Tudo começou com um baita susto. Em 2006, quando tinha 40 e poucos anos, o cafeicultor de Três Pontas Eduardo Nogueira sofreu um infarto. Por recomendação médica, ele deveria trocar a cerveja pelo vinho por conta das características do resveratrol (composto natural encontrado na uva com propriedades antioxidantes). “Já que preciso tomar vinho, por que não produzir o meu próprio?”, questionou-se, à época.
Era um aposta alta, mas ele se empenhou. Foi atrás de cursos, viajou para diferentes lugares e descobriu uma técnica inovadora. Em 2009, Nogueira plantou as primeiras videiras em sua vinícola, a Maria Maria, na Fazenda Capetinga, localizada em Boa Esperança. Três anos depois, veio a primeira safra. E, neste ano, um reconhecimento inimaginável nos longínquos 2006: um vinho produzido na vinícola foi premiado com uma medalha de ouro na Decanter World Wine Awards (DWWA), prestigiada competição do setor no mundo.
O vinho em questão é o Isabela Syrah 2023. A bebida disputou a colocação com outros 18 mil rótulos e recebeu uma nota histórica de 96 pontos. Com isso, se tornou o único brasileiro a obter o ouro neste ano e o mais bem pontuado do país em toda a história da competição. Sediada em Londres, a DWWA é uma das maiores competição de vinhos do mundo e reúne um júri com especialistas em uma degustação às cegas. Outros 24 rótulos brasileiros pontuaram no ranking, mas com medalhas de prata e bronze.
Para o filho de Nogueira, Eduardo Junqueira Nogueira Neto, diretor comercial da Maria Maria, a premiação é um reconhecimento de um trabalho realizado ao longo de muitos anos. “Já são 16 anos lidando com uvas na fazenda. O prêmio demonstra que nosso trabalho tem qualidade e, principalmente, consistência. Apesar dessa ter sido nossa maior pontuação, já estamos sendo premiados na Decanter há oito anos, com bronze e prata. No fim das contas, é o reconhecimento de um trabalho coletivo: do pessoal da fazenda, da equipe enológica, comercial... Ninguém faz nada sozinho. É uma conquista construída em grupo”, comemora Neto, que também é engenheiro-agrônomo.
Batizado em homenagem à enóloga da vinícola, Isabela Peregrino, o Isabela Syrah 2023 é um vinho tinto feito a partir da uva Syrah. É uma bebida de taninos macios, acidez equilibrada, longo retrogosto e fácil de beber. O sabor vem de uma característica única: ao invés de ser vinificado em barris de carvalho, como é mais comum, o vinho é armazenado em tanques de aço inox.
Por não passar por madeira, as notas de fruta ficam mais evidentes, revelando sabores com toques de couro e especiarias, como pimenta-do-reino, cravo e canela. “Buscamos o mínimo de interferência possível para explorar 100% do nosso terroir. A Syrah, por ser colhida mais tarde, sofre mais influência do terroir e da técnica da dupla poda. Pensamos esse vinho para ser frutado, com especiarias, fácil de beber e harmonizar. Um vinho para todos os momentos”, sintetiza Neto. Como é um vinho bem eclético, ele pode ser harmonizado com carne vermelha, de porco, massas, risoto e até peixes como bacalhau.
Outra característica singular das uvas da vinícola Maria Maria é que elas passam por dupla poda. Durante suas pesquisas, o patriarca Eduardo Nogueira conheceu o agrônomo Murilo Regina, da Epamig, na fase em que ele desenvolvia a técnica. Nesse método, também conhecido como ciclo invertido, a videira é podada duas vezes ao ano para forçar a colheita no inverno – em outras regiões do país, o processo é feito no verão, mas, em Minas, a época de calor não é propícia para a produção de uvas de qualidade.
“No inverno, o clima é mais seco, com mais insolação e maior amplitude térmica. São condições ideais para obter uma uva de qualidade superior. A produção é deslocada para os meses sem chuva, o que reduz doenças e melhora a concentração de açúcares e compostos aromáticos”, ressalta. A escolha da uva, a Syrah, também teve a ver com os estudos do agrônomo. “Quando o Murilo fez os primeiros testes, ele importou várias castas da França. A Syrah e a Sauvignon Blanc estavam entre elas, e, desde o início, foram as que melhor responderam agronomicamente. Foi uma adaptação natural”, diz Neto.
