Uma expressão consagrada pela música impregnou-se de tal modo ao imaginário popular que ganhou a conotação de ditado. Em 1947, o sucesso da canção “Segredo”, de Herivelto Martins e Marino Pinto, foi tão grande que mereceu gravações quase simultâneas de Dalva de Oliveira e Nelson Gonçalves. O refrão resumia a prosa: “O peixe é pro fundo das redes/ Segredo pra quatro paredes”.

A escriturária Talissa Morais, de 27 anos, corresponde à definição musical. Ela garante que “sente facilidade em guardar segredos”, que só compartilha com o marido, mantendo-os, afinal, entre quatro paredes. Já a aposentada Aparecida de Oliveira, de 64 anos, tem outra postura.

“Tem segredos que não dá para guardar, você precisa falar, desde que não prejudique ninguém”, pondera Aparecida, que, no entanto, afirma que “se a pessoa pedir muito”, ela resguarda o silêncio. “Guardar segredo faz mal, porque você fica com aquilo dentro de você, querendo dividir com alguém. Quando conta, é um alívio”, constata Aparecida.

O representante comercial Edmar Lage, de 52 anos, pega emprestada outra conhecida expressão popular. “Minha boca é um túmulo”, garante Edmar. “A discrição sempre vem acima de tudo, e, se você me confiou um segredo, seja ele simples ou seríssimo, eu não vou contar”, complementa. Para ele, “espalhar segredos é uma falta de ética…”.

O motoboy Carlos Moreira, de 20 anos, vai na mesma linha. “Guardar segredo é importante para preservar a amizade. Não dá para chamar de amigo quem espalha segredos”, sustenta Carlos. Em sua opinião, “tem coisa que não se deve conversar com ninguém, mas outras é importante desabafar”. Aparecida concorda. “Tem segredo que você não conta nem para o seu melhor amigo”, avalia ela.

O psicólogo comportamental e professor universitário Jailton de Souza recorre a Freud para afirmar que, “nós, seres humanos, não conseguimos guardar segredo”. “Talvez alguns consigam guardar por mais tempo, outros por menos tempo. Mas, de uma forma geral, os segredos possuem um prazo de validade, e, uma hora, serão revelados”, diz Jailton.

A sete chaves

O especialista explica que trancar algo a sete chaves pode ser prejudicial quando a questão “envolve um processo traumático, como nos casos de assédio; ameaça a integridade da pessoa; ou implica suas crenças e valores”. “Nessas situações, guardar o segredo pode causar angústia, ansiedade, levando a alterações comportamentais que podem fazer com que a pessoa fique mais quieta, introspectiva, reservada, acarretando tanto problemas físicos quanto emocionais”, alerta.

Por outro lado, haveria benefícios interessantes ao compartilhar segredos, por exemplo, numa sessão de terapia, em que o interlocutor serve como bússola para o autoconhecimento. “Ao compartilhar segredos com o terapeuta, você está dando vazão a emoções preservadas em você mesmo, e, nessa interação, pode ampliar a sua perspectiva sobre determinado assunto”, pontua.

Para Jailton, essa relação propicia uma análise mais bem fundamentada sobre a real necessidade de manter algo em segredo, ou se aquilo deve ser externalizado. Tabus sociais e familiares, que impedem as pessoas de assumirem condições de sexualidade e gênero, por exemplo, podem ganhar um respiro novo, a partir dessa abertura para uma fonte “ética, confiável e responsável pelo sigilo”.

“A decisão de manter isso em segredo ou não deve vir a partir de suas próprias escolhas, mas o fundamental é você perder o medo com relação àquilo”, salienta Jailton. “Quando você tem que lidar com um segredo que te tortura e não sai dos seus pensamentos, ele se torna um fardo pesado demais para ser carregado sozinho. Então, a melhor forma de lidar com essa situação é encontrar uma pessoa próxima, confiável, ou um profissional especializado, para que você possa compartilhar e compreender melhor esse fardo, se realmente ele tem esse peso todo, se precisa ser melhor equilibrado, ou se o ideal é você ficar livre desse segredo…”, complementa o psicólogo.

Contar ou não?

Jailton afiança que, para além de diferenças culturais, o que costuma preponderar é o perfil de cada pessoa. “As pessoas mais extrovertidas tendem a não guardar segredos, não por maldade, mas porque elas gostam mais de conversar, e, inevitavelmente, alguma coisa vai escapar”, diz.

Já as introvertidas seriam mais discretas, o que impediria que uma revelação se espalhasse ao sabor do vento. “Nós, da América do Sul, pela característica da festividade, das confraternizações, temos uma tendência a não guardar tantos segredos”, analisa Jailton. O dilema ético da postura de quem recebe o segredo, de acordo com ele, ocorre nas situações extremas.

“Se você é portador de um segredo que está causando sofrimento ou comprometendo a integridade física e mental de outra pessoa, não existe justificativa ética” para manter a informação no cativeiro, defende o especialista. Se uma pessoa que deveria saber de um segredo acabou falecendo, “a culpa e o arrependimento de quem preferiu não compartilhá-lo pode acompanhar a pessoa por várias décadas”.

“A ideia de que aquilo poderia mudar drasticamente a vida de alguém é aterradora. E nós costumamos ter essa impressão de que podemos mudar o curso de nossas vidas”, analisa o psicólogo.

Impactos podem variar

O psicólogo Jailton de Souza considera que os impactos de guardar um segredo por muito tempo variam de caso a caso. “Para alguns, guardar segredo pode ser sinônimo de status, de uma habilidade que a pessoa possui. Para outros, pode ser um problema de consciência, por não conseguir definir se a melhor opção é contar ou guardar o segredo”, diferencia. Em ambos os casos, ele salienta que é fundamental o autoconhecimento, “para que a pessoa não se deixe enganar por medos ou vaidades”.

“Ao externalizar um segredo sem culpa, é preciso analisar se é importante que outras pessoas tenham acesso àquela informação mantida em sigilo. Existe uma luta interna, seja para manter esse segredo ou para quebrar a sua confidencialidade”, destaca Jailton, para quem “a gente pode perder essa luta quando o nosso segredo é externado para outros sem a nossa anuência, o que causa enormes frustrações e desqualifica todo o processo de autoconhecimento da pessoa”. Ou seja, o segredo a ser revelado é primordialmente o nosso, íntimo como tudo aquilo que mantemos entre quatro paredes.