Entre os dilemas que rondam os pais na criação dos filhos, entender o limite entre proteger e dar autonomia para as crianças e adolescentes talvez seja um dos maiores deles. De um lado, existe o desejo de cercar os filhos, ainda em crescimento físico e emocional, dos perigos do mundo. De outro, também há a vontade de vê-los andar com as próprias pernas.

O casal Lindomar Luiz Silva de Assis, de 44 anos, e Maria Caroline Coutinho Siqueira Assis, de 43 anos, vive isso de perto. O técnico em enfermagem e a professora são pais de três jovens, de 21, 19 e 18 anos, e, precisam, frequentemente, desconstruir a maneira de educá-los. “Estamos preparados até certo ponto, pois, quando nossos filhos tomam decisões diferentes das que esperávamos, há uma certa resistência. Isso nos faz rever nossos papéis constantemente”, afirma o técnico de enfermagem.

Os dois começaram a perceber que os filhos estavam se tornando independentes ainda na infância. “Lembro-me de quando começaram a balançar a cabeça negando coisas, quando começaram a escolher a roupa, o desenho, a comida. Quando defendiam os amigos que não achávamos boas companhias, dos argumentos para não irem aos lugares conosco… E agora só avisam para onde estão indo”, relata a professora.

Nesse percurso de tentar achar o equilíbrio entre o sim e o não, em algumas ocasiões, o casal se pegou em momentos em que tentava controlar uma situação, mesmo sabendo que era importante deixá-los resolver sozinhos. “Isso acontece frequentemente, pois ainda estamos no processo de reconhecer sua autonomia. E isso passa pela aceitação de que eles podem não fazer as melhores escolhas, mas que é necessário passar por certas experiências”, conta Lindomar. Ainda assim, eles têm consciência que, “concordando ou não com as escolhas e o modo de viver a vida, queremos que eles saibam que aconteça o que acontecer, o amor prevalece”, resume Maria Caroline.

Em busca de achar respostas para esse dilema, a escritora e empresária Lina Valléria escreveu o livro “Pais Desnecessários, Filhos Independentes”, em que aponta mudanças que podem ser feitas na vida dos filhos para que eles se tornem adultos com autonomia. No livro, ela fala, por exemplo, que os pais precisam entender que não devem ensinar apenas as atividades do dia a dia aos seus filhos, mas também os instruírem a terem comprometimento com a vida.

“Comprometimento é mais do que cumprir uma tarefa. É entender a importância de se responsabilizar por algo, mesmo quando não é fácil ou quando falta vontade. Acompanhar se algo foi feito, estimular a pontualidade, reforçar a importância de cumprir compromissos e acordos, são atitudes que ajudam a desenvolver o senso de responsabilidade e comprometimento. Mas é fundamental que os filhos entendam o porquê daquela atividade. Quando compreendem o sentido daquilo que fazem, o comprometimento vem com mais naturalidade”, analisa.

Na avaliação dela, há muitos motivos que explicam porque tantos pais afirmam desejar filhos independentes, mas, na prática, têm dificuldade em abdicar do controle.

“O desejo de ver os filhos independentes muitas vezes entra em conflito com o medo de vê-los sofrer, errar ou se frustrar. Esse medo leva, com frequência, à superproteção, que vem disfarçada de cuidado e, por isso, raramente é reconhecida como um problema. O que muitos pais ainda não percebem, mesmo estando muito bem intencionados, é que o controle excessivo impede os filhos de se desenvolverem de forma saudável. Eles deixam de testar seus limites, de errar, de buscar soluções e aprender com as próprias experiências, fundamentais para construir autonomia e autoconfiança. No fundo, esse comportamento muitas vezes esconde uma questão emocional importante: o receio de ‘não ser mais necessário’”, analisa.

A psicóloga Graziela Alves complementa o raciocínio, destacando que a educação dos filhos é uma tarefa muito complexa, que envolve ambiguidades próprias de qualquer ser humano.

