Da tradicional Margherita à inusitada pizza frita, passando por versões com massa de pão de queijo e recheios autorais, Belo Horizonte mostra que a pizza tem tantas versões quanto formas de reunir pessoas. Se o Dia da Pizza, celebrado na quinta-feira (10), é uma homenagem nacional a esse prato tão querido, a capital mineira parece estender essa comemoração por todos os dias do ano – com uma cena que valoriza a diversidade, o cuidado no preparo e o respeito à tradição italiana.

A reportagem do Gastrô percorreu quatro estabelecimentos que, cada um à sua maneira, preservam técnicas e ingredientes que tornam a pizza um prato completo – e, para muitos, insubstituível. As histórias narradas pelos pizzaiolos e chefs revelam uma cena em transformação, que abre espaço para especializações, inovações com identidade e uma valorização crescente da fermentação natural e da simplicidade bem executada.

Vale registrar: no Brasil, a comemoração do Dia da Pizza não tem relação direta com a história da iguaria na Itália. A data foi instituída em São Paulo, em 1985, por conta de um concurso estadual promovido pelo então secretário de turismo.

La Vera se orgulha de, há 10 anos, trabalhar só com pizza romana

Fundada em 2015, a premiada La Vera é uma orgulhosa pizzaria de Belo Horizonte que se dedica exclusivamente à pizza. “A gente não abriu mão de fazer só pizza, não quisemos virar restaurante, como tantas outras casas”, destaca o chef Leonardo Fontanelli, lembrando que, nascida como delivery, o estabelecimento foi ganhando corpo e sofisticação até chegar ao Vila da Serra, onde está desde 2023, funcionando com cozinha aberta ao público.

Pizza degustação Aglio Nero, da La Vera Pizzaria Italiana | Crédito: Leonardo Fontanelli/Divulgação

O chef é um entusiasta da pizza romana – o que significa, entre outras coisas, preparo em forno elétrico, massa com pré-fermento (a chamada biga) e em diferentes formatos. “Nosso foco é a pizza clássica italiana, com base na tradição romana, como a scrocchiarella, a pizza in pala e a pizza in teglia”, explica. “A massa é o nosso centro. A ideia é que ela seja leve, saborosa e natural”, complementa.

Leonardo aponta que essa primeira década de história foi pautada por um comprometimento com a técnica, por meio de cursos presenciais na Itália, e por um contínuo processo de aprendizado. “Nos últimos 10 anos, evoluímos junto com a pizza contemporânea italiana”, aponta, adicionando perceber também uma mudança na percepção local em relação ao prato. 

“Hoje, o pizzaiolo na Itália tem status de chef. Em BH, estamos vendo uma mudança importante: as pessoas estão buscando mais qualidade, fermentação longa, produtos naturais. A pizza está deixando de ser vista apenas como lanche e sendo encarada como o prato completo que ela de fato é”, reflete. Como símbolo da casa, ele cita a pizza Maremma: molho San Marzano, linguiça artesanal, muçarela, gorgonzola, mel trufado e azeite extravirgem. “É minha criação autoral, a mais vendida e a que representa nosso cuidado com o sabor e a técnica”, descreve.

Onde. La Vera Pizzaria Italiana (alameda do Inga 77, Vila da Serra, Nova Lima)
Quando. De terça a sábado, das 17h30 às 23h; domingo, das 17h30 às 22h30

Na Frizza, a pizza frita napolitana veio na bagagem

Quando Bruno Naves voltou de uma temporada na Itália em plena pandemia, decidiu abrir um diminuto espaço para testar uma receita pouco conhecida no Brasil: a pizza frita. “Muita gente acha que é invenção nossa, como a pizza de pão de queijo. Mas, na verdade, é uma tradição napolitana antiga, que surgiu no pós-guerra, quando não havia fornos disponíveis”, conta.

Uma das variações da Margherita servida na Frizza | Crédito: Flávio Tavares/O Tempo

A Frizza começou pequena, com os pouco lugares disputados. Logo, foi crescendo para os lados, ocupando outras salas do mesmo casarão em que foi inaugurada, no bairro Funcionários. O carro-chefe é a Montanara, uma pizza frita em óleo de flor de algodão, que infla como um balão, depois é prensada e recheada. “Usamos os mesmos ingredientes da pizza napolitana clássica – farinha, água, fermento, sal e açúcar – mas a proporção muda, assim como o processo. A fermentação é longa, de até 48 horas, o que garante leveza”, explica.

Originalmente, o prato foi descoberto por Bruno durante um Carnaval de rua em uma cidadezinha italiana chamada Porretta Terme. “Era só a massa com sal ou açúcar. Mas fiquei fascinado com a textura. Fui estudar mais, viajei, comi muitas versões em Nápoles e decidi trazer isso para BH”, comenta.

E a recepção, na cidade, foi surpreendente, inclusive entre visitantes italianos. “Napolitanos que moram aqui dizem que comer nossa pizza é como estar em casa”, orgulha-se. No cardápio, a expressão mais tradicional da receita são variações da Margherita, uma delas levando mussarela de búfala fresca, tomatinho confit, pesto e majericão, outra opção inclui molho de tomate, mussarela maçaricada e manjericão.

