Enviar cartas tornou-se coisa do passado diante da internet e das inúmeras maneiras de se comunicar atualmente. Mas há escolas em Belo Horizonte que estão resgatando esse hábito com os alunos, que deixam um pouco o celular de lado para colocar as palavras no papel. Na troca de correspondências, as crianças compartilham experiências, aprendem sobre novas culturas e fortalecem o aprendizado da língua escrita, uma demanda urgente da era digital.
Na Escola Americana em BH, alunos trocam cartas em inglês com estudantes da St. Albans RC Primary School, que fica em Blackburn, pequena cidade do noroeste da Inglaterra.
“Eles perguntaram o que tinha aqui no Brasil, o que a gente fazia na escola e em casa. Eu escrevi sobre as músicas, as comidas e as festas que eu mais gosto”, conta Isadora Almeida, 6, uma das participantes do projeto.
De acordo com a professora Cíntia Lamon, que supervisiona as atividades, o primeiro contato foi feito do outro lado do Atlântico. “Tudo começou quando a professora Ashley Taylor me mandou um e-mail para saber mais sobre o cotidiano escolar das crianças brasileiras. A intenção era que eles aprendessem sobre novos hábitos culturais, além de melhorar pontuação e parágrafo”, lembra Cíntia.
Para Débora Rossi, mãe de Isadora, o incentivo existe dentro de casa também. “Uma vez por semana, nos sentamos para ler um livro de história infantil e, depois, ela precisa escrever o que entendeu. Saber escrever é básico para qualquer tipo de comunicação”, afirma Débora, que tem outro filho de seis anos.
E não somente de palavras as correspondências foram feitas. Os estudantes enviaram fotos de pontos turísticos da capital mineira, falando sobre cada um deles em inglês. “Teve a parte de curiosidades também, incluindo até uma receita de brigadeiro. Um estudante britânico pediu, e um dos meus alunos pesquisou e enviou”, narra a professora Cíntia. Segundo ela, até o momento, dez cartas foram enviadas para a “terra da rainha”. “A expectativa é que eles respondam até o mês que vem. Queremos manter esse contato mensalmente”, afirma a professora.
Unindo gerações. No Instituto da Criança, também em Belo Horizonte, as correspondências são trocadas entre estudantes e professores. No 4º ano, a professora Karine Andrade enviou pelos Correios uma cartinha para cada um de seus alunos, neste primeiro semestre, perguntando sobre hábitos e o que eles mais gostam de fazer, na escola e nas horas de folga.
“Falei do que eu mais gostava de fazer na escola, da matéria que eu mais gosto, que é matemática, e da que eu tenho dificuldade, historia”, disse João Victor Soares, 8.
Para Karine, os alunos são estimulados a pensar no destinatário, no que desejam compartilhar. Além disso, afirma, trocar correspondências ensina as crianças a ter paciência para aguardar a chegada da resposta. “As correspondências são palpáveis, diferentes de uma mensagem eletrônica. Além de ler e reler, você costuma guardar num lugar especial. E passa a ter um carinho pela carta, que te aproxima de quem a escreve ou a recebe”, diz a professora. “Tem sido um projeto maravilhoso. Agora que estamos na fase das respostas dos alunos, tenho recebido conteúdos muito bem elaborados”, conclui.
Para a mãe de João Victor, Ana Paula Gama, as crianças de hoje fazem parte de uma geração muito imediatista, que não sabe esperar. “Acho que isso tudo é importante para elas verem que precisamos esperar as coisas na vida, que nem tudo vem de repente”, diz. Ana Paula conta que a troca de cartas fez com que o filho visse como as coisas eram na vida da mãe. “Falei de como me correspondia com amigas que moravam longe e, depois de crescer, com os namorados”.
Escrever à mão tem inúmeros benefícios
Deixar caneta, lápis e papel à mão é sinônimo de benefício para o desