Há cerca de um mês, após tramitar na Câmara e no Senado, a nova lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens, uma das promessas de campanha de Lula e Alckmin, foi sancionada pelo presidente. O texto agora em vigor determina, na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas sem afastar o direito de quem sofreu a discriminação de mover ação de indenização por danos morais. Vale registrar que, na teoria, a diferença salarial entre homens e mulheres já era proibida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas a exigência era muitas vezes descumprida – prática que se quer coibir com a nova legislação.
Curiosamente, se o endurecimento da lei vem para tentar coibir a desigualdade de gênero no trabalho, há motivos anteriores à punição que justificam a importância de se promover uma cultura de paridade nas organizações empresariais e industriais. “É algo que favorece o bem-estar psicológico dos funcionários e contribui para um ambiente mais saudável e produtivo”, explica a psicóloga Janaina Fidelis, que atua como palestrante e mentora de líderes e carreiras.
“Quando todos os colaboradores recebem remuneração justa e equitativa, independentemente de seu gênero, cria-se um senso de valorização e respeito mútuo. Isso fortalece a autoestima dos funcionários e aumenta a satisfação no trabalho, promovendo uma cultura organizacional mais positiva e inclusiva”, avalia, complementando que, além disso, a igualdade salarial ajuda a eliminar tensões e desigualdades percebidas no ambiente de trabalho, o que resulta em maior cooperação entre os colegas e aumento do engajamento. “Um ambiente de trabalho verdadeiramente igualitário não apenas beneficia a saúde mental dos funcionários, mas também contribui para uma empresa mais produtiva, inovadora e harmoniosa”, cita.
As desigualdades, obviamente, levam ao oposto desse cenário ideal. “Quando as mulheres percebem que estão sendo pagas menos do que seus colegas homens, isso pode gerar sentimentos de injustiça, desvalorização e desmotivação. Essa sensação de desigualdade pode levar a uma redução no comprometimento com o trabalho e diminuir o desejo de se esforçar além do mínimo necessário”, aponta Janaina.
“Essa falta de motivação e engajamento pode ter efeitos diretos na produtividade da equipe. Funcionários desmotivados tendem a ser menos produtivos, cometem mais erros e têm menor disposição para colaborar com os colegas”, adverte, dizendo ainda que a desigualdade salarial gera um ambiente de trabalho tóxico, provocando ressentimentos e conflitos internos. “E, além da questão salarial, situações de discriminação no ambiente de trabalho podem impactar emocionalmente os profissionais, causando estresse, ansiedade, baixa autoestima e desmotivação”, sinaliza a psicóloga, expondo que tudo isso resulta, entre outros aspectos, na fuga de talentos.
Mudança a fórceps
Se essa série de fatores elencados por Janaina Fidelis não serviu para convencer lideranças a se engajar na construção de uma cultura mais justa e igualitária no ambiente organizacional, a psicóloga defende que a nova legislação pode funcionar como o empurrãozinho que faltava para que essa mudança aconteça.
“Ao enfrentar a possibilidade de pagar indenizações por práticas discriminatórias, as empresas tendem a se tornar mais atentas e comprometidas em garantir a igualdade salarial entre gêneros. E essa preocupação pode estimular a adoção de políticas mais justas, a promoção da transparência salarial e a implementação de medidas para prevenir e corrigir qualquer disparidade. Consequentemente, isso pode contribuir para uma cultura empresarial mais inclusiva, com maior valorização da diversidade e do respeito aos direitos individuais dos colaboradores, o que, por sua vez, pode resultar em um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo”, especula.
Janaina ainda garante que a implementação efetiva da igualdade salarial pode se tornar uma vantagem competitiva para as empresas na atração e retenção de talentos, melhorando sua reputação e imagem no mercado, pois demonstra um compromisso genuíno com a diversidade e a equidade de gênero. Nesse sentido, ela ressalta o papel dos psicólogos organizacionais para auxiliar as empresas a identificar possíveis discriminações salariais de gênero e a promover medidas para garantir a igualdade de remuneração em suas organizações.
“Ao trabalhar em estreita colaboração com o departamento de recursos humanos e a alta administração, esses profissionais podem influenciar políticas de remuneração mais justas, garantindo que o pagamento esteja relacionado ao mérito e à contribuição para a empresa, independentemente do gênero. Também pode oferecer treinamentos sobre viés inconsciente para os líderes e colaboradores, sensibilizando-os para a importância da igualdade de gênero no ambiente de trabalho”, defende.
Também crucial nesse processo é o papel dos advogados das empresas. “Eles precisam alertar os seus clientes sobre as exigências da lei e as consequências pelo descumprimento, cabendo às empresas adequar-se”, defende o advogado trabalhista Bernardo Lage, que falou sobre a nova legislação com a reportagem e listou dicas. Veja:
1. O que fazer diante da suspeita de discriminação salarial?
- A Lei 14.611/2023 estabelece medidas objetivas para implementar a política de igualdade salarial, incluindo a criação de um protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e critérios de remuneração por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade.
- A pessoa que desconfia desse tipo de discriminação deve coletar todo tipo de prova possível que corrobore sua desconfiança e entregar para seu advogado para tomar a medida judicial cabível.
- Se essa discriminação ocorrer na fase de pré-contratação, deve-se guardar o anúncio ou chamada de emprego, para juntar no processo judicial.
2. Quais os principais aspectos da nova lei que devem ser observados pelos empregadores?
- Conforme a nova lei, quando for identificada uma disparidade salarial ou de critérios de remuneração, a empresa deverá elaborar e implementar um plano de ação visando reduzir as desigualdades encontradas. É essencial que esse plano de ação inclua metas e prazos definidos, além de assegurar a participação de representantes dos sindicatos e dos empregados nos locais de trabalho.
3. Quais devem ser os principais desafios para comprovar a discriminação salarial?
- É importante dizer que nem toda diferença salarial advém de preconceito e discriminação. A discriminação de fato existe e precisa ser combatida, mas nem sempre a diferença salarial é em decorrência de preconceito. Essas diferenças salariais também podem ser justificadas em razão de complexidade da função, grau de responsabilidade, experiência, tempo de serviço, qualificação, etc.
- Se estivermos diante de trabalho de igual valor, mesma perfeição técnica e no mesmo estabelecimento, mas com salários diferentes, exclusivamente em razão de sexo, raça, etnia ou idade, estaremos diante de uma situação de discriminação e que deve ser levada ao Judiciário, após coletadas todas as provas que sinalizam tratar de uma situação discriminatória.
4. E o que muda efetivamente com a nova legislação?
- A nova lei introduz modificações na CLT ao aumentar o valor máximo da penalidade aplicada ao empregador que descumprir a obrigação. A multa poderá atingir até dez vezes o valor do salário atual do empregado discriminado, e esse montante será dobrado em caso de reincidência.
- O texto estabelece também a obrigatoriedade de empresas com cem ou mais empregados publicarem relatórios de transparência salarial semestralmente. A falta da publicação acarreta aplicação de multa administrativa que pode corresponder a até 3% da folha de salários dos funcionários, limitada a cem salários mínimos.
- As vítimas têm ainda o direito à indenização por dano moral, cujo valor considera várias situações, como condições socioeconômicas das partes, nível social, escolaridade, o prejuízo real sofrido pela vítima, grau de intensidade, repercussão da ofensa, culpa e tudo mais que concorre para fixação do dano.