Para a professora Daiane Melo, de 43 anos, “as pessoas têm as suas peculiaridades, e não devemos viver em função dos outros”. “Gosto muito de agradar as pessoas que eu amo com presentes, sou muito afetiva”, diz Daiane. Já o engenheiro Heitor Farias, de 83 anos, acredita que “devemos tentar agradar e respeitar a todos como seres humanos”. “Agradar é diferente de bajular, basta me respeitar que me agrada”, pondera. 

A aposentada Antônia Carmelita, de 62 anos, admite que não tem coragem de desagradar as pessoas. “Tenho medo de não estar agradando. Tento agradar até a pessoa que está ao meu lado no ônibus”, confessa Antônia, que se considera “fácil de agradar”. “Um ‘bom dia’, um sorriso, essas coisas simples da vida para mim já bastam”.

Aos 63 anos, o freelancer Lincoln Veloso recorre a um conhecido ditado popular, segundo o qual “é impossível agradar a todos, nem Jesus Cristo agradou”. “Faço a minha parte, mas não sofro. Nem todo mundo merece um agrado. Devemos agradar nossa família, nossos pais, filhos, irmãos, as pessoas que a gente ama, mesmo assim com um pé atrás”, sugere. 

Lincoln se define como “não materialista”. “Para mim, o que interessa é a intenção da pessoa”. O representante comercial Tiago Martins, de 38 anos, se preocupa em agradar aos outros, e acredita que precisa “tratar o problema na terapia”. “Agradar a todo mundo é uma loucura da cabeça. A vida é feita de conexões, mas quem de fato devemos agradar são os nossos. O resto é consequência!”, acredita.

Principais desafios 

A psicóloga Jaqueline Maia enumera alguns desafios recorrentes para aquelas pessoas que têm dificuldade em dizer “não” e desapontar a expectativa alheia. “Existem vários desafios, conforme a interpretação que cada pessoa tem sobre não se importar em desagradar, mas o principal deles é o medo da rejeição, que vem das crenças centrais que grande parte das pessoas apresentam, que são a não-estima e a inadequação”, afirma. 

De acordo com a especialista, “essas crenças envolvem a necessidade de buscar aprovação externa, para se sentirem amadas e adequadas”. “Além disso, as pessoas também têm medo de se tornarem egoístas se não fizerem o que os outros querem, o que resulta na dificuldade em estabelecer limites. O medo de desagradar, combinado com a ansiedade de parecer egoísta, faz com que o ‘não’ seja associado à culpa ou ao fracasso nas relações”, complementa. 

Consequências e soluções

Entre as principais consequências negativas para as pessoas que ficam o tempo inteiro tentando agradar às outras, estariam “a perda da identidade e a negligência das próprias necessidades”, algo que tende a levar ao “desenvolvimento de ressentimentos”. “Isso pode levar à exaustão emocional, ansiedade e até depressão”, alerta Jaqueline, que destaca um quadro ainda mais preocupante quando se trata de relações conjugais. 

“Nos relacionamentos, o comportamento cria uma dinâmica desequilibrada, onde uma pessoa que tenta agradar o tempo todo pode ser vista como dependente, fraca ou até mesmo sem autenticidade. Isso gera frustração em ambas as partes, podendo deteriorar a relação a longo prazo”, sustenta a psicóloga. Para superar essa situação, ela indica algumas técnicas de terapia cognitivo-comportamental que podem ser eficazes.

“Uma delas é identificar pensamentos automáticos disfuncionais, como ‘se eu disser não, serei rejeitado’, e reestruturá-los de forma mais realista. A prática de habilidades de assertividade também é fundamental, pois ensina a expressar desejos e necessidades de maneira clara e respeitosa”, orienta a profissional, que também sublinha a importância de “exercícios de exposição graduada” como auxiliares no enfrentamento ao desconforto de dizer “não”, que devem ser “iniciados com situações menos desafiadoras, para, aos poucos, evoluírem para aquelas que são mais difíceis”. Por fim, ela sugere a leitura dos livros “A Coragem de Ser Imperfeito”, de Brené Brown, e “Comunicação Não-Violenta”, de Marshall B. Rosemberg.  

Sentimento de culpa é normal no processo

Segundo a psicóloga Jaqueline Maia, “é normal sentir desconforto ao começar a dizer ‘não’, sobretudo se uma pessoa não está acostumada a estabelecer limites”, o que faz parte de um processo amplo, com resultados a longo prazo.

“Uma estratégia eficaz é aceitar o sentimento de culpa sem se deixar guiar por ele. A prática da autocompaixão também é essencial, lembrar-se de que cuidar das próprias necessidades não é egoísmo, mas uma forma de respeito próprio. A consciência de que o ‘não’ protege sua saúde mental a longo prazo ajuda a reduzir o peso emocional desse desconforto”, corrobora Jaqueline.

A psicóloga garanta que, “quando uma pessoa aprende a priorizar suas próprias necessidades, ela passa a viver de acordo com seus valores, aumenta sua autoconfiança e satisfação pessoal, cria relacionamentos mais equilibrados e saudáveis, onde as outras pessoas passam a tratá-la com mais respeito e atenção, exatamente o contrário do que se pensava inicialmente, em ser excluída ou rejeitada”.

O resultado é que, “ao deixar de tentar agradar a todos, a pessoa também ganha mais tempo e energia para se dedicar às suas próprias metas e paixões, o que aumenta o bem-estar emocional e a sensação de realização”, arremata a entrevistada.