Quando esteve no Inhotim, para um show no festival Jardim Sonoro, no início deste mês, a cantora e instrumentista Tetê Espíndola, que voltou às paradas de sucesso desde que “Escrito nas Estrelas” virou um fenômeno nas redes sociais, convocou o público para formar um coro atípico: em vez de acompanhar as letras, ensinava a plateia a reproduzir o coaxar de sapos, o cantar de quero-queros. A cerca altura, chamou para um exercício de respiração. “Vocês vão gostar, vai ficar todo mundo ‘doido’”, anunciou, antes de ditar o ritmo de algo que, geralmente, fazemos no automático, sem prestar muita atenção. E a estratégia parece ter funcionado: além de funcionar como trilha da apresentação, esse inspirar e expirar consciente parece ter conectado até os mais dispersos ao show. Os aplausos, a partir de então, ficaram mais vigorosos.

O acontecimento, que dialoga com a trajetória experimental de Espíndola, já descrita como uma “sertaneja lisérgica” por Arrigo Barnabé, se conecta também a um tipo de conhecimento que, com a crescente atenção a questões de saúde e bem-estar, vem ganhando mais espaço: o breathwork, termo genérico para descrever um conjunto de práticas que utiliza técnicas específicas de respiração consciente usada, por exemplo, para equilibrar a ansiedade, diminuir o estresse e alcançar estados alterados de consciência.

“A forma como respiramos pode impactar diretamente nosso estado mental e emocional, além de influenciar a saúde física. Então, o objetivo dessa prática é liberar tensões acumuladas, reduzir estresse e ansiedade, promover sensação de conexão e clareza mental e até acessar estados alterados de consciência, dependendo da técnica que se utilize”, explica Yone Fonseca, mentora de breathwork, acrescentando que o método pode ser utilizado para ajudar indivíduos a alcançar um estado de equilíbrio e bem-estar, utilizando a respiração como uma ferramenta fundamental.

Ela defende que o breathwork beneficia a saúde física e mental devido a uma combinação de fatores fisiológicos, psicológicos e neurobiológicos. “Do ponto de vista neurocientífico, a respiração desempenha um papel crucial na regulação do sistema nervoso autônomo. A respiração lenta e profunda ativa o nervo vago, associado ao sistema nervoso parassimpático, promovendo relaxamento e recuperação. Estudos demonstram que práticas de respiração podem reduzir os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, melhorando a resiliência emocional, diminuindo a ansiedade, a hiperatividade e a reatividade. Além disso, ocorre melhoria na qualidade do sono, na concentração e na clareza mental, entre outros benefícios”, informa.

Já do ponto de vista físico, segundo Yone, a prática regular de breathwork tem potencial para melhorar a função pulmonar, otimiza a circulação sanguínea, auxilia na eliminação de toxinas e ajuda a liberar tensões acumuladas, aliviando dores.

“As técnicas para estes objetivos são sempre as que envolvem o estímulo do sistema nervoso parassimpático, que são as respirações longas e lentas, equilibrando o sistema nervoso autônomo”, comenta, citando, entre elas, a técnica da Respiração Coerente, em que inspiramos pelo nariz ao longo de seis segundos e expiramos, também pelo nariz, em seis segundos, sem pausas entre a inspiração e a expiração. “Praticar essa técnica regularmente pode levar a uma maior resiliência ao estresse e à ansiedade”, avalia.

Mas Yone pondera que, dependendo da técnica utilizada, pode haver contraindicações. “Algumas pessoas devem ter cautela ao participar dessas técnicas”, situa. As principais contraindicações referem-se a doenças pulmonares, como doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca ou hipertensão não controlada, gravidez, epilepsia, glaucoma e também pessoas que fazem uso de medicamentos psicoativos, antidepressivos ou ansiolíticos. “Por isso é importante buscar ajuda profissional antes de começar a praticar, para saber quais técnicas você pode, ou não, fazer”, determina, antes de destacar que, oara a técnica mencionada anteriormente, da Respiração Coerente, não há riscos associados.

