Não é incomum ouvir que avós têm o talento especial de estragar seus netos. Muitos pais argumentam que os filhos deles desconhecem limites quando estão perto dos patriarcas e das matriarcas da família, tantas vezes acusados de bajular excessivamente os pequenos. E pode até ser que, em alguns lares, isso aconteça. O que não dá é para tomar por regra essa crença – que, convenhamos, tem um quê de maldosa. Menos ainda em um Brasil em que os idosos chefiam famílias em mais de 20% dos domicílios e, em muitos casos, quando possuem netos, não se furtam ao exercício de educá-los e cuidar deles.
“As relações familiares são singulares, de forma que o mito que diz que os avós ‘estragam’ as crianças pode ser verdadeiro em alguns contextos. Em outros casos, os avós podem ser rígidos demais ou até não ter tanto contato com os filhos de seus rebentos”, pondera a psicóloga Gabriella Cirilo, mestre pela faculdade de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por outro lado, em muitos casos, essa convivência se prova benéfica. Algo que ficou ainda mais em evidência em um contexto pandêmico. “Se os avós lidam bem com a criança e, de alguma forma, conseguem ajudar os pais no cuidado, é claro que essa experiência será vantajosa para todos – o que pode ter ficado ainda mais explícito nos períodos de isolamento social”, avalia.
É nesse cenário, de lares cada vez mais multigeracionais, que a figura do “avô-canguru”, que assume o papel de cuidador, além de dar significativo suporte financeiro para a família, vai ganhando espaço.
Evidentemente, essas novas configurações parentais impõem desafios próprios. Afinal, nesse contexto, a autoridade familiar acaba sendo dividida entre diferentes atores, o que pode provocar disputas e choques de valores e ocasionar a desarmonia do ambiente doméstico. Por isso, é um consenso entre especialistas que regras sejam estabelecidas e que o diálogo se faça presente.
“Por um lado, os avós vão ter na cabeça deles o que é certo para a educação dos netos, mas os pais podem pensar de forma diferente. São gerações diferentes, possuem visões de mundo distintas e podem ter opiniões opostas sobre como criar uma criança”, examina a psicoterapeuta familiar sistêmica Mara Camargo. “Óbvio que isso pode gerar um conflito, mas é algo que faz parte das relações humanas e que deve ser tratado com maturidade”, inteira.
A especialista avalia que esse tipo de conflito só será superado se todas as partes se respeitarem e admitirem concessões. Na prática, o ideal é que, por um lado, os avós não se sobreponham à autoridade materna, mas, por outro, se os pais precisam que os avós fiquem com a criança para que, por exemplo, possam trabalhar, então devem ter tolerância e entender que ela terá seus métodos.
E, se tudo corre bem, a verdade é que a relação entre avós e netos pode ser muito proveitosa e saudável para todos.
“Se estamos falando de relações familiares saudáveis e funcionais, sem dúvida é importante que os avós se façam presentes na vida de seus netos. Assim, eles podem auxiliar no desenvolvimento da criança, que passa a conviver com novas referências, além dos pais, aprendendo com a sabedoria que um idoso pode transmitir”, opina Gabriella. “Aliás, a partir dessas relações, é possível uma interação de ganho mútuo, dado que o idoso também pode aprender e experimentar novas vivências junto dos seus netos”, avalia.
Recentemente, um estudo feito na Alemanha mensurou quão benéfica é essa dinâmica para os idosos. A propósito, os dados verificados pelos pesquisadores são impactantes. De acordo com a publicação, os avós que cuidam de seus netos têm 37% menos risco de morte em comparação a outras pessoas que, com a mesma faixa etária, não têm esse tipo de convivência.
Valorização
Gabriella Cirillo lembra ainda que o trabalho de cuidado desempenhado pelos avós costuma ser pouco valorizado. “Estar presente e ativo no cuidado de uma criança é trabalhoso, e por isso não é algo que possa ser diminuído. Pelo contrário, é necessário que os pais valorizem o papel dos avós educadores”, aconselha, dizendo que esse tipo de atitude se desdobra em ganhos para a autoestima e para o bem-estar do idoso.
“A velhice, infelizmente, é muito associada ao sentimento de ‘não ser mais útil’. Portanto, quando há esse reconhecimento, invertemos essa lógica”, diz. “Mas também é necessário estar atento ao fato de que a pessoa idosa pode ter suas debilidades e não ter aquela energia toda para cuidar de uma criança”, adverte a professora da graduação em medicina do Uni-BH.
Dia dos Avós. No Brasil, em Portugal e na Espanha, o Dia dos Avós é celebrado em 26 de julho. A data faz referência à comemoração cristã do Dia de Santa Ana e São Joaquim, que são pais de Maria e, portanto, avós de Jesus Cristo.