Janeiro Branco

Influenciadores prestam serviço ao se exporem e falarem sobre saúde mental

Depoimentos como o do youtuber Felipe Neto ajudam a jogar luz sobre temas como a depressão


Publicado em 26 de janeiro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Em um longo desabafo publicado no fim do ano passado, o influenciador Felipe Neto, 34, um dos maiores youtubers do país, revelou ter sido diagnosticado com depressão, doença que afeta mais de 320 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Eu caí. Eu caí legal mesmo. E estou lá… No fundo do poço”, reconheceu em uma publicação, que logo viralizou. No mesmo post, ele destacou a importância do acolhimento para o enfrentamento da doença. “A gente não vence sozinho. Tentar enfrentar a depressão sozinho é como entrar em campo sozinho e sem goleiro e tentar vencer o Flamengo. Você não vai vencer. Eu só estou aqui, de pé, porque, desde que afundei, meus amigos organizaram um rodízio para ficar sempre gente na minha casa”, informou, agradecendo também ao apoio recebido dos seguidores. “O que mais me mantém de pé? O amor que vocês estão me mandando. Surreal. Indescritível”, assinalou o influencer, ponderando que, por si, tanto bem-querer pouco útil seria para uma melhora de seu quadro clínico se a enfermidade não fosse encarada como tal. “A depressão é uma doença da mente, como a gastrite é uma doença do estômago. Amigos e família fazem você se sentir melhor, mas sem remédio você não vai curar essa gastrite. Enfim, o resumo é: busque ajuda. Não enfrente sozinho”, concluiu. 

Felipe Neto não é o único jovem influenciador a “cair no fundo do poço” e falar disso publicamente. O humorista Whindersson Nunes, 27, que também aparece no ranking de youtubers com maior número de seguidores no país, já trouxe o tema da saúde mental à tona em diversas ocasiões desde que passou a lidar com depressão. Na véspera do último réveillon, o mineiro Rafael Chalub, 25, conhecido nas redes como Esse Menino, que ficou conhecido pelo vídeo viral da “pifaizer”, comunicou que entraria em férias por tempo indeterminado para cuidar da própria saúde mental. “Sofro com uma imensa ansiedade. Tenho depressão diagnosticada já tem um tempo e também déficit de atenção. Em muitos casos, inclusive no meu, leva a várias questões de autocobrança e autoestima”, disse em um vídeo de cinco minutos publicado em seu Instagram. No desabafo, ele relata que o primeiro cachê recebido após se tornar conhecido, em junho de 2021, investiu em um psiquiatra. “Infelizmente, saúde mental ainda é um luxo”, lamentou o humorista. 

Fortes, diretos e didáticos, os depoimentos desses influenciadores expõem a universalidade do problema do sofrimento emocional. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 19 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade e de depressão, condições ainda carregadas de estigmas e que se agravaram na pandemia. Conforme estudo publicado recentemente na revista “The Lancet Regional Health – Americas”, mais de 4 em cada 10 brasileiros se perceberam mais ansiosos diante da maior emergência sanitária dos últimos cem anos. Números que, evidentemente, justificam a campanha Janeiro Branco, uma iniciativa que visa à prevenção e à conscientização em relação à saúde mental e que, neste 2022, entra em sua oitava edição, potencializada pelos eloquentes e espontâneos relatos de Neto e Chalub. 

“Por serem figuras públicas e terem grande visibilidade, ao falar desse assunto, esses influenciadores trazem informações sobre a saúde mental para mais perto dos milhões de pessoas que os seguem. E, ao falar de maneira informal e direta, ao compartilhar suas experiências, eles ajudam a diluir esse tabu social que cerca o adoecimento emocional”, avalia Paula Sampaio Parreiras, psicóloga do Grupo Oncoclínicas. No mesmo sentido, o psiquiatra Tasso Amós sustenta que os preconceitos só são superados quando se fala abertamente sobre eles. “Assim podemos nos identificar com o assunto, reconhecer sintomas em nós mesmos e em pessoas próximas e facilitar a busca pelo tratamento”, diz. 

Estigma 

“Historicamente, tendemos a responsabilizar uma pessoa que sofre, por exemplo, com um quadro depressivo. É como se ela estivesse triste por uma escolha ou como se estivesse pagando por um erro, por ter escolhido o caminho errado. Além de ser algo cruel – afinal estamos culpando alguém por algo que não está sob seu controle – esse tipo de comportamento é maléfico para o tratamento da doença, pois, se o sujeito acredita que a culpa é dele, que cabe a ele, sozinho, sair dessa, por que iria buscar ajuda?”, critica Paula Sampaio. 

A especialista também lembra que, ao levantar o debate público sobre o tema, pessoas como Felipe Neto e Whindersson Nunes fazem ruir o estereótipo que, no imaginário popular, associa a depressão a certa noção de fracasso. “Para o senso comum, é como se houvesse um perfil-padrão do que é alguém em sofrimento mental, o que não é verdade”, situa, observando a reação de muitos ao saberem que alguém rico e famoso tem esse diagnóstico. “É como se uma pessoa que, aos olhos da sociedade, é bem-sucedida não pudesse vir a sofrer com transtornos depressivos, porém esta é uma doença que aflige pessoas de qualquer condição social – embora, obviamente, a incidência da depressão seja maior em grupos sociais que estão em situação de vulnerabilidade”, avalia. 

Ela pondera ainda que as noções socialmente difundidas sobre o que é o sucesso podem não corresponder a uma ideia mais íntima do que é ser bem-sucedido. “Por exemplo, uma pessoa com muito dinheiro pode não se sentir realizada se, para ela, o mais importante é ter uma boa relação com a família e isso é algo que ela ainda não conseguiu estabelecer”, examina. 

“A depressão é uma doença democrática, não escolhe classe social. Os sintomas sofrem influências genéticas, quando herdamos a doença de nossos pais, e diversos fatores podem participar da construção de um transtorno psiquiátrico, como experiências traumáticas ao longo da vida, rotina estressante e abuso de substâncias psicoativas”, acrescenta Tasso Amós. Para ele, “o sucesso pode mascarar um importante sofrimento, inclusive ser uma de suas causas, já que a grande expectativa sobre os famosos é acompanhada por uma cobrança exagerada, invasão de privacidade, mudanças frequentes de ambientes que influenciam o sono, alimentação, privação de vivências relaxantes como o contato com amigos e familiares”, alerta. 

Masculinidade. Em sua coluna na plataforma Universa, do portal Uol, a jornalista Nina Lemos lembrou da importância de o tema do sofrimento emocional ser posto em pauta por meio de depoimentos de homens cisgêneros. Para ela, depoimentos como o de Felipe Neto jogam luz à necessidade da população masculina dedicar mais atenção à própria saúde mental.

“‘Depressão é frescura’, ‘Homem não tem essas coisas’. Essas frases parecem coisa de antigamente, mas aposto que todo mundo tem na família pelo menos um homem que pensa desse jeito. E aposto também que toda leitora já teve algum namorado que, apesar de nitidamente precisar, se recusava a fazer terapia. Esse é um clássico da masculinidade tóxica que faz com que os homens sofram em silêncio por anos, desenvolvam vícios e que pode até matar. Sim, os dados são tristes: 76% dos suicídios no Brasil são cometidos por homens”, anotou a autora na publicação.

 

Redes sociais 

Embora pondere que cada indivíduo vai lidar com a exposição e com opiniões negativas à sua maneira, Paula Sampaio reconhece que, para alguém em sofrimento emocional, lidar com ataques virtuais e com cobranças mais comuns no ambiente online pode ser excessivamente penoso – o que ajuda a entender a razão de Felipe Neto, Whindersson Nunes e Rafael Chalub terem optado por se afastar de suas redes durante os períodos em que se sentiam mais criticamente abatidos pela doença. 

“A internet despersonaliza as opiniões. É como se a gente pudesse opinar sobre tudo sem se comprometer, uma vez que o conflito não é palpável. Além disso, há a sensação de que, ao falar junto de uma massa, deixamos de ser responsáveis individualmente. Com isso, comentários agressivos tendem a ser mais comuns no espaço virtual”, avalia, sinalizando que o contato com esse manancial de críticas exige energia. “Ao receber tanto feedback, precisamos parar e examinar o que é útil para o nosso crescimento e o que não é. Fazer isso exige um esforço que pode ser poupado por quem está em sofrimento mental”, avalia. 

E até o contato direto com o excesso de admiração e de expectativas pode ser prejudicial, principalmente quando esse fenômeno é potencializado pela lógica da “alta performance”. “O que percebo é que os algoritmos não têm limite e exigem que o criador de conteúdo se desdobre para conseguir cada vez mais audiência. Se, no início, a pessoa produzia um vídeo por semana, de repente, nota que, para conseguir manter o seu público engajado, terá que produzir até mais de um por dia. Mas, se a cobrança é ilimitada, é preciso lembrar que nós, humanos, somos limitados”, adverte. 

Já Tasso Amós lembra que já há experiências suficientes para afirmar que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos e o intenso contato com as redes sociais são fontes de estresse e adoecimento mental, principalmente no público mais jovem. “Quanto mais tela, menos esportes, boa literatura, música e outras expressões artísticas que trazem bem-estar e exercitam nosso cérebro. Quanto mais redes sociais, menos amizades profundas; as experiências virtuais nos distanciam dos verdadeiros relacionamentos. Por esses motivos, é muito importante limitar nosso tempo de exposição ao smartphone e computador”, decreta. 

Tratamento. “Normalmente, o tratamento da depressão exige a combinação de psicoterapia e uso de medicamentos. Devemos buscar profissionais bem indicados e logo quando houver suspeita de adoecimento, já que o acompanhamento criterioso e precoce aumenta as chances de rápida e completa recuperação e minimiza os estragos da depressão”, assegura o psiquiatra.

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