Seu desejo era o de ser escritora, mas uma gravidez inesperada aos 19 anos mudou sua trajetória. Hadley Vlahos, 32, estudou enfermagem e no best-seller “Entre a Vida e o Depois”, ela compartilha histórias emocionantes de pacientes em fim de vida e revela como a espiritualidade pode oferecer conforto e significado nesses momentos.

De enfermeira cética a especialista em cuidados paliativos, qual foi seu maior aprendizado e seu maior desafio? Uma das maiores lições que aprendi foi o profundo impacto da presença. Eu costumava acreditar que a medicina se resumia a curar, mas os cuidados paliativos me ensinaram que a verdadeira cura pode ocorrer mesmo quando não há cura. O simples fato de estar com alguém em seus momentos finais, ouvir e oferecer conforto pode ser mais poderoso do que qualquer tratamento. Isso reformulou minha compreensão do que significa cuidar de alguém. O maior desafio tem sido aceitar o fato de que não consigo consertar tudo. Como enfermeira, meu instinto sempre foi fazer algo: intervir, encontrar uma solução. Mas, com os cuidados paliativos, tive que aprender que, às vezes, a melhor coisa que posso fazer é simplesmente estar presente. Sentar-me com as famílias em seu luto e saber que não posso mudar o resultado tem sido difícil, mas também é uma lição sobre a beleza de simplesmente estar ao lado das pessoas quando elas mais precisam.

Mesmo as pessoas céticas encontram algum tipo de fé no momento da morte? Em minha experiência, o fim da vida geralmente traz um profundo senso de reflexão e, para muitos, isso inclui uma busca por significado. Mesmo aqueles que foram céticos ou não religiosos durante toda a vida às vezes encontram conforto na ideia de algo além deste mundo. Seja em um sentido tradicional de fé, uma conexão com entes queridos que já faleceram ou simplesmente uma aceitação pacífica do desconhecido. Nem todos adotam repentinamente um sistema de crenças no final da vida. Alguns permanecem firmes em seu ceticismo, e isso também é totalmente válido. No entanto, o que tenho visto de forma consistente é que o amor e a conexão com a família, as lembranças e um senso de propósito pessoal se tornam as coisas mais importantes nesses momentos finais.

O que mudou em sua concepção sobre a finitude da vida? Antes de trabalhar com os cuidados paliativos, eu via a finitude da vida como algo a ser temido, algo trágico e final. Mas estar ao lado do leito de tantas pessoas em seus últimos momentos mudou completamente minha perspectiva. Não vejo mais a morte apenas como um fim, mas como uma transição, que pode ser pacífica, significativa e até mesmo bela quando alguém está cercado de amor e conforto. Quando comecei a trabalhar, eu não acreditava em nada além desta vida. Achava que, quando morrêssemos, seria o fim. Mas, com o passar dos anos, presenciei muitos momentos inexplicáveis para pensar que esse é o fim. Agora, acredito em uma vida após a morte, embora não saiba afirmar exatamente como ela é. Considero-me mais espiritualizada do que religiosa e encontro conforto na ideia de que há algo além desta vida, mesmo que não tenhamos todas as respostas. Também percebi que a consciência da finitude da vida não é algo que deve ser afastado, mas sim abraçado. Saber que nosso tempo é limitado me tornou mais intencional em relação à maneira como vivo. Isso me ensinou a me concentrar no que realmente importa: relacionamentos, bondade e aproveitar ao máximo os momentos que temos. Trabalhar em cuidados paliativos me mostrou que a morte não é apenas a perda. Muitas vezes há uma sensação de paz, até mesmo de beleza, nesses momentos finais. Isso me assegurou que o que vier depois não é algo a temer.

Existe algum comportamento ou frase que seja comum a pacientes terminais? Sim, vários, especialmente em seus últimos dias. Uma das coisas mais comuns que ouço são pacientes falando com ou sobre entes queridos que já faleceram. Eles podem dizer coisas como: “Minha mãe está aqui” ou “Eles estão esperando por mim”. Isso geralmente é reconfortante para eles, e já vi famílias encontrarem paz ao saber que seu ente querido se sente cercado por rostos familiares, mesmo que não possam vê-los. Outra frase comum é uma variação de “Estou pronto” ou “Quero ir para casa”, mesmo quando já estão em casa. Em geral, não se trata de um lugar físico, mas de uma prontidão espiritual ou emocional para o que está por vir. Em termos comportamentais, muitos pacientes experimentam uma onda de energia pouco antes da morte, às vezes chamada de “rali” (recuperação momentânea). De repente, eles podem ficar mais alerta, ter conversas de grande significado ou até mesmo pedir uma refeição favorita, mas logo depois deixam de responder. Cada experiência é única, mas esses momentos geralmente reforçam minha crença de que há algo além desta vida.

Como você vê a importância da espiritualidade nesse momento difícil da vida desses pacientes? A espiritualidade desempenha um papel profundo para muitos pacientes no final da vida, independentemente de seguirem ou não uma religião específica. Nesses momentos finais, as pessoas geralmente buscam significado, conexão e conforto. A espiritualidade proporciona uma sensação de paz, ajudando os pacientes a aceitar o que está acontecendo e aliviando o medo do desconhecido. Para alguns, isso ocorre por meio da fé em um poder superior, da oração ou de rituais religiosos. Para outros, ela é encontrada na natureza, no amor ou nas lembranças de uma vida bem-vivida. Até mesmo aqueles que não se consideram espirituais às vezes encontram conforto na ideia de que seu amor e legado continuarão vivos nas pessoas que deixaram para trás. O que aprendi é que a espiritualidade, seja qual for a forma que assume, é menos sobre ter todas as respostas e mais sobre encontrar um senso de paz. No final da vida, essa paz é geralmente o que mais importa.

A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com

Lançamento

“Entre a Vida e o Depois: Encontros Inesquecíveis nos Últimos Momentos da Vida”, Hadley Vlahos, editora Sextante, 256 páginas, R$ 48,80.

Estante

“Amor, Natureza e Magia: Jornadas Xamânicas para o Coração do Meu Jardim”, Maria Rodale, editora Rocco, 256 páginas, R$ 64,90.

A autora combina seu amor pela natureza e pela jardinagem com seu conhecimento sobre jornadas xamânicas e se aventura em uma experiência única, aprendendo valiosas lições com plantas, animais e insetos ― inclusive os mais incompreendidos.

“Entidades da Umbanda: Segredos Revelados das Forças Ancestrais”, Rodrigo Queiroz, editora Citadel, 368 páginas, R$ 69,90.

A obra mergulha em sabedoria, rituais, elementos, comportamentos e características dos guias e aborda ainda a forma como as entidades se conectam aos praticantes durante as giras, criando pontes com o plano espiritual.

Vença em Silêncio: Como Ganhar Batalhas sem Precisar Falar”, Diego Menin, editora Vida Cristã, 160 páginas, R$ 54,90.

O livro apresenta estratégias e conselhos para cultivar o silêncio no dia a dia, bem como para evitar o impulso de reagir com palavras e atitudes malcolocadas. São oito capítulos que estimulam o crescimento pessoal.