Uma mulher fascinante, libertária, mas cuja obra “A Rainha do Ignoto”, com o curioso subtítulo “Romance Psicológico”, ficou no esquecimento por muitas décadas.

A cearense Emília de Freitas foi uma das principais escritoras de sua época, ao lado de Francisca Clotilde e Úrsula Garcia. Fez parte da Sociedade das Cearenses Libertadoras, de caráter abolicionista, lutou contra a censura e as limitações impostas à vida das mulheres. Ela criou uma sociedade secreta de mulheres no ambiente patriarcal e conservador do Brasil no fim do século XIX. Com evidente ousadia e perspicácia, construiu personagens que transitaram entre mitos, espiritismo e parapsicologia.

“A Rainha do Ignoto” foi lançado em 1899 pela Typogra-phia Universal de Fortaleza, recebeu nova edição em 1980 e outra em 2000. Agora, a Editora 106 relança esse romance, que é o primeiro texto longo brasileiro, de literatura fantástica produzido por uma mulher no fim do século XIX.

A nova versão é comentada por Constância Lima Duarte, pesquisadora e professora de literatura brasileira da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. “Emília, assim como a grande maioria das autoras brasileiras daquele tempo, foi esquecida. A literatura brasileira de autoria feminina foi vítima do memoricídio, o assassinato da memória”, analisa a professora.

A obra da cearense é “uma trama novelesca absolutamente inusitada, reunindo lendas, mitos, histórias regionais, conhecimentos sobre hipnose, espiritismo e parapsicologia. É sinceramente fascinante a leitura desta (quase) ficção científica, em que as mulheres podiam apelar indistintamente para diferentes recursos, como a hipnose, o espiritismo, a inteligência e a esperteza, quando queriam alcançar seus propósitos de fazer o bem, restabelecer a justiça, salvar os condenados”, observa Constância.

Vocação para realizar boas ações

Emília de Freitas esteve à frente do seu tempo ao criar uma sociedade secreta apenas de mulheres.

“Ela cria um imaginário inusitado, como o ignoto, o desconhecido, o misterioso. A personagem é uma mulher misteriosa, que liderava um grupo feminino, as Paladinas do Nevoeiro”, comenta Constância Lima Duarte.

Elas eram as ajudantes da rainha, “mulheres que ela recolhia, fugindo da violência, de uma situação opressora, e que aderiam à sua sociedade secreta, que operava a favor do bem, para ajudar outras pessoas que estavam passando por situações difíceis”. “Admiro na autora essa vocação da mulher para realizar boas ações”, diz a professora.

No livro, Emília reúne inúmeros saberes, como a hipnose, a física e o espiritismo. “As personagens se comunicavam com outras realidades por meio das sessões espíritas. Ela foi pioneira na criação de uma sociedade utópica. Admiro essa possibilidade de ousar e sua capacidade de imaginar outra sociedade, outro mundo”, conclui Constância.

Secretas

Paladinas do Nevoeiro. Mulheres que fugiam de uma situação opressora e que se juntaram à sociedade secreta criada pela protagonista Emília de Freitas, que operava a favor do bem.

A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com