Onde. Frizza - Pizza Frita Napolitana (rua dos Timbiras, 2636, Santo Agostinho)
Quando. De segunda a domingo, das 17h30 às 22h30

Na Ninetto Trattoria, a expressão mão na massa é levada a sério

Na Ninetto Trattoria, o cuidado com a pizza começa com o tempo. A fermentação da massa leva no mínimo 72 horas, sempre com fermentação natural, antes de ser aberta à mão – sim, por lá o rolo foi aposentado e a expressão mão na massa ganha sentido literal. Depois, o preparo é assado em forno de altíssima temperatura.

A tradicionalíssima Margherita, da Ninetto Trattoria | Crédito: Nilton Novaes/Divulgação

A casa serve pizzas de estilo napolitano, com foco em equilíbrio e ingredientes selecionados. “A borda alta e aerada, o miolo macio, o respeito aos ingredientes – isso define nossa pizza”, afirma o chef executivo Juca Duarte, acrescentando que a casa nasceu com a missão de valorizar a cozinha italiana autêntica e, com ela, a pizza napolitana.

Para ele, aliás, a iguaria italiana faz tanto sucesso e até merece um dia para ser celebrada por ter caráter democrático, acolhedor e universal. “É um prato que carrega memória, afeto e celebração. Acredito que seu sucesso esteja justamente nessa simplicidade que conecta as pessoas. Em qualquer lugar do mundo, a pizza consegue reunir amigos, famílias e até desconhecidos em volta da mesa”, elogia.

Juca acredita que BH vive um momento especialmente interessante na produção das pizzas, com muitas casas buscando aprimoramento técnico. “Isso mostra que a cultura está crescendo, se transformando, mas em um caminho bonito. Ainda estamos construindo essa identidade, mas ela já é bem forte por aqui”, defende. Entre as opções do cardápio, a Margherita é destacada por ele como símbolo da filosofia da Ninetto: “É o clássico dos clássicos. Parece simples, e é, no melhor sentido. É aquela pizza que mostra que, quando temos bons ingredientes e respeitamos cada etapa do preparo, o resultado fala por si”.

Onde. Ninetto Trattoria (BH Shopping, BR-356, 3049, Belvedere)
Quando. Segunda a sábado, das 11h30 às 23h; domingo, das 12h às 21h

Pizza virou item de padaria no Coisa de Vó

Instalada em uma charmosa casa na região da Pampulha, a Coisa de Vó nasceu como padaria e cafeteria, mas recentemente passou a abrir também às quintas-feiras à noite, quando serve exclusivamente pizzas. A decisão veio do desejo de ampliar a atuação sem perder o DNA artesanal das produções da casa. “A gente queria oferecer algo noturno que tivesse o mesmo cuidado das nossas fornadas de pão. A pizza parecia o caminho natural”, conta Gustavo Andaki, um dos sócios.

A pizza Bacon Agridoce, da Coisa de Vó | Crédito: Eduarda Diegues/Divulgação

O estilo napolitano, diz, foi uma escolha coerente com o que já fazemos: respeitar o tempo, valorizar o artesanal. A equipe conta com um padeiro especializado, o Gabriel, que já havia trabalhado com pizzas anteriormente e ajudou a desenvolver as receitas. “Juntos fizemos testes, estudamos a tradição italiana e adaptamos tudo com um toque de coisa de vó”, comenta.

Na casa, a massa tem fermentação natural de pelo menos 24 horas e leva, em sua composição, farinha italiana. O molho é feito com tomates San Marzano, mais adocicados e menos ácidos, e a borda inflada, o cornicione, segue à risca a tradição das cozinhas de Nápoles, enquanto os sabores são adaptados ao “gusto” brasileiro.

A campeã de vendas é a pizza de Bacon Agridoce: molho artesanal, bacon fatiado, queijo da canastra, cebola caramelizada, geleia de pimenta e muçarela. “Ela une a técnica italiana ao sabor que agrada o paladar brasileiro”, diz Gustavo, que celebra as transformações da cena gastronômica em BH: “Se antes predominavam massas mais pesadas e recheios exagerados, hoje vemos um movimento crescente de pizzarias artesanais, que buscam mais a qualidade que a quantidade, que olham para a massa e não somente para o recheio, que escolhem bons ingredientes e proporcionam ao cliente uma experiência cuidadosa”.

Onde. Coisa de Vó (rua Inácio Murta, 464, Santa Amelia)
Quando. Terça a sexta, das 13h às 21h; sábado e domingo, das 8h às 18h

Bônus: marca lança redonda com pão de queijo na base

A mineiridade ganhou mais uma expressão culinária com a “Bandeira das Gerais”, criação da marca Iguarias de Minas que une duas paixões nacionais: a pizza e pão de queijo. A receita foi premiada no Festival da Quitanda 2024, em Congonhas, e, agora, está em véspera de ganhar um lançamento nacional.

Crocante por fora e macia por dentro, a base sustenta dois tipos de recheio: um mais próximo da clássica Margherita, com queijo da Serra da Canastra, tomate seco e pesto de manjericão; e outro com linguiça artesanal defumada e queijo típico do interior do estado.

Segundo Mariana Machado, sócia da marca, a proposta é homenagear as tradições locais com inovação e identidade: “Queremos mostrar que a inovação pode caminhar junto com a tradição, criando sabores que contam uma história.” O lançamento oficial da pizza com massa de pão de queijo está previsto para agosto, na Expocachaça e na feira Aproxima.

Onde. Disponível para compra online e distribuição nacional pelo site iguariasdeminas.com
Quando. A partir de agosto