Arte, moda, design, perfumaria e música se entrelaçam na vida do italiano Filippo Sorcinelli. Suas criações abraçam diferentes aspectos do mundo contemporâneo por meio de formas e materiais inusitados, em uma viagem pela espiritualidade e harmonia na busca constante e ousada da beleza.
“Nasci em Mondolfo, pequena aldeia suspensa entre o sopro do interior de Marche e o silêncio do mar. Hoje vivo em muitos lugares, mas sempre retorno para lá: para o ventre dessa fronteira invisível entre a infância e o destino. A minha casa é feita de órgãos, gatos e incenso ascendente, de tecidos que contam histórias, de mãos que procuram a beleza mesmo na imperfeição”, entrega o designer.
Sorcinelli conta que seu trabalho com os paramentos sagrados “partiu de um desejo profundo de recuperar a dignidade estética da liturgia, esse canto silencioso que flui através dos paramentos, dos tecidos, dos símbolos”. “Tinha pouco mais de 20 anos quando decidi fundar o Lavs – L’Atelier Vesti Sacre, graças a um telefonema de um amigo de quem não tinha notícias há muito tempo e que em breve se tornaria padre”, recorda.
Ele diz que não estava à procura de um emprego, “mas de uma linguagem expressiva que comunicasse com a diligência das mãos”. Para ele, “a arte sacra tem um valor muito importante e não pode ser deixada à improvisação ou ao acaso”.
O Lavs tem o propósito de estudo, design e criação de vestimentas sagradas, móveis e acessórios para a sagrada liturgia. Em poucos anos, Sorcinelli se tornou reconhecido por sua excelência na Itália e no exterior, trabalhando em estreita colaboração com o escritório das celebrações litúrgicas do sumo pontífice e criando vestes para o papa Bento XVI e para a missa no início do pontificado do papa Francisco, em 2013.
O designer explica que os paramentos destinados a um papa “movem-se num equilíbrio entre solenidade e verdade”. “Bento XVI era profundamente ligado à tradição, à necessidade de comunicar Deus por meio da beleza, da sobriedade cheia de significado. Francisco, pelo contrário, escolheu a simplicidade como um poderoso sinal de proximidade. Em ambos os casos, procurei oferecer paramentos que respirassem com eles, que respeitassem as regras do rito, mas que também falassem a linguagem do presente, viva, com formas que contivessem memória e tensão para o novo”.
Sorcinelli ressalta que cada papa traz consigo um “perfume” para os novos tempos. “O papa Leão XIV abre-se como uma página coerente, feita de dignidade, e cada página requer uma caligrafia única. Já estou trabalhando ativamente para respirar este novo pontificado, desenhando e criando numerosos paramentos sagrados construídos no respeito, na visão, na harmonia entre o sinal sagrado e a contemporaneidade”, detalha.
Ele revela que os encontros com esses papas foram breves, mas intensos e significativos. “Lembro-me das mãos de Bento XVI, frágeis e poderosas. E o olhar de Francisco, direto como uma lâmina que acolhe. Nesses momentos, todas as distâncias se dissolvem”.
O designer confessa ser “atravessado por uma fé que se mede com a liturgia e a sua necessidade de falar ao homem por meio da beleza”. “Minha religiosidade é uma intuição, uma missão encarnada, um diálogo silencioso com o mistério, um ato de amor que se consuma nos detalhes. Experimento o sagrado como uma carícia, como uma urgência, como uma oferta que se renova todos os dias”.
Fragrâncias concebidas como relíquias líquidas
Além das vestes papais, Sorcinelli cria perfumes que se ligam de forma intensa à espiritualidade. “Cada fragrância nasce de uma liturgia invisível e da minha relação com o sagrado. Fragrâncias concebidas como relíquias líquidas. Cada fórmula é construída como um antifonário: cada nota tem uma função, cada acorde uma direção, cada sopro um destino espiritual”, diz.
A fragrância Unum, ele explica, é a sua “resposta ao silêncio que precede o canto”. “Contém o sopro do incenso, a humildade da oração, a firmeza da fé. É um caminho místico, que envolve e eleva. É sobre o espírito, e não apenas a espiritualidade. É livre e infinito”.
Sorcinelli explica que o perfume Rosa Nigra é um tributo à assunção de Maria, “que floresce no mistério da sua ausência, que sobe ao céu ‘em corpo e alma’”.
Já o perfume Lavs “é a extensão do pensamento do meu ateliê, tanto que é definido como ‘o incenso dos incensos’”. “É a primeira fragrância nascida e ainda hoje é o best-seller da coleção”, conta o perfumista.
E, por fim, ele se refere ao Opus 1144, “o verdadeiro gótico, a fragrância que contém a estatura das catedrais, a luz que se filtra através dos vitrais”. (AED)