Um jovem é confrontado por seus pais numa delegacia de Los Angeles, logo após ter sido preso por bebedeira. Tentando amenizar a situação, seu pai explica ao delegado que tudo não passa de um mal-entendido, causado principalmente pelo fato da família ser nova na cidade e o filho ainda não ter feito muitos amigos ali. 

Apesar das desculpas, fica claro que eles vivem um relacionamento complicado em casa. "Eu tento me aproximar dele, porém não sei mais o que fazer", balbucia o pai, atônito. "Não te dou tudo o que você quer? Quando pede uma bicicleta, eu compro. Quer um carro, te dou de presente", diz.

"É, vocês compram muitas coisas mesmo", retruca o filho, em tom de escárnio.

"Mas não é só isso, te damos amor e carinho também, não damos?", justifica o pai, antes de ouvir o rapaz explodir num grito nervoso: “Vocês estão acabando comigo!”.

Mesmo quem nunca assistiu ao clássico "Juventude Transviada" (Rebel Without a Cause), de 1955, certamente pode simpatizar-se com o tema do filme, que aborda a difícil relação entre pais e filhos adolescentes.

Conhecida como uma fase de mudanças psicológicas, físicas e sociais, a adolescência muitas vezes impõem uma série de ajustes intensos sobre a vida dos jovens e de seus familiares.

Durante esse período de indefinição entre a infância e a fase adulta, os corpos e as ideias mudam – e com isso muitos conflitos internos e externos ficam à flor da pele.

"O relacionamento entre filhos e pais fica mais difícil nesse ciclo porque o adolescente tem necessidade de impor suas idéias que geralmente são contrárias ao seu sistema familiar", aponta a psicóloga Claudia Maria Bomans.

Ela diz ainda que é necessário estar alerta para que essas dificuldades de convívio entre gerações não venham a se tornar letais para o progresso dos jovens em formação.

"Muitos pais, por causa da insegurança e temor, acabam tendo dificuldade para proporcionar o espaço necessário para o crescimento dos filhos e a formação de suas identidades. Este é um ciclo que pede muita compreensão e discernimento dos responsáveis, que precisam saber como acolher e orientar os jovens nessa fase", complementa.

Segundo a psicóloga clínica e professora Roberta Andrade e Barros, é essencial que os progenitores sejam sempre uma fonte de sustento durante esse tempo de transformação.

"Em nossa sociedade, é comum que a adolescência seja o momento da experimentação, tanto em termos de relações de amizade e amorosas, quanto de se planejar o futuro profissional. Essas são decisões muito complexas. Alguns adolescentes não encontram apoio em suas redes para lidar com esses novos desafios, seja na família, na escola ou entre amigos", detalha Roberta.

Navegando num oceano de mudanças

O desafio, entretanto, pode parecer mais árduo justamente por envolver situações de indefinição – como a necessidade de autonomia por parte dos adolescentes e a perda da proteção dos pais, explica a psicóloga e psicanalista Andrea Chagas Libanio de Freitas.

"Existe um luto nesse 'choque' que devemos levar em conta: um corpo infantil morre para dar lugar a um outro desconhecido, que terá de ser descoberto, conquistado e situado. É nesse sentido que a separação dos pais pode ser compreendida", frisa. 

Para Andrea, esse anseio pela independência e autonomia significa, na maioria das vezes, uma recusa direta aos padrões paternos estabelecidos.

"Essa é, inclusive, uma constante queixa dos pais. Mas é bom lembrá-los que eles também já foram adolescentes, e por isso é importante que retomem um pouco de sua própria história para não esquecer como essa fase pode ser angustiante e desafiadora", propõe.

A psicóloga e psicanalista Maria Clara Carneiro Santiago salienta ainda que é natural que esse estágio de maturação venha acompanhado de um certo distanciamento da família. 

"Essa etapa, que, em psicanálise, chamamos de 'separação', é a coluna vertebral que sustenta o trabalho de elaboração da subjetividade no momento da adolescência", sustenta.

De acordo com a especialista, o afastamento é parte essencial da construção das bases da individualidade, autoconfiança e vida íntima dos jovens.

"A meu ver, não há escolha que prescinda de direcionamentos, indicações e orientações – algo que o sujeito recebe ao longo de sua infância por parte dos pais, educadores e de todas as instâncias de cuidado que o circundam. Na adolescência, porém, é preciso que ele se separe parcialmente do laço fusionado com essas figuras e passe a se voltar para interesses e afetos para além destes. Só assim se faz uma aposta na singularidade desses sujeitos, que, pouco a pouco, constituem um saber que lhes seja próprio", defende Maria Clara.

Patrícia Alvarenga, psicóloga clínica, professora e perita em comportamento humano, concorda e acrescenta.

"O amadurecimento da percepção social é uma habilidade extremamente complexa que é construída a cada momento de forma dinâmica. Com isso, vamos chegando a um desenvolvimento emocional e principalmente a alta estima. Por isso é necessário que a gente nunca atropele esses processos tão importantes para a nossa formação como indivíduos", alerta.

Adolescência: fase em extinção?

Conceito relativamente recente na sociedade moderna, a adolescência só passou a 'existir' de fato no século 19, como uma forma de prolongar o tempo de trabalho durante as transformações sociais que o mundo vivia naquela era. 

Mais recentemente, um debate vem ganhando forma para prolongar essa fase da vida até os 30 anos. Porém, há também quem aposte que ela deva acabar de vez – afirmando que postergar seu fim só causa dano e mantém os jovens cada vez mais infantilizados.

Muitos estudiosos, no entanto, não apostam numa extinção total da adolescência.

"Não acredito que acabaremos com a adolescência. Se formos pensar, ela é a fase mais 'invejada' de todas: inventamos a pré-adolescência e a adolescência tardia – e quem ainda não faz parte dela, quer fazer; assim como quem dela já passou, quer nela continuar", opina Roberta Andrade e Barros. 

Já Patrícia Alvarenga projeta um futuro no qual a sociedade consiga avaliar essa fase tão difícil e complexa da vida sob uma perspectiva completamente original.

"Talvez o maior desafio que temos que enfrentar seja achar o equilíbrio ideal para ajudarmos os adolescentes de agora a se tornarem adultos saudáveis e capazes de uma existência feliz amanhã. Torço muito por isso", conclui.