Recentemente, o humorista e youtuber Gustavo Tubarão, de 24 anos, compartilhou um vídeo no qual revelou ser viciado em pornografia. Na gravação publicada no Instagram, onde acumula mais de 11 milhões de seguidores, ele contou que teve uma recaída após ficar mais de um ano longe desse tipo de conteúdo.
“A pornografia não acaba somente com a nossa saúde mental, mas também com o nosso espiritual. Quando terminamos de assistir à pornografia, dá uma sensação horrorosa, parece que abrimos uma porta e um buraco negro de coisas negativas”, descreveu no vídeo de pouco mais de dois minutos.
O relato do influenciador evidencia uma questão que tem atingido cada vez mais pessoas ao redor do mundo. Pesquisa espanhola de 2019 publicada no livro “Novel Research in Sexuality and Mental Health” destacou que a “pornografia on-line está aumentando, com potencial para dependência, considerando a influência ‘triplo A’ (acessibilidade, preço acessível e anonimato)’”.
Por aqui, 22 milhões de pessoas assumiram consumir conteúdo erótico, segundo estudo de 2018 encomendado pelo canal “Sexy Hot”.
No vídeo, o humorista cita ainda que o vício em pornografia é semelhante ao da dependência cocaína, com o agravante de o primeiro ser acessível e gratuito. O psiquiatra Bruno Brandão confirma a analogia, explicando os efeitos no cérebro provocados por esse tipo de consumo.
“Tanto a pornografia quanto a cocaína ativam o mesmo sistema no nosso cérebro, o da recompensa, que está associado ao prazer e à motivação. Esses circuitos cerebrais, por sua vez, estão ligados à tomada de decisões. À medida que o consumo pornográfico aumenta, enfraquece-se o lado mais racional do cérebro, o que leva à diminuição do controle de impulsos. Com a repetição, o consumo de pornografia pode se tornar exatamente igual a uma dependência química”, elabora.
A compulsão pelo conteúdo erótico não está listada na Classificação Internacional de Doenças (CID), mas, segundo Brandão, pode ser “entendida como um subtipo do transtorno de comportamento sexual compulsivo”.
Sendo assim, nem sempre é fácil diagnosticar quando o consumo está prejudicando a saúde, mas existem alguns indícios que a pornografia tornou-se maléfica.
“A pornografia é prejudicial quando há comprometimento do trabalho e das relações interpessoais, sejam elas conjugais ou não”, afirma Brandão.
“Quando você começa a passar mais tempo assistindo conteúdos pornográficos do que executando seus afazeres, por exemplo, pode ser um indicativo de que esteja excedendo”, acrescenta a sexóloga e acupunturista especialista em disfunção sexual, Allys Armanelli Terayama.
Existem também os sintomas físicos, tais quais a disfunção erétil, a ejaculação precoce, a diminuição do interesse sexual no outro e o comprometimento da prática sexual.
Allys comenta, por exemplo, que já atendeu pacientes que só chegavam ao orgasmo dizendo o nome de uma atriz pornô, por acreditarem que realmente estavam tendo relações sexuais com ela.
“O indivíduo cria uma barreira fictícia entre a fantasia e a realidade, em que estar com sua parceria não o estimula o suficiente para ter e manter uma ereção durante todo o ato sexual”, analisa.
O vício em pornografia é diferente para mulheres?
Culturalmente, o consumo de pornografia está associado ao universo masculino. Assim como Gustavo Tubarão, outros famosos já falaram abertamente sobre o tema, como os atores Terry Crews, Chris Rock e Carmo Dalla Vecchia. No entanto, a patologia não atinge somente a eles.
A cantora Britney Spears e a atriz e modelo Cara Delevingne, por exemplo, já declararam ser viciadas nesse tipo de conteúdo. “A pornografia dá aos jovens uma visão distorcida de como o sexo e a intimidade deveriam ser”, declarou Cara no documentário “Planet Sex”, da BBC.
Biologicamente, não há diferenças do vício em pornografia entre homens e mulheres. Mas o psiquiatra Bruno Brandão acredita que, no caso delas, por trás da compulsão por conteúdos eróticos, podem estar questões emocionais.
“De modo geral, para as mulheres, a pornografia está mais associada à validação, enquanto que, para os homens, tem mais a ver com um estímulo visual rápido e intenso. Mas isso não significa, de forma alguma, que mulheres também não possam desenvolver compulsões semelhantes a dos homens”, indica.
Na avaliação dele, o tratamento para as mulheres viciadas em pornografia pode ser mais desafiador, porque socialmente é mais aceito que um homem tenha compulsão por conteúdo que revele sexo explícito.
“Existe um estigma sobre as mulheres que ditam que elas não podem sentir mais prazer. Então, quando estão nessa situação [do vício na pornografia], tendem a sentirem mais vergonha e a se silenciarem. Quando um homem confessa que é viciado em pornografia, há uma tendência de que ele seja mais aceito que uma mulher, inclusive dentro de um relacionamento”, reforça.
Conheça os tratamentos
O vício em pornografia tem tratamento, e o psiquiatra Bruno Brandão comenta que o cuidado passa pela psicoterapia e pelo uso de medicamentos.
“A terapia mais indicada é a cognitivo-comportamental, porque busca entender a relação entre os pensamentos e comportamentos. Ela também ajuda a entender quais são os gatilhos que levam alguém a consumir esse tipo de conteúdo. Em alguns casos, também posso lançar mão dos medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos, que podem diminuir a libido, e, eventualmente, de anticonvulsivantes, que atuam no sistema de recompensa do cérebro”, elenca o médico.
Outras abordagens terapêuticas também podem ser aplicadas, como grupos de apoio, terapia de casal e acupuntura.“Além de sexóloga, sou terapeuta acupunturista e especialista em disfunção sexual. Por meio da acupuntura, consigo tratar uma pessoa viciada em pornografia, pois a prática pode diminuir os estímulos sexuais, controlar a ansiedade, inibir a compulsão sexual e aliviar os sintomas de abstinência", diz.
"Dessa forma, outras substâncias são liberadas, como a endorfina, que pode ajudar neste controle, já que ela age diretamente na diminuição da vontade”, salienta a sexóloga Allys Armanelli Terayama.
Os dois especialistas salientam, no entanto, que é fundamental que a sociedade encontre formas de lidar com o estigma associado ao vício em pornografia. “Conscientização e educação são fundamentais, para que o preconceito e os julgamentos sejam reduzidos. Isso vale também para os profissionais da saúde, que, em muitos casos, não estão preparados para tratar de temas assim”, afirma Brandão.
“Falar sobre sexo ainda é um tabu muito grande. Ninguém se reconhece facilmente como uma pessoa viciada em pornografia. Somente quando alguém da mídia se expõe, como foi o caso do humorista Gustavo Tubarão, é que as pessoas se identificam e começam a se questionarem sobre a própria conduta”, finaliza Allys.