“Qual é o sabor do tempo?” A pergunta não está escrita em nenhum lugar do menu, mas paira sobre a sequência de dez tempos que a chef Tássia Magalhães serve no balcão do Nelita, em São Paulo. Ao comemorar quatro anos de seu restaurante autoral italiano, ela propõe mais que um jantar – entrega uma reflexão. “O prazer da mesa pertence a todas as épocas”, batiza o novo menu degustação (R$ 590, com harmonização opcional por R$ 490), uma ode sensível, crítica e por vezes debochada às tendências que moldaram - e ainda moldam – a gastronomia mundial.
A experiência é íntima: apenas no balcão, com visão direta para a cozinha aberta e inteiramente feminina. Acompanhamos, quase em silêncio reverente, a coreografia precisa da equipe, o pincelar de um molho aqui, a finalização minuciosa de um prato ali. É Danyel Steinle, sócio, sommelier e responsável pela hospitalidade da casa, quem conduz a jornada com precisão: seus vinhos – de regiões e estilos distintos – ampliam o repertório da noite, costurando história e sabor em taças elegantes. Uma harmonização que não acompanha, mas eleva cada etapa.
A primeira mordida é a do pão de fermentação natural e manteiga noisette, receita inaugural da casa, dá as boas-vindas com familiaridade. Em seguida, uma série de quatro snacks revela o que vem pela frente: técnica refinada, base clássica e sabor intenso. A rabanada salgada, com brioche, parmesão e lâminas de língua, surpreende; o beignet com maionese de pimenta de cheiro tem crocância impecável e personalidade. O éclair, símbolo da confeitaria clássica francesa, acompanha creme de ovos e azedinha e, para finalizar a sequência, a truta do Vale do Paraíba defumada, servida sobre massa folhada artesanal, é sutil e poética.
Seguimos com um desfile de ingredientes em versões inventivas. O mini milho tostado, servido com brodo feito de todas as suas partes, é doce, terroso e com gostinho de conforto. O alho-poró tostado com molho de coco e creme de castanha de caju transforma um coadjuvante em estrela. O ravioli de tomates fermentados sob ganache de foie gras é envolvido por um delicado caldo de galinha, coberto por um cloche - símbolo de eras passadas da alta gastronomia.
Há espaço para ironia também. Um dim sum recheado com compota de berinjela defumada surge ao estilo asiático, servido no vapor e com hashi — como quem brinca com a eterna disputa sobre a origem da massa: China ou Itália? Já o gnocchi de batata, ricota e araruta é reconfortante e delicado, com um leve toque de lavanda que surpreende sem exageros.
O auge do percurso é carregado de história e crítica: a cavaquinha servida com bisque e gel de melão cantaloup presta tributo ao luxo dos salões antigos. Mas é a codorna finalizada com chocolate e cebola que dá o recado mais potente: homenagem a Escoffier, pai dos menus degustação e defensor de cozinhas sem mulheres. Um prato com gosto de reparação histórica.
As sobremesas mantêm o alto padrão. Um flan de leite com laranja e bottarga fecha os olhos da doçura com o sal do mar, delicadamente. O biscoito de Cuesta, recheado com compota de mamão papaya, é um aceno elegante à tradição do queijo com doce. E o bombom de acerola e limão, com sua acidez precisa, encerra a experiência.
No Nelita, a cozinha de Tássia Magalhães é, antes de tudo, uma narrativa: fala de passado, presente e futuro. Ao passear por modismos, memórias e provocações, o menu reafirma que, sim, o prazer da mesa pertence a todas as épocas – mas, definitivamente, alguns momentos merecem ser celebrados agora.
Nelita
Rua Ferreira de Araújo, nº 330, Pinheiros – São Paulo/SP
Segunda a sexta-feira das 19h às 23h; sábado, das 12h às 16h e das 19h às 23h.
Valor menu degustação: R$ 590 (R$ 490 com harmonização)