À noite, o aposentado Rosano Pimentel, de 67 anos, gosta de “tomar uma cervejinha e comer um tira-gosto”. A promotora de eventos Cíntia Paula, de 41 anos, também aprecia um barzinho, e admite que dorme muito tarde e acorda cedo. “Minha vida é bem corrida, as olheiras que o digam”, diz.

Técnico de enfermagem e estudante, Iago Maia, aos 22 anos, já não sabe “quando é dia ou noite”. “Nem sabia que dia era hoje. Faço muito plantão, estudo à noite, trabalho durante o dia”. Ele precisa aproveitar brechas entre um plantão e outro para ter algumas horas de sono. “Nas folgas, tento dormir o dia inteiro para recuperar o sono. Não recomendo”, declara Iago. 

O entregador Ronan Gomes, de 20 anos, que atua sobre uma bicicleta, tem uma realidade parecida. “Trabalho de tarde e à noite, pego almoço e janta, de 11h às 21h. Durmo por volta da meia-noite e acordo às 6h da manhã”, conta Ronan.

Tharlem de Souza é outro que se vira com dois empregos, como vendedor numa loja de roupas masculinas no período da noite e em uma imobiliária durante o dia. “De vez em quando, vou a algum bar, gosto do clima noturno de Belo Horizonte. Volto para casa por volta de 3h da manhã e acordo às 7h para ir trabalhar”, relata Tharlem. 

Tempos modernos 

A vida agitada de uma capital, em tempos cada vez mais acelerados que cobram uma produtividade extenuante, pode estar na raiz dos depoimentos. Fato é que esse quadro de diferentes vozes mostra que as pessoas não têm aproveitado a noite para dormir, o que pode ser um problema. 

O psicólogo Rodrigo Aroeira Braga esclarece que “o corpo humano segue um ritmo natural conhecido como ciclo circadiano, que consiste em uma série de atividades biológicas que se repetem a cada 24 horas, regulando o funcionamento do organismo”. “Esse ciclo é influenciado pela luz do dia e pela escuridão da noite”, pontua.

Segundo o especialista, “o Homo sapiens é uma espécie diurna, adaptada para realizar suas atividades durante o dia e descansar à noite. Nosso sistema visual e a dependência da luz nos caracterizam como espécie diurna”. 

Alterações

Entre os fatores que podem alterar o ritmo natural do corpo humano, levando ao comportamento conhecido como notívago, Rodrigo elenca as “mudanças de fuso horário, trabalho em turnos irregulares, privação de sono, modificações abruptas na rotina e o uso de medicamentos ou drogas”.

Outra condição que não pode ser ignorada é o avanço tecnológico na contemporaneidade, com “impactos tanto positivos quanto negativos na qualidade de vida e do sono das pessoas”. “Entre os fatores que afetam o sono nas sociedades modernas estão a luz artificial, que alterou os hábitos relacionados aos ciclos de sono e vigília; as telecomunicações, as demandas sociais e o estilo de vida ativo”, enumera o especialista. 

Em relação às consequências fisiológicas de trocar o dia pela noite, Rodrigo destaca o “cansaço, a fadiga, falhas de memória, dificuldade de atenção e concentração, hipersensibilidade para sons e luz, e taquicardia”. Além disso, segundo ele, “notívagos podem ser mais propensos a desenvolver depressão e ansiedade, devido à desregulação dos ritmos circadianos”.

“A incompatibilidade com os horários sociais convencionais pode levar ao isolamento e à dificuldade em manter relacionamentos. A necessidade de ajustar constantemente o relógio biológico pode aumentar os níveis de estresse”, alerta. Nesse sentido, a própria sociedade poderia se mobilizar para diminuir os efeitos negativos sobre a vida de pessoas com tendência notívaga. O psicólogo sugere algumas mudanças e adaptações.

“Trabalhar de casa pode permitir que notívagos gerenciem melhor seus horários e aumentem a produtividade. Informar a população sobre os desafios e necessidades dos notívagos pode aumentar a compreensão e empatia. Políticas que ofereçam suporte psicológico e psiquiátrico para aqueles que enfrentam dificuldades devido aos horários noturnos são importantes. Programas educacionais que ensinem sobre a importância do sono e como melhorar a qualidade do sono podem beneficiar a todos, incluindo os notívagos. Ferramentas digitais que ajudem pessoas notívagas a monitorar e melhorar seus padrões de sono também são úteis. Implementar essas mudanças pode ajudar a criar uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para os notívagos”, sustenta. 

Estratégia

Rodrigo também oferece algumas estratégias que os próprios notívagos podem utilizar, como, por exemplo, “ajustar os horários para passar um tempo com amigos e familiares”. No caso de estar lidando com “problemas de humor e ansiedade”, ele aconselha procurar um psicólogo.

“A prática regular de exercícios pode melhorar a qualidade do sono, mas é melhor evitar atividades intensas perto da hora de dormir. Usar filtro de luz azul nos aparelhos eletrônicos é indicado. Manter uma dieta equilibrada e beber bastante água durante o dia é importante, mas é recomendável limitar a ingestão de líquidos e refeições pesadas antes de dormir, para evitar interrupções no sono”, afiança o especialista. 

Hábitos notívagos podem exigir o uso de medicamentos

Em alguns casos, o comportamento notívago pode exigir o uso de medicamentos, como quando há comprometimento da saúde física e mental, afetando diretamente a qualidade de vida da pessoa. 

“O sono desempenha um papel crucial em várias funções biológicas, como a consolidação da memória, a visão binocular, a regulação da temperatura corporal, a conservação da energia, além da recuperação do metabolismo energético do cérebro”, salienta o psicólogo Rodrigo Aroeira Braga. 

De acordo com o especialista, “devido a essas funções essenciais, distúrbios no sono podem causar mudanças significativas no funcionamento físico, ocupacional, cognitivo e social de uma pessoa, comprometendo seriamente sua qualidade de vida”, arremata.