A notícia de uma doença chegou sem aviso prévio. Quando Franciely Ribeiro, 25, descobriu uma leucemia, ela pensava em casamento. Em vez do altar, enfrentou um ano de internação. O coração apaixonado perdeu 40% da força. E a jovem deixou de enxergar de um dos olhos. Dois anos depois, uma surpresa mudou o rumo da sua vida. No Centro de Transplantes da Santa Casa BH, a equipe de assistência preparou uma festa: seu corpo aceitou a medula óssea doada pela irmã. “É um sonho”, disse Franciely emocionada ao equilibrar o “Certificado de Coragem” na mesma mão que segurava um terço.

O recomeço foi acompanhado pela equipe de reportagem de O TEMPO durante o dia em que esteve no hospital Santa Casa BH e contado nesta segunda reportagem da série 'Plantão 24 horas'.

Com a visão recuperada, uma nova medula e sonhos em perspectiva, a jovem celebra a vitória com bolo de chocolate e refrigerante, alimentos de que ela ficou longe durante o tratamento. “Eu sou uma pessoa de muita fé, mas não estava conseguindo sonhar. Hoje eu volto a ter sonhos. Quero remarcar meu casamento, estudar, voltar a trabalhar”, diz.

No hospital, ocorre uma média de 11 transplantes de medula por mês. De acordo com a psicanalista Mariana Sabino, cada pessoa enfrenta o processo da doença à sua maneira. “Uma notícia que envolve adoecimento e remete à morte é sentida caso a caso. Cada um sente de um jeito. Normalmente, o desejo que se tem de viver é o que faz uma pessoa trabalhar todo o mal-estar que pode surgir”, explica. 

No tratamento, ajuda é sempre bem-vinda. “Acolhimento é fundamental. Seja de família, amigos ou da equipe de saúde. E ele não é da pessoa, mas da dor, da doença. Acolher o inevitável”, afirma. 

Ela explica que a escuta qualificada, sem julgamentos, pode dar sentido à vida de quem se questiona sobre a existência de saídas, como Tiago Soares, 25. Ele foi levado ao hospital após apresentar sintomas de um tumor no cérebro dentro de um presídio onde cumpria pena em Ribeirão das Neves, na região metropolitana. Por causa da doença, o jovem mal consegue falar e não está se movimentando. Fora do presídio, se sente preso. Ainda vivo, se sente morto.

“Eu não consigo andar, preciso de ajuda para me alimentar, ir no banheiro, para tudo. Não consigo dormir de noite, por causa dos traumas, e fico acordado chorando”, desabafa. A doença é, para ele, o maior desafio até agora. Mesmo depois de oito meses preso. “É o momento mais duro da minha vida. Está sendo muito difícil”. 

Vidas salvas: transplante dá nova oportunidade

“Eu quero fazer tudo diferente agora”. A fala do aposentado Murilo Mendes, 69, que soa quase redentora, tem como pano de fundo a gratidão imensa de quem passou pelo 101° transplante de coração realizado pela Santa Casa. O complexo hospitalar é o que mais faz transplantes em Minas Gerais, com 328 procedimentos apenas em 2022.

Tornar-se referência nesse tipo de procedimentos aconteceu, segundo o coordenador de transplante de fígado da Santa Casa BH, Agnaldo Lima, por uma escolha da instituição. “Transplante é algo muito complexo e que demanda muita estrutura. São necessários leitos de CTI, cirurgiões, enfermeiros, uma diversidade de profissionais. Pode parecer apenas uma cirurgia, mas não é”, disse.

Lima cita que o trato da equipe médica com os pacientes é outro diferencial e reforça a importância de termos mais doadores para que os serviços continuem. “Doar órgãos é um gesto de amor e possibilita o recomeço de muitas vidas”.

Esperança e gratidão: quando até olhar para o céu é vitória

Para o fisioterapeuta Nilton Cesar Esteves Faria, que acompanha a recuperação dos pacientes na Santa Casa BH como rotina, o trabalho é um exercício de renovação do jeito de olhar a vida. “Teve uma paciente que eu nunca vou esquecer. Ela ficou bastante tempo acamada e passou a não conseguir andar. Com muito trabalho, fizemos com que ela desse os novos primeiros passos. Ela chegou na janela e chorou, porque estava vendo o céu, que não via há muito tempo. Não tem como não se emocionar”, diz. 

O porteiro José Antônio Marques, 63, também reaprendeu a andar com Nilton após quase 20 dias no CTI. O mérito, de acordo com o profissional, é todo do paciente. “Seu José quis melhorar desde o primeiro dia. Logo após os passos, ele se desafiou na bicicleta. Isso é para poucos”, diz o fisioterapeuta.