A família Troisgros está intimamente ligada à inovação na gastronomia. O patriarca Pierre (1928-2020) foi um dos criadores da Nouvelle Cuisine. Claude, radicado no Brasil desde 1979, é um dos responsáveis por uma melhora considerável no nível dos restaurantes brasileiros. Diante de tanta história, seria compreensível se o carioca Thomas Troisgros, 43, decidisse fazer outra coisa da vida. Afinal, a comparação com tudo que os seus antecessores fizeram seria (e é) inevitável.
Até por isso, ele confessa que nunca sonhou em ser chef. Como ele mesmo revela na entrevista, a cozinha foi uma descoberta gradual. Aos 11 anos, seu pai já o envolvia em estágios, e só aos 18, sem ter certeza do que queria, ele se decidiu pela gastronomia. “Foi uma escolha pragmática, mas ao mesmo tempo apaixonada. Não sabia o que fazer, então decidi aprender o que minha família já sabia fazer de melhor”, diz ele com simplicidade, como quem traz consigo a herança de séculos.
Além de ter trabalhado com o renomado chef francês Daniel Boulud, cujo império gastronômico acumula estrelas Michelin ao redor do mundo, Thomas também aprimorou suas habilidades nos prestigiados restaurantes bascos Mugaritz e Arzak, referências da alta gastronomia. Ao longo da carreira, Thomas nunca sentiu pressão para seguir a tradição familiar, mas, sim, uma conexão quase natural com o que sua família já representava.
Seu aprendizado no início da carreira, como ele mesmo destaca, foi repleto de desafios, como qualquer jovem chef que se preze. “Passei algumas raivas, tanto com chefs quanto com outros cozinheiros”, relembra. Mas, no final, cada erro ou conflito deixou uma lição que ele carrega até hoje: “Se você está responsável por uma praça, a responsabilidade é sua”, uma máxima que ecoa na maneira como conduz sua cozinha até os dias atuais.
A linhagem Troisgros, que revolucionou a alta gastronomia com inovações como o menu degustação e o uso de técnicas como a cocção a vácuo para foie gras, é uma herança que ele mantém viva, mas sempre com a visão de que a cozinha deve evoluir com o tempo. “A tradição da minha família é inovar”, afirma Thomas, que fala com entusiasmo sobre as novas tendências e sobre como a gastronomia deve acompanhar as demandas do público moderno, como pratos mais leves, vegetarianos e veganos. “Existem culinárias maravilhosas no mundo que são leves e com base vegetal. A cozinha árabe e indiana, por exemplo, têm pratos fantásticos”, observa ele, com uma visão plural da culinária global.
Comer é divertido
Atualmente, Thomas se destaca não só por manter o legado familiar, mas também por sua capacidade de inovar e oferecer novas experiências gastronômicas na cidade do Rio de Janeiro. Esta à frente de seis empreendimentos diferentes, mas fazendo o que mais gosta: comida boa. Um dos exemplos mais recentes dessa inovação é o restaurante Oseille, que tem conquistado o público com o conceito de “fun dining”. No Oseille, a proposta é quebrar o estigma de que o fine dining precisa ser sério e formal. “Aqui, queremos oferecer alta gastronomia de maneira descontraída, mas sem perder a qualidade e o requinte”, afirma ele. E a resposta do público tem sido extremamente positiva, com muitos considerando o espaço como uma extensão do próprio chef, que descreve o restaurante como “literalmente minha casa”.
E se você acha que Thomas se prende a um único estilo, está enganado. Ele é responsável por diversas casas, desde o refinamento de um fine dining até a descontração de uma hamburgueria com ingredientes brasileiros, sem falar no novíssimo Tijolada, boteco com inspiração mineira aberto junto à sua esposa, Diana Litewski. Como ele mesmo explica, a chave para gerenciar esses diferentes conceitos é a consistência. “A comida tem que ser suculenta e bem temperada, com técnicas respeitadas e fornecedores de confiança”, diz o chef, que, com um time experiente, consegue manter altos padrões de qualidade em todos os seus seis empreendimentos.
O chef tem uma relação profunda com a comida. “Eu não acredito em fórmulas perfeitas, mas em convicção”, revela. Para ele, o segredo está em manter a simplicidade e a qualidade, algo que seu avô sempre o ensinou: “É fácil fazer um bom prato com muitos ingredientes, difícil é fazer um incrível com 4 ou 5”.
Se tivesse que escolher apenas um prato para representar sua filosofia de cozinha, Thomas optaria por um clássico simples, mas que representa bem sua visão: “Eu viveria de steak feito na manteiga com salada de rúcula e tomate. Para mim, é a combinação perfeita para o dia a dia”, diz ele.
Ingredientes
Em sua trajetória, Thomas também encontrou ingredientes que lhe despertaram grande admiração, como o limão cravo e o mangarito. Ele vê nesses ingredientes um grande potencial e acredita que o Brasil tem muito a oferecer. “O limão cravo tem um equilíbrio perfeito entre acidez e azedo, e o mangarito tem uma textura e sabor que confundem com queijo”, explica, destacando a riqueza de nossa biodiversidade que, muitas vezes, é subestimada.
Na hora de cozinhar, sabor e qualidade são sempre a prioridade. O mais importante é sempre o prazer de comer bem. Se for com um toque de acidez, melhor ainda. “Quando se fala de Troisgros, automaticamente vem a acidez”, entrega.