“Embora não seja utilizado na literatura médica, o complexo de inferioridade é uma expressão popular que pode ajudar as pessoas a compreender e solucionar problemas comportamentais e ligados a crenças enraizadas”, indica o psiquiatra Bruno Brandão, detalhando que o termo foi criado pelo psicólogo austríaco Alfred Adler, fundador da psicologia do desenvolvimento individual, que foi um discípulo do alemão Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise. 

Brandão explica que o complexo de inferioridade não é considerado uma patologia ou um transtorno mental, mas sim uma característica de personalidade que repercute em uma série de prejuízos – principalmente em termos de relacionamentos interpessoais. “O problema é caracterizado como um pensamento falso que o sujeito tem em relação a si mesmo e que o faz acreditar ser incapaz de enfrentar os desafios da vida e de ter sucesso em qualquer empreitada”, sinaliza. 

“É interessante observar que todos nós podemos nos sentir inferiorizados em algum aspecto. Você pode notar que ela não joga futebol tão bem como seus pares, pode se notar ruim em matemática, para ficar em dois exemplos clássicos”, comenta, ponderando que ter esse tipo de autopercepção é plenamente normal e até saudável. “Mas, nos sujeitos com o complexo de inferioridade, essa autoavaliação negativa é generalizada. É como se a pessoa não fosse boa em nada, o que é impossível. Afinal, todos temos nossas aptidões, tratando-se, portanto, de uma distorção quanto à autoimagem”, situa. 

A psicóloga e pesquisadora Renata Borja acrescenta que, segundo a Associação Americana de Psicologia (APA), essa disfunção pode ser decorrente de uma deficiência física ou psicológica real ou imaginária. “A consequência é um comportamento que varia da timidez imobilizadora a sobrecompensação”, observa. 

“Há pensamentos limitantes que podem ocorrer a todos nós, mas que são mais comuns em pessoas com essa característica de personalidade. É o caso da mania de comparação, quando estamos o tempo todo nos avaliando a partir das realizações dos outros, e da super generalização, quando temos ideias fixas de que ‘nada dá certo para mim’ ou que ‘tudo de errado acontece comigo’. Esses indivíduos são muito preocupados com a forma como são vistos, temendo que esses defeitos, reais ou imaginários, sejam percebidos. Por isso, são excessivamente sensíveis a críticas, deixando de observar se quem o critica tem mesmo legitimidade para fazê-lo ou até mesmo interpretando como crítica o que, na verdade, não é. Inclusive, por haver tendência de personalização, essa pessoa pode compreender um comentário que nem sequer é sobre ela como uma crítica, podendo até ter mania de perseguição em alguns momentos”, detalha a psicóloga. 

Outras características associadas ao complexo de inferioridade são o sentimento persistente e recorrente de inveja ou de ciúmes em relação a outras pessoas vistas como mais capazes. “Há também muita insegurança para tomada de decisões, o que leva esses indivíduos a serem muito influenciáveis e a temerem experimentar ou se engajar em coisas novas. Esse receio faz que se tenha menos experiências, reduzindo o repertório pessoal de recursos para lidar com adversidades, o que vai retroalimentar essa autopercepção distorcida”, acrescenta Renata. Por fim, quando confrontado, esse paciente fica na defensiva, atacando os defeitos dos outros para que os seus próprios defeitos, reais ou imaginários, não sejam notados. 

Problema nem sempre é nítido 

“Um problema comum a pessoas com complexo de inferioridade é que, muitas vezes, esse sentimento não é nítido. Portanto, o sujeito pode carregar consigo, mesmo sem perceber, essa autopercepção distorcida e enraizada”, alerta Bruno Brandão. “Em razão dessa ideia de que se é pior que os demais, o paciente começa a criar, de forma inconsciente, certas regras com objetivo de esconder esses defeitos, que podem existir ou podem ser apenas fantasiosos. Essa supercompensação pode, paradoxalmente, levar o sujeito a se comportar de forma arrogante, como se fosse superior”, complementa. 

A supercomensação pode se dar nas mais diversas searas. “A pessoa pode trabalhar excessivamente para tentar esconder essa crença de ser incompetente, pode se exercitar de forma extenuante para se provar capaz”, explica o psiquiatra. “E o que acontece quando você está o tempo todo, 24 horas por dia, tentando compensar uma falha, que está na sua cabeça ou que você potencializou, tornando ela maior do que de fato é, você acaba entrando em um ciclo vicioso que é altamente estressante”, informa. 

Embora reconheça que condições como humor e ansiedade possam reforçar o problema, Brandão garante que o mais comum é o contrário. “Ou seja, a pessoa desenvolve a crença de ser inferior aos outros, e isso faz com que ela desenvolva regras que levam ela a querer supercompensar o problema. Mas essa busca de compensação nunca chega a um fim, porque o problema está na crença em si, e não nos supostos defeitos. Todo esse contexto está associado a um padrão que vai levar ao esgotamento emocional, deixando o indivíduo mais vulnerável a transtornos ansiosos e depressivos”, expõe. 

Ele adverte que o fenômeno causa prejuízos ao desenvolvimento pessoal, seja por provocar o isolamento social ou por promover um paralisante medo de se arriscar e de se ter novas experiências. 

Origem 

Renata Borja observa que, embora fatores genéticos possam deixar uma pessoa mais propensa ao desenvolvimento do complexo de inferioridade, aspectos ambientais costumam ser determinantes. “Estamos falando, sobretudo, da criação desse paciente, que pode ter crescido em um ambiente muito rígido, em que era excessivamente cobrada ou comparada com os outros, seja pelos pais, professores ou outros adultos tidos como modelos”, comenta. 

O problema também pode ter origem em alguma dificuldade da criança em termos de desenvolvimento, gerando nela a sensação de não ser capaz como seus pares. Condições clínicas que afetam as habilidades motoras são outro fator a ser levado em consideração, podendo comprometer a percepção da pessoa em relação a si mesma. “Essa crença limitante também pode estar vinculada a episódios de bullying, seja ele no ambiente escolar ou em casa. Nesse caso, características pessoais consideradas diferentes e que geram espanto de outras pessoas tendem a ser um fator importante”, sinaliza a psicóloga.  

Tratamento. “Nesse caso, não há outro caminho: o problema só será solucionado mediante o autoconhecimento, que pode ser desenvolvido por meio da psicoterapia”, informa Bruno Brandão, detalhando que medicamentos não são recomendados nesses casos – “a menos que existam comorbidades a serem tratadas”.  

“Nessa jornada, o terapeuta vai identificar o problema junto com o paciente, buscando compreender o que está por trás daquele pensamento inferiorizante. A partir daí, vamos tentar compreender melhor essa crença para, então, desconstruí-la ou ressignificá-la”, situa, ponderando ser fundamental que o paciente se engaje no tratamento para que os resultados sejam efetivamente alcançados. “No fim, é fundamental que a pessoa compreenda que está tudo bem não ser o melhor em tudo, que isso não fará que ela não seja amada e que, afinal, ninguém é perfeito”, conclui o psiquiatra.