Nem todo mundo consegue nomeá-lo, mas quase todos o reconhecem ao prová-lo. Trata-se do umami, o chamado “quinto gosto” – um termo de origem japonesa que significa, literalmente, “saboroso”. Ele se junta aos já conhecidos doce, salgado, azedo e amargo, completando o “espectro” básico dos sabores. Mais do que uma tendência culinária, o umami é um elemento fundamental na construção de pratos com sabores profundos, equilibrados e inesquecíveis.

Sua descoberta remonta a 1908, quando o cientista japonês Dr. Kikunae Ikeda identificou esse gosto ao analisar o caldo dashi, típico da culinária japonesa, feito com alga kombu. Uma de suas características mais marcantes é a capacidade de prolongar o sabor na boca, estimulando a salivação e provocando aquela clássica sensação de “água na boca”. Neste 25 de julho, comemora-se o Dia do Umami, data em que, em 1909, o doutor Ikeda patenteou o processo de produção do glutamato monossódico (MSG) – substância responsável por transmitir esse gosto –, oficializando assim o reconhecimento do umami como um gosto distinto. Mais de um século depois, o umami segue sendo explorado com maestria em restaurantes em Belo Horizonte e em diversas outras cidades que oferecem receitas que celebram esse sabor. 

Para o chef Victor Naddeo, à frente do restaurante oriental Fugu Izakaya, o umami é um ponto-chave da construção de seus pratos. “Ele age como um realçador, elevando todos os outros sabores e trazendo profundidade. Além disso, aumenta a salivação e, consequentemente, a percepção dos sabores, potencializando toda a experiência, inclusive as bebidas que são harmonizadas”, explica. No Fugu Izakaya, Victor trabalha com cinco ingredientes naturalmente ricos em umami: alga kombu, katsuobushi (flocos de peixe bonito seco), cogumelos, missô (pasta de soja fermentada) e shoyu. Segundo ele, esses elementos são a base da construção de pratos que dialogam com o paladar de maneira complexa e delicada.

Um dos destaques do cardápio é o Maguro no Nuta, feito com cubos de filé de atum fresco, envoltos em um molho de missô (rico em ácido glutâmico) e mostarda karashi, servidos sobre uma alga nori. “É um prato que explora o umami em todas as suas camadas”, disse. Outros pratos, como o lámen, também utilizam o dashi – um caldo tradicional japonês desenvolvido justamente para realçar o umami nas preparações. “Ele é feito, basicamente, com três ingredientes: alga kombu, cogumelos secos e katsuobushi”, explica.

Fugu Izakaya: maguro no Nuta tem cubos de atum com missô, mostarda karashi e alga nori. Foto: Videopress

 

Influência

A chef Bruna Martins lembra com clareza da primeira vez que teve contato real com o quinto gosto. “Numa palestra do Alex Atala, ele serviu cogumelo Yanomami cortado como talharim, em um caldo de dashi. Foi uma das coisas mais gostosas e umamis que já comi”, relembra. Com o aprofundamento em pesquisas em cozinhas asiáticas, o umami passou a fazer parte da busca por equilíbrio em seus pratos. “Não é que todo prato precise ser umami, mas, quando provo algo com esse gosto, sempre acho reconfortante e instigante”, explica.

Em seus restaurantes, o quinto gosto aparece de forma criativa. Na Gata Gorda, por exemplo, o cardápio flerta com referências asiáticas e toques pop: biscoito de cebola com unagui (enguia), berinjela defumada, queijo de cabra e ovas finalizando pratos. No Florestal, uma das criações é o guioza com umbigo de banana, servido com caldo de cebola tostada, shoyu e missô. Já no Birosca, queijos curados – como o parmesão d’Alagoa – roubam a cena, provocando salivação imediata. 

Para Bruna, quando o umami é bem explorado, a experiência é quase sempre surpreendente. “É uma explosão de sabor, e isso quase nunca é negativo. Democratizar o umami – levar isso para mais pessoas – é algo muito prazeroso para quem vive da cozinha”, conclui.

Florestal: guioza de umbigo de banana com missô e shoyu. Foto: Daniel Iglesias/divulgação

 

No Per Lui, o chef Yves Saliba trabalha o umami como um impulso sensorial que opera muitas vezes fora da consciência do cliente. “Comecei a usá-lo com o objetivo de trazer profundidade ao prato, de forma que a pessoa não conseguia identificar de onde vinha a sensação – mas também não conseguia parar de comer”, conta. Entre os destaques do cardápio atual está o Chawanmushi, um flan japonês de textura leve, mas com construção de sabor densa e sofisticada. 

“É feito com um caldo rico em colágeno de galinha, infusionado com alga e cogumelos. Recebe ainda um cogumelo marinado no molho de ostra – outro ingrediente naturalmente rico em umami –, e finalizamos com uma espuma de parmesão reggiano. Na boca é leve, mas não te deixa respirar, tamanha a complexidade, além de instigar a pessoa a comer o prato sem parar”, se empolga.

