O brasileiro simplesmente ama enviar um áudio pelo “zap zap.” A informação é do próprio CEO da Meta, conglomerado de tecnologia dona do WhatsApp. Em vídeo publicado recentemente durante o evento “Meta Conversations”, realizado em São Paulo, Mark Zuckerberg afirmou que o brasileiro manda quatro vezes mais mensagens de voz do que a média mundial.
“As pessoas no Brasil enviam mais figurinhas, participam mais de enquetes e enviam quatro vezes mais mensagens de voz no WhatsApp do que em qualquer outro país. Vocês tornaram o ‘Zap Zap’ algo próprio, e vocês estão entre as pessoas mais ativas do mundo no app”, disse no vídeo.
A combinação de fatores culturais e educacionais é um dos motivos por trás dessa preferência pelo uso da mensagem de voz em detrimento da escrita, conforme avalia a especialista em comunicação Rafaela Lôbo.
“Historicamente, o envio de mensagens de texto via SMS era gratuito em muitos países, enquanto que, no Brasil, esse serviço era pago, o que incentivou a adoção de alternativas gratuitas, como o WhatsApp. Além disso, o Brasil possui uma taxa significativa de analfabetismo e um grande número de pessoas com baixo nível de escolaridade. Para essas pessoas, enviar mensagens de áudio é uma forma mais rápida e prática de comunicação, pois não exige habilidades de leitura e escrita. A oralidade é uma característica marcante da cultura brasileira, e o áudio permite uma comunicação mais direta e pessoal, que é valorizada no contexto social do país”, analisa.
De fato, o WhatsApp facilitou a comunicação de quem não sabe nem ler nem escrever. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2022, no país, há 11,4 milhões de pessoas analfabetas. Em contrapartida, também conforme levantamento do IBGE do mesmo ano, no Brasil, o número de smartphones supera o de habitantes – são 242 milhões de celulares inteligentes contra 214 milhões de pessoas.
O aposentado Francisco Souto, de 68 anos, faz parte dessas estatísticas. Morando em São José do Jacuri, cidade do interior de Minas Gerais com pouco mais de 6.000 habitantes, ele conta que adquiriu um celular há pouco mais de um ano e usa o app para poder falar com parentes, amigos e vizinhos – a entrevista, a propósito, foi feita por meio de áudios na plataforma. =“Como eu não sei ler direito, acho mais fácil usar o WhatsApp quando quero falar com alguém. Então, em vez de eu escrever algo que não vou saber, já que entendo o português direito, eu prefiro mandar áudio”, revela Souto.
Rafaela Lôbo reitera que o envio de áudios democratiza a comunicação para aqueles que não aprenderam a ler ou escrever. “Assim como o telefone revolucionou a comunicação no passado, permitindo que pessoas de diferentes níveis de alfabetização se conectassem, o WhatsApp e suas mensagens de áudio oferecem uma nova forma de inclusão digital. Essa funcionalidade permite que todos, independentemente de suas habilidades de leitura e escrita, possam se expressar e participar das conversas cotidianas, promovendo uma sociedade mais inclusiva”, sintetiza.
Francisco Souto diz ainda que percebe que a comunicação com o outro é facilitada quando usa o serviço de voz: “Falo e escuto aquilo que eu quero, sem precisar falar de frente com as pessoas, que, às vezes, não entendem o que eu quero dizer. Ouvindo um áudio, consigo responder melhor do que quando estou conversando pessoalmente”.
Realmente, a possibilidade de serem melhor compreendidas em sua comunicação representa outro motivo que faz com que as pessoas optem por mandar áudios, segundo a doutora em linguística e professora de produção de textos, Virgínia Palmerston.
“A voz permite ao falante usar a entonação correta para a mensagem que quer enviar, e o ouvinte pode interpretá-la mais corretamente. Quando a mensagem é escrita, nem sempre o emissor consegue exprimir o que deseja”, pondera Virgínia.
No entanto, a especialista alerta que o uso frequente de mensagens de voz pode impactar as habilidades de escrita e de leitura dos brasileiros. “O uso de áudio não ajuda o enunciador a praticar a escrita correta nem o leitor a se acostumar a ler mais”, indica.
Existe etiqueta para mandar áudio?
Enviar áudios pelo WhatsApp também representa praticidade, já que, entre uma atividade e outra, mandar uma mensagem de voz pode demandar menos tempo que digita-la. Mas o mesmo nem sempre vale para quem recebe esse tipo de recado, como é o caso da atendente de pizzaria, Raphaela Rocha, de 33 anos. Para ela, é ainda pior receber áudios relacionados ao trabalho.
“Tem cliente que manda áudio e fica cobrando resposta o tempo todo, sem considerar que outros dez também mandaram áudio e esperam resposta. E responder em áudio demora mais. Em alguns casos, eu estou na rua e recebo uma mensagem de voz de colegas, isso me desgasta”, afirma.
Caso um áudio seja imprescindível, ela espera que, antes de enviar a mensagem, o interlocutor peça uma autorização. “Eu tenho tanto pavor de áudio que a autorização serve para eu preparar meu estado de espírito para escutar o que a pessoa tem a dizer. Daí, acho que não custa perguntar: ‘posso mandar áudio?’ A minha vontade sincera é dizer um sonoro ‘não’, mas, às vezes, eu reconheço que é necessário. Daí, digo: ‘beleza, manda aí’, mas ‘morrendo’ por dentro”, comenta, destacando que, para fofoca, a regra não vale. “Podem mandar até podcasts”, brinca.
Segundo a especialista em comunicação, Rafaela Lôbo, antes de mandar uma mensagem de voz, é preciso seguir uma etiqueta. “É considerado educado iniciar a conversa com uma mensagem de texto para verificar se a pessoa está disponível e se pode receber um áudio", afirma.
"Além disso, é recomendável evitar áudios muito longos, pois podem ser inconvenientes para o receptor, que pode não ter tempo ou disposição para ouvi-los integralmente. Pedir permissão antes de enviar um áudio, especialmente em contextos formais ou com pessoas que você não conhece bem, demonstra respeito e consideração pelo tempo e pelas preferências do outro”, orienta Rafaela.
Já a doutora em linguística e jornalista Virgínia Palmerston acredita que pedir autorização para enviar áudio é desnecessário. “Não vejo indelicadeza nisso, já que, não faz muito tempo, os interlocutores usavam o telefone comum para falar diretamente uns com os outros sem pedir licença. No entanto, tem sido mais comum iniciar uma conversa, com um desconhecido ou uma pessoa menos íntima, por meio de mensagem escrita. Depois, as pessoas começam a falar por áudio. Agora, pedir licença para mandar áudio acho meio exagerado. A etiqueta existe com relação à chamada direta pelo celular. Neste caso, a boa educação orienta que perguntemos primeiro se nosso interlocutor pode falar naquele momento”, finaliza.