“Essa dualidade se reflete também na criação dos filhos. Afinal de contas, queremos que eles sejam independentes, mas, ao mesmo tempo, sentimos a necessidade de garantir sua proteção. Eu diria que uma das grandes dificuldades está justamente nessa inexperiência inicial e também na tentativa e erro que faz parte do processo. Soma-se a isso a individualidade de quem está sendo educado. Além disso, vivemos num contexto de forte apelo midiático. Há uma quantidade enorme de conteúdos, publicações e informações que circulam o tempo todo”, pondera.

Como alcançar o equilíbrio?

A superproteção pode impactar a autoestima e a autoconfiança dos filhos ao longo da vida, porque a superproteção carrega a mensagem de “você não consegue sozinho”, mesmo que essa não seja a intenção dos pais.

“Com o tempo, esses filhos crescem com mais medo de errar, menos tolerância à frustração e maior dependência. Eles sentem que precisam sempre de alguém para intervir, decidir ou validar. Isso enfraquece a autoestima, porque não se reconhecem como capazes e não sentem orgulho de conquistas que não foram construídas por eles. O resultado são jovens mais inseguros, frágeis diante dos obstáculos da vida e com dificuldade para tomar decisões e sustentar responsabilidades”, avalia a escritora Lina Valléria.

Na avaliação da psicóloga Graziela Alves, existem estratégias que, embora trabalhosas, podem ser adotadas para fortalecer a autoconfiança e a capacidade de decisão das crianças e adolescentes.

“Eu vejo que uma questão deve estar sempre no radar de pais e mães: ‘Isso que estou prestes a fazer, meu filho conseguiria fazer sozinho?’ Por exemplo, quando eu decido arrumar a sala que está cheia de brinquedos e papéis porque os meus filhos brincaram ali, é muito mais simples e rápido eu mesma organizar tudo. Mas ensinar os filhos a recolher, a guardar os brinquedos, a limpar, inclusive mostrando como pegar um pano e passar corretamente, dá mais trabalho. Se essas tarefas podem ser realizadas pelos filhos sem riscos à integridade física ou moral, os pais deveriam resistir à tentação de fazer por eles”, indica.

O equilíbrio está em estar por perto, mas permitindo que os filhos tomem decisões, enfrentem desafios e aprendam com os próprios erros, sempre que for possível, segundo a escritora. "A chave está no agir com intenção e conexão. Quando há vínculo profundo, os pais conseguem perceber até onde o filho pode ir sozinho, quando precisa de ajuda e quando basta um apoio. Amor com intencionalidade é isso: dar autonomia com limite, oferecer segurança sem impedir o crescimento. É estar junto, ajudando o filho a se tornar protagonista da própria vida. É entender que é preciso fazer o que é melhor para eles e não o que é mais confortável para nós", diz Lina Valléria.

Medo de não serem "mais necessários"

Um dos motivos que podem levar os pais a agirem com uma superproteção exagerada é o medo “não serem mais necessários” quando os filhos crescem e tomam novos rumos. "Esse receio é absolutamente compreensível. Dedicamos tanto tempo, energia e amor aos nossos filhos que imaginar que eles não precisarão mais de nós pode gerar um vazio. Mas esse medo precisa ser ressignificado. Ser 'desnecessário' não significa ser descartável. Significa ter cumprido com sucesso a missão de preparar um filho para a vida", conta Lina Valléria.

"A verdade é que temos dois caminhos: estimular a independência dos filhos ou reforçar a dependência. E, embora a independência possa parecer difícil no começo, ela traz realização e leveza no futuro, tanto para os filhos quanto para os pais. Infelizmente, é cada vez mais comum vermos jovens crescidos, mas emocional e financeiramente dependentes, o que gera frustração para todos. Quando os filhos crescem e se tornam autônomos, o papel dos pais muda, mas o vínculo permanece. O amor e o afeto continuam sendo fundamentais", salienta.

A psicóloga Graziela Alves destaca também que a maternidade ou a paternidade não deve ser escolhida com o propósito de ocupar uma função social, de se sentirem necessários. "Vínculos fortes, sejam entre familiares, amigos, parceiros ou parceiras, são construídos a partir de competências emocionais que são bem-vindas e valorizadas socialmente. Estou falando de transparência, disponibilidade, consideração, empatia, compaixão e escuta ativa.
Essas habilidades são fundamentais em qualquer relação: entre irmãos, amigos, casais, e, claro, entre pais e filhos também", destaca.