Per Lui: chawmushi de galinha, shitake infusionado e espuma de parmesão. Foto: Victor Schwaner/divulgação  

 

Sutileza

No restaurante Casa Riuga, a presença do umami é sentida nos detalhes. O chef Pedro Paulo enxerga esse gosto básico não como um norte para suas criações junto à chef Carol Elias, mas como uma ferramenta sensorial para tornar os pratos mais interessantes. “Não trabalhamos com o umami como um direcionamento, mas, uma vez que sabemos da existência desse quinto sabor, tentamos explorá-lo como mais uma possibilidade no ato de cozinhar”, entrega.

No cardápio da casa, o umami aparece em diversas camadas: mais evidente em pratos como cogumelos com creme de queijo, em que sua presença é clara e marcante; e mais sutil no crudo de atum, no qual uma simples borrifada de nam pla (o molho de peixe tailandês fermentado, intensamente umami) cria uma nova camada de sabor sem roubar a cena. “Tratamos o umami como um elemento de complexidade e profundidade nas receitas. Não é uma diretriz, mas é algo que usamos para aguçar o paladar e tornar a experiência mais rica”, destaca.

Casa Riuga: folhas de kombu são usadas para a marinada da costela bovina braseada. Foto:  Alice Leite/divulgação

 

Quinto gosto no copo

Nos bares de Belo Horizonte, o quinto gosto também ganha espaço como um elemento de sofisticação. No bar japonês Marú, o mixologista Tiago Santos, também supervisor de qualidade do grupo Redentor, enxerga o umami como uma verdadeira alquimia sensorial. 

“Na coquetelaria, ele não é apenas um quinto sabor. É uma camada de profundidade. Ele pode estar no líquido, mas também em um detalhe técnico ou na guarnição, como acontece em um dos meus drinks preferidos da casa, que é o Marú”, cita o mixologista sobre o coquetel feito com gim, kiwi, uva verde, suco de limão, capim-limão e uma guarnição de nori com wasabi levemente salgado.

“Quando o cliente leva o nori à boca – antes, durante ou depois do gole –, o umami se revela. Ele realça a acidez do kiwi, prolonga o sabor do gim, doma a doçura da uva verde”, detalha.

O umami também é protagonista da carta de coquetéis do Chika, bar de coquetelaria autoral comandado por Vitor Velloso. Mas, para ele, esse gosto não é exatamente uma novidade. “É certamente uma tendência, mas já está por aí há muito tempo – só que sem usar esse nome. O Bloody Mary, por exemplo, leva molho inglês e suco de tomate, que são cheios de umami. O Dirty Martini, com a salmoura da azeitona, é praticamente um suco de umami”, disse.

O que muda, segundo ele, é a consciência técnica e a precisão sensorial com que se trabalha esse sabor atualmente. O avanço de ingredientes asiáticos nas prateleiras ocidentais contribuiu para esse novo momento. “Com a ascensão de sabores japoneses e coreanos no Ocidente, isso ficou mais explícito – e profundo. Ingredientes como shoyu, nori, missô e  gochujang começaram a ganhar espaço não só nas cozinhas, mas também nos bares”, explica.

Marú: drink Mizú tem gim, uva verde, kiwi, capim-limão e alga temperada. Foto: Victor Schwaner/divulgação

 

A ciência por trás do umami

Apesar de ter sido identificado em 1908 pelo químico japonês Kikunae Ikeda, o umami só foi oficialmente reconhecido como um gosto básico do paladar humano no início dos anos 2000, com a comprovação da existência de receptores específicos para glutamato e nucleotídeos na boca. Hellen Maluly, doutora em ciência dos alimentos e consultora técnica e científica, explica sobre a base bioquímica e sensorial do umami. “É um gosto peculiar, que se diferencia dos demais por estimular a secreção salivar com maior intensidade e prolongar tanto a sensação do gosto na boca quanto a percepção do sabor dos alimentos”, diz. Hellen também esclarece uma confusão comum: a diferença entre gosto e sabor.

“Gosto está relacionado à sensação percebida pelo paladar, quando substâncias gustativas entram em contato com receptores na língua e no palato. Já o sabor é o resultado da combinação de diferentes estímulos – paladar, olfato, visão, audição e sensações táteis, como temperatura e textura”. 

Além de seu papel no prazer gastronômico, sendo encontrado naturalmente em alimentos ricos em glutamato, como carnes, peixes, cogumelos, tomates, queijos e outros produtos maturados (como parmesão e presunto cru), e também ovos e algas, o umami desempenha funções importantes na digestão e na saúde. “Ele estimula a salivação, o que favorece os primeiros processos digestivos, melhora a percepção dos sabores e pode beneficiar pessoas com xerostomia, como idosos e pacientes oncológicos.

Também está associado à digestibilidade de proteínas e à manutenção das células intestinais em bebês – já que está presente no leite materno”, explica Hellen. 

Onde ir:

Florestal

Avenida Assis Chateaubriand, 176 - Floresta


Casa Riuga

R. Cláudio Manoel, 1124 - Savassi


Fugu Izakaya

R. Fernandes Tourinho, 292 - Funcionários


Marú Bar Japonês

R. Fernandes Tourinho, 604 - Savassi


Per Lui

R. Muzambinho, 608 - Serra