionar órgãos de defesa ao consumidor.
O Brasil não possui jurisprudência consolidada sobre práticas esotéricas, principalmente devido à dificuldade de comprovação e ao constrangimento que muitas vítimas sentem ao admitir terem sido enganadas. Em alguns casos, a persistência na crença esotérica, mesmo após sofrer abusos, também contribui para a escassez de precedentes judiciais.
O que pode ser criminoso em práticas esotéricas?
A prática esotérica torna-se ilegal quando inclui garantias de resultados específicos, conforme explicou Felipe Moreira. É possível, inclusive, que alguns casos sejam enquadrados no que conhecemos como charlatanismo ou estelionato, crimes que, segundo o advogado, não se confundem, mas podem se sobrepor.
A diferença fundamental entre estes crimes está na intenção: o estelionatário sabe que suas alegações são falsas, enquanto o charlatão pode acreditar na eficácia de suas práticas. Portanto, nem todo charlatanismo constitui estelionato, e vice-versa, apesar das possíveis sobreposições.
Os crimes potencialmente associados às práticas esotéricas incluem charlatanismo (anunciar falsos meios de cura), curandeirismo (realizar tratamentos sem base científica), constrangimento ilegal (forçar a prática mediante ameaça) e extorsão (cobrar usando intimidação).
"Ressalto que as práticas esotéricas não são ilegais, se conduzidas com responsabilidade e mediante a devida informação ao consumidor. É um direito da pessoa professar suas crenças por qualquer meio, sendo ilegal apenas quando há algum tipo de abuso pelo profissional. Nesses casos, além da violação ao direito do consumidor, há crime que deve ser devidamente apurado", destacou o advogado.
Como comprovar que fui lesado em relação a uma prática esotérica?
Comprovar irregularidades nestes serviços representa um desafio significativo, conforme relatado pelo especialista, principalmente quando as ações faltosas ocorrem em atendimentos privados. No entanto, mensagens contendo promessas específicas de resultados podem servir como evidência em processos.
"Se houver alguma conversa prévia por mensagem, em que for prometido algum resultado, isso serve como prova. Da mesma forma, se a coação por pagamento ou pela realização de mais atendimentos for realizada por mensagem, pode ser apresentada como prova", afirmou Moreira. Depoimentos de testemunhas que presenciaram falsas promessas, tratamentos sem base científica ou coação são igualmente válidos.