Diálogo

Meditação e neurociência: a relação entre a prática, a psicanálise e o cérebro

Monjas, filósofo e médica oferecem seus olhares sobre a sabedoria do ‘sentar’


Publicado em 03 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
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O zen vai se sentar no divã, e a neurociência vai mostrar como o cérebro dos meditadores se comporta, durante o evento “O infinito é onde sou: O não nascido – diálogo entre meditação, psicanálise e neurociência”, que acontecerá em Belo Horizonte e vai reunir cinco especialistas.

“A prática da meditação e a psicanálise têm a realidade como substância e se ocupam da descompressão do excesso de sensorialidade da mente, dando lugar à sensibilidade intuitiva, ao gesto espontâneo, à autenticidade”, comenta a psicanalista Bernadette Biaggi, que também é monja da tradição Sotoshu de Zen-Budismo e fundadora do Istituto Biaggi – Psicoterapia/ Psicoanalisi/ Cultura e Arte Brasil-Itália.

Ela explica que “a mente fica abarrotada de teorias, concepções, pensamentos, desejos, encerrando as pessoas em um túmulo de condicionamentos, compulsões e desejos onipotentes. Ao invés de ser livre e solta, a mente impede os processos do viver, perdendo a vastidão do universo e de novos vértices de leitura da realidade”, afirma a idealizadora do evento. 

“Vou falar sobre a capacidade negativa e a sensorialidade da mente e como podemos nos libertar do filtro da sensorialidade, que achata a mente e leva à evasão da vida por meio dos prazeres imediatos, como a voracidade, a onipotência e os transtornos narcisistas que impedem a conquista de maior autopercepção interna e presença na vida”, comenta Bernadette.

Kathy Havens é psicanalista e monja missionária do budismo japonês, ordenada como Isshin. Sua fala durante o evento será intitulada “O círculo do zen no divã”. 

Para traçar o elo entre psicanálise e meditação, ela recorre ao círculo zen, também conhecido como “ensô”, figura cheia de simbolismos.

“Um círculo fechado pode conter tudo ou o vazio. A arte de traçar esse círculo prima pela espontaneidade e pela naturalidade. Por isso, antes de colocar o pincel no papel, a pessoa deve concentrar-se ou fazer uma meditação, que pode ser de dois minutos ou o zazen (mais prolongada), acalmando a mente e o coração. Quando a pessoa sente o impulso, cria o círculo com um único traçado”, explica a monja.

Ao contrário, sem a devida preparação, a pessoa interrompe o traçado no meio do caminho, e ele fica borrado. “O círculo deve ser pintado com um movimento constante e firme. No entanto, seu valor não está na perfeição da forma. O que interessa é o traço em si. Transferindo o círculo para o divã, entendemos a necessidade de o psicanalista deixar os preconceitos fora da sala, ouvir o paciente e responder aos seus questionamentos de acordo com sua intuição”, diz a monja.

Já o paciente, diz ela, “tem a possibilidade de ser espontâneo e estar aberto para o que vai surgir do seu inconsciente. Ali há imensos conteúdos que estão contidos. A intuição é um componente muito importante no processo terapêutico, e a meditação a fortifica”, diz Isshin.

Agenda

O evento “O infinito é onde sou: O não nascido – diálogo entre meditação, psicanálise e neurociência” acontecerá no próximo dia 7, das 8h às 14h30, no Museu das Minas e do Metal, na praça da Liberdade. Inscrições no site. Informações: (31) 3262-0232 e (31) 99983-4578.

Explorar o conceito de não nascidos

O símbolo do zen-budismo é chamado “ensô”, que em japonês significa “círculo” ou “forma circular”. “No interior do círculo há somente o nada, servindo como analogia ao pensamento budista, que considera a realidade transitória, tendo apenas o nada como base”, comenta o mestre em filosofia Diogo César Porto da Silva.

A partir daí, ele desenvolverá sua fala na palestra “As possibilidades do nada para o não nascido. “Irei mostrar quais possibilidades haveria para a filosofia ocidental, que busca fundamentos últimos e sólidos para a realidade, em considerar o nada, tal qual ele surge na filosofia japonesa”.

Os conceitos e pensamentos que surgem desse conceito, o filósofo chama de “não nascidos”. “O nada é pensado como negativo, e o negativo aquilo que anula. Contudo, o nada negativo pode também anular fundamentos últimos, dando espaço para outras determinações que não sejam últimas, porém tão autênticas quanto elas. Essas outras determinações e fundamentos que surgem da negação são os conceitos não nascidos, diz Silva.

Estudos sobre a função cerebral

“A partir de estudos sobre a espessura do córtex cerebral de praticantes e não praticantes de meditação, há evidências de que a prática meditativa pode modificar não apenas a função cerebral, mas também a sua estrutura”, comenta a neurocientista e pós-doutora em psicobiologia Elisa Kozasa, que abordará o tema “Cérebro, meditação e equilíbrio emocional”.

Como neurocientista, Elisa tem interesse em compreender quais os efeitos da meditação no cérebro. “Essa prática milenar tem origem em diferentes tradições, mas, atualmente, ela vem sendo trazida para o contexto da saúde para promoção e coadjuvante no tratamento de doenças, inclusive transtornos mentais”, comenta a médica.

Ela diz que “crianças em escolas estão praticando meditação, bem como colaboradores de grandes corporações. Por isso, é fundamental compreender quais os benefícios trazidos por essa prática e se há quem que não poderia realizá-la. Há evidências, por exemplo, de que pessoas com transtornos mentais graves, como psicoses, podem não se beneficiar da meditação. É fundamental o acompanhamento do profissional de saúde mental”, explica a Elisa.

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