Homenagem a Milton e nomes femininos
Muito antes de entrar no mercado do vinho, a família Junqueira Nogueira já tinha uma tradição de seis gerações na cafeicultura em Três Pontas, no Sul de Minas Gerais, que, por sinal, é onde cresceu o compositor e músico Milton Nascimento. A relação do artista com a família começou na cidade, mas se fortaleceu fora dela.
“Quando meu pai veio estudar em Belo Horizonte, nos anos 1980, eles foram vizinhos de prédio e se tornaram grandes amigos. Um já ajudou o outro até com a mudança. Meu pai acompanhou o Milton em muitas turnês, e o Milton viu de perto todo o início do nosso projeto”, conta o diretor comercial da Maria Maria e engenheiro-agrônomo, Eduardo Junqueira Nogueira Neto.
Para homenagear essa amizade, o patriarca batizou o nome da vinícola de Maria Maria, mesmo nome da canção de 1978 de Milton e de Fernando Brant. A família conseguiu autorização dos dois artistas para usar o nome.
A partir da escolha de um nome feminino para a vinícola, surgiu a ideia de batizar todos os rótulos com nomes de mulheres, em homenagem àquelas que fazem parte da família ou que marcaram a história da vinícola.
Além do Isabela Syrah 2023, atualmente, a Maria Maria tem em seu portfólio o Juliana (Rosè Syrah 2024), o Júlia (Sauvignon Blanc 2024), Gaia (Syrah, 2021) e o Gaia Gran Reserva Syrah 2021. “Nós seguimos a lógica do alfabeto. A primeira safra teve vinhos com a letra A, a segunda com B, e por aí vai. O Isabela é da nona safra, com letra I, o nome da nossa enóloga”, pontua Neto.
O engenheiro conta que deu a Isabela a oportunidade de escolher qual vinho da safra levaria o seu nome: “Achei que ela escolheria o reserva, porque é mais elaborado. Mas ela escolheu o Syrah, sem barrica, porque foi produzido em maior escala. Ela disse que, assim, seria mais lembrada.” E, agora, também premiada.
Onde beber o Isabela Syrah 2023
O vinho Isabela Syrah 2023 pode ser encontrado em diferentes restaurantes (veja os endereços abaixo) de BH e de cidades próximas, pelo valor médio de R$ 230.
Mas quem quiser experimentar, não pode demorar muito para fazê-lo: com o concurso, a venda do rótulo disparou, e hoje a vinícola tem apenas 30% de unidades da safra. Localizado na Savassi, o restaurante Rex, da enóloga Dulce Ribeiro, é um dos restaurantes onde é possível apreciar o vinho.
“O que mais me encantou na Maria Maria é o envolvimento deles com a terra. É geração após geração ligada à agricultura. A linguagem deles tem essa intimidade mineira, uma naturalidade no trato. O escritório do Eduardo, por exemplo, fica ao lado do vinhedo, e isso significa uma relação direta com a terra”, enaltece.
Endereços:
- Barolio. Alameda Oscar Niemeyer, 1.033, Vila da Serra, Nova Lima/Rua Tomé de Souza, 616, Savassi
- Cabernet. Rua Levindo Lopes, 22, Funcionários
- Casa da Agnes. Rua Paulo Afonso, 833, Santo Antônio
- Cozinha Santo Antônio. Rua São Domingos do Prata, 453, Santo Antônio
- D’Artagnan. Rua Tomás Gonzaga, 593, Lourdes
- Empório Paraíso. R. Min. Orozimbo Nonato, 215, loja 9, Vila da Serra, Nova Lima
- Gero. Rua São Paulo, 2.320, Lourdes
- Lagar Tragaluz. Rua Direita, 55, Centro Histórico, Tiradentes
- Niê. Rua Rio de Janeiro, 471, Centro
- O Passo Pizza Jazz. R. São José, 56, Centro, Ouro Preto
- Olga Nur. Rua Curitiba, Bairro Lourdes
- Olívia. Alameda Oscar Niemeyer, 1.033, loja 18, Vila da Serra
- Omilía. Alameda do Morro, 72, Loja 1, Vila da Serra, Nova Lima
- Parrilla do Mercado. R. Opala, 10, Cruzeiro
- Rex Bibendi. Rua Antônio de Albuquerque, 917, Savassi
- Taste-Vin. Rua Curitiba, 2.105, Lourdes
- Tip Top. Rua Paraíba, 811, Savassi
- Udon. Av. do Contorno, 7.315, Térreo, Lourdes