Transtorno

Comum na infância, o TDAH também pode afetar adultos

Pacientes contam como descobriram o problema e como outros fatores dificultam o diagnóstico


Publicado em 13 de agosto de 2019 | 06:00
 
 
 
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Fala-se muito em crianças e no comportamento delas em sala de aula quando o assunto é o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), mas ele não é exclusivo à infância. A Federação Mundial de TDAH considera que aproximadamente 5% das crianças e adolescentes de todo o mundo apresentam a condição, e aproximadamente metade deles – entre 2,5% e 3% da população – permanecem com o problema na idade adulta. Para alguns, o diagnóstico chega só depois da maioridade.

É o caso do psiquiatra João Henrique Dupin, 38, que hoje tem se especializado no atendimento a pessoas com o transtorno, após ele mesmo ser diagnosticado. Dupin estava na graduação quando a mãe reconheceu nele os sintomas listados pelo livro “Mentes Inquietas”, de Ana Beatriz Barbosa. Mesmo depois do diagnóstico clínico, ele demorou alguns anos para iniciar a medicação. “Estava na faculdade de medicina e passava com relativa tranquilidade na maior parte das matérias. Então, tomar remédio para quê?”, lembra.

Depois de graduado e com uma pilha de relatórios pendentes para escrever sem conseguir se concentrar de forma alguma, o psiquiatra resolveu testar o tratamento com remédios. Hoje, cinco anos depois, continua a utilizá-los. Ele conta a história em tom divertido, mas alerta que a falta de diagnóstico e de tratamento de TDAH em adultos pode levar a consequências mais graves que a procrastinação.

Estudos relacionam os sintomas a comportamento sexual mais arriscado, maior chance de envolvimento em acidentes de carro e tendência ao abuso de álcool e outras drogas. A assessora de imprensa e estudante de psicologia Carol Novaes, 39, tem o transtorno (aliado à bipolaridade) e, há alguns anos, abusava da bebida por causa de sua impulsividade. “O transtorno atrapalhava minha vida em tudo. Eu não tinha foco, comecei três faculdades, mas ficava de saco cheio”, conta.

Carol descobriu a condição aos 28 anos, depois que a mãe insistiu para que ela se consultasse com um médico. Atualmente, trata-se com medicação e terapia. “Hoje, sou 99% do que eu queria ser, só falta me formar em psicologia”, comemora.

Sintomas mascarados
Em alguns casos, o TDAH não é percebido na infância devido aos chamados “fatores de resiliência” – características como alto QI, apoio da família e bom acompanhamento escolar, que suavizam as consequências –, explica a psicóloga e presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção, Iane Kestelman.

Há pesquisas que sugerem o surgimento do TDAH já na idade adulta, mas, em geral, fala-se em uma continuidade do distúrbio desde a infância. O coordenador de pesquisa em neurociências do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Paulo Mattos, diz que o desenvolvimento cerebral entre a infância e a idade adulta costuma atenuar o TDAH naturalmente. A intensidade do transtorno e a combinação com outras comorbidades (como alterações de conduta e transtorno opositivo-desafiador) podem fazê-lo perdurar. 

Ao longo da vida, o problema pode se confundir com depressão e ansiedade, explica Kestelman. Segundo a psicóloga, também é preciso diferenciar a desatenção pela quantidade de informações nos dias de hoje e do TDAH: “O segredo é o que a gente chama de ‘diagnóstico diferencial’, ou seja, distinguir o que é do que parece ser. No TDAH, é entender se a pessoa age no impulso porque não consegue controlar”, afirma. 

Profissionais divergem sobre medicação
A psicóloga Iane Kestelman acredita que as pessoas “funcionem” sem tratamento e medicação, mas aquém do seu potencial. “É como se eu dissesse: você poderia se tornar um gigante da literatura, mas, pelas dificuldades inerentes aos sintomas do TDAH, provavelmente vai ser só alguém que escreve bem”, diz. 

Entretanto, alguns médicos são contrários a receitar medicamentos contra TDAH na infância e, inclusive, colocam em dúvida a validade dos diagnósticos. A pediatra e professora aposentada de medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maria Aparecida Moysés faz parte do movimento Despatologiza, grupo que acredita que a medicina tem julgado como transtornos o que seriam diferenças naturais.

Ela recomenda que os pais prestem mais atenção no que os filhos dizem. “A gente precisa reaprender a escutar e olhar as crianças. Como profissionais e familiares, estamos aprendendo que tudo o que é diferente é transtorno”, afirma. Para Maria Aparecida, o diagnóstico de TDAH também dificulta a identificação de outros problemas. “Há pacientes com doenças psiquiátricas reais que não são diagnosticadas porque caem no ‘gavetão’ do TDAH”, diz. 

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