Outras ferramentas

Em comparação a outras técnicas de mindfulness, Yone sustenta que o breathwork tende a produzir resultados mais imediatos em termos de alívio do estresse e ansiedade, devido ao foco na respiração e na ativação do sistema nervoso parassimpático, além de ter outra vantagem: “É mais fácil de praticar”. “A meditação pode levar mais tempo para mostrar resultados consistentes, mas os benefícios a longo prazo são bem documentados, incluindo melhorias na saúde mental e emocional. O yoga oferece uma abordagem integrada que combina os benefícios físicos e mentais, promovendo não apenas relaxamento, mas também condicionamento físico”, compara.

Ela defende que cada prática tem suas características e benefícios específicos. “Muitas pessoas acham que integrar breathwork, meditação e yoga em sua rotina pode proporcionar uma abordagem mais completa para o bem-estar holístico. A escolha entre elas pode depender das necessidades individuais, preferências e objetivos pessoais”, reforça.

E é à própria história que a mentora recorre para falar sobre as transformações vividas após a adoção regular da prática. “Depois de 30 anos trabalhando em ambientes corporativos com os mais variáveis níveis de estresse, minha saúde começou a se deteriorar, meu sono era intermitente, eu acordava sempre cansada, minha pressão sanguínea começou a oscilar e também comecei a sofrer arritmia cardíaca. Em minha busca por melhorar minha saúde e, consequentemente, minha qualidade de vida, testei várias técnicas ao longo de um ano inteiro e quando encontrei o breathwork, em menos de duas semanas tudo começou a melhorar, foi incrível!”, conta. 

Segundo ela, em cerca de dois meses houve uma virada de chave na sua saúde mental, emocional e até física. “Naquele momento eu pensei: todo mundo precisa saber disso, pois é fácil, rápido e prazeroso. Então parti para minha transição de carreira, começando com um curso de breathwork nos Estados Unidos e, por fim, fazendo uma pós-graduação em neurociência respiratória e breathwork para saúde mental”, complementa. Hoje, Yone avalia que, para alcançar bons resultados com relação a questões como estresse, ansiedade, hiperatividade, tristeza, sono e raiva, uma mentoria de oito sessões semanais podem ser suficientes. “Há pessoas que preferem continuar após as oito sessões, porque é realmente muito bom. Mas oito sessões garantem uma melhoria muito perceptível, reeducando o corpo a respirar de forma consciente e funcional”, pontua.

Literatura

Entre os nomes que ajudaram a levar as técnicas de respiração para o campo científico e terapêutico, revelando seu potencial de alterar estados de consciência e regular o corpo, estão Stanislav Grof e Wim Hof. O primeiro, psiquiatra tcheco, desenvolveu nos anos 1970 o Holotropic Breathwork, ou respiração holotrópica, após a proibição do uso terapêutico do LSD. A prática, criada ao lado de sua esposa Christina Grof, combina padrões intensificados de respiração, música evocativa e suporte psicológico, com o objetivo de induzir estados não ordinários de consciência semelhantes aos provocados por psicodélicos, mas sem o uso de substâncias.

Já Wim Hof, conhecido como “Homem de Gelo”, popularizou um método que une respiração rítmica com hiperventilação controlada, exposição ao frio e foco mental. A combinação, segundo estudos científicos, ativa o sistema nervoso autônomo, fortalece a resposta imune e modula a liberação de substâncias como adrenalina e noradrenalina. Embora possa gerar sensações de euforia e bem-estar, o método é amplamente divulgado como ferramenta para aumento da resiliência física e mental, com resultados medidos em pesquisas laboratoriais.

Outros nomes relevantes na divulgação e investigação da respiração incluem o jornalista James Nestor e o neurocientista Andrew Huberman. Em seu livro “Respire: a nova ciência de uma arte esquecida”, Nestor compila evidências sobre os impactos de técnicas respiratórias ancestrais – como as praticadas por monges tibetanos, yogues indianos e guerreiros sufis – sobre a saúde. Já Huberman, professor na Universidade de Stanford, estuda como padrões específicos de respiração, como a chamada “suspiro fisiológico”, influenciam a liberação de neurotransmissores como dopamina e acetilcolina. Seus estudos apontam que é possível usar a respiração como ferramenta ativa para regular estados emocionais, atenção e níveis de estresse.