Bastou apenas um primeiro encontro com um possível pretendente para que a orçamentista Viviane Atílio, 47, desistisse de investir na relação. A frase “Você é muito inteligente, poderia parar de beber, isso não faz bem!” foi apenas uma das críticas disfarçadas de elogio que ela teve que ouvir do homem. A esse comportamento extremamente desagradável deu-se o nome de “negging” (do inglês, negar) – termo usado para frases que os homens dizem como se estivessem fazendo um elogio, mas que na verdade não são. É uma espécie de comentário que traz uma piadinha ou crítica embutida para deixar a mulher insegura.

Especialistas acreditam que esse comportamento pode ser o indício de uma futura relação abusiva. Foi isso que motivou a consultora empresarial Ana Aguillar, 43, a pular fora de um relacionamento. “Eu vivi uma relação de sete meses em que sofria diariamente. Por várias vezes, antes de a gente sair, ele me perguntava: ‘Como é que a gente vai disfarçar a sua beleza hoje? Como é que a gente vai fazer para você ficar menos chamativa hoje?’ Para mim, negging é uma estratégia de um homem inseguro. É um machismo disfarçado de flerte”, diz.

O pior é que, para alguns coaches, essa é uma técnica de sedução vendida em workshops para ensinar homens a se comportarem. Na internet, os cursos ensinam que esse método consiste em “dar um elogio que sai pela culatra, mas sem a intenção de ofender”. “O ‘neg’ quebra um pouco a tendência ‘natural’ dos caras legais de serem supergentis com as mulheres e, por consequência, diminui um pouquinho a autoestima dela, fazendo com que seja mais gentil nos momentos iniciais da interação”, explica a introdução do curso do Alexander Voger – psicoterapeuta, consultor e palestrante. Ele diz ser conhecido como o “Hitch brasileiro” por ser capaz de criar um passo a passo sob medida para que qualquer pessoa seja capaz de desenvolver “poder de sedução” para conquistar quem deseja.

“Gostei dessa sua blusa, parece que te deixa mais magra” e “Eu estou realmente começando a gostar de você, mas é uma pena que você não seja o meu tipo” são apenas algumas frases usada pela técnica de “negging”, segundo Voger.

“Para alguns (homens), na sociedade machista em que vivemos, é difícil aceitar que uma mulher possa ser linda, inteligente e bem-sucedida”, diz Viviane, que acredita ser mais comum os homens usarem a técnica. No entanto, esse comportamento também é visto em outros tipos de relações. Por exemplo, quando alguém no trabalho diz: “O relatório ficou ótimo. Quem te ajudou?”. Ou nas relações de amizades tóxicas: “Você é tão bonita, mas se alisasse o cabelo ficaria mais linda ainda”.

Segundo a psicóloga Sonia Eustáquia da Fonseca, independentemente do tipo de relação em que esses comentários aparecem, é preciso que as pessoas exercitem a empatia e a consideração com o outro, no sentido de se colocar no lugar dele, e parem de relativizar esses comportamentos. “Uma pessoa perspicaz e inteligente vai perceber que não se trata de elogio, mas uma pessoa que não tiver uma boa autoestima vai ser profundamente abalada”, explica.

 

Relatos

“Conheci um cara uma vez em um site de relacionamentos e, quando nos encontramos, ele me disse: ‘Sou empresário e, apesar de você ser uma mulher bonita e inteligente, não poderíamos ter algo pela sua simplicidade de ser apenas uma professora.”

Márcia Ribeiro
Funcionária pública

 

“Há 35 anos eu escuto minha mãe falar que gordo não é gente, gordo e incapaz. Quando eu fiquei grávida, ela falava: ‘Não sei como vai nascer uma criança nesse tanto de banha que você tem’. Minha mãe é uma pessoa extremamente tóxica.”

Poliana Lacerda
Professora

 

Minientrevista

Viviane Atílio
Orçamentista, 47 anos

Qual situação marcou mais você?

Já saí com um cara, e marcamos o segundo encontro em uma padaria. No caminho, surgiu o assunto sobre atividade física e alimentação. Comentei que, como não faço atividade física, durante a semana tento dar uma controlada na alimentação. Chegando à padaria, ele pediu só um suco, e eu pedi um suco e uma coxinha. Ele arregalou os olhos e disse: “É assim que você controla a alimentação?”.

Como você reagiu?

Depois de alguns momentos de paralisação mental, pensei: “Sério que eu estou ouvindo isso?”. Claro que não comi a coxinha porque era como se eu tivesse uma bola entalada na garganta, e não via a hora de sair.

Como você se sentiu?

Me senti totalmente perdida porque, até aquele momento, eu era a mulher perfeita para ele. Depois disso, começaram a surgir outros “elogios” que foram me sufocando e me fazendo me sentir péssima. Claro que não falei mais com ele, mas tive muita vontade de mandar uma mensagem e dizer o quanto ele foi ‘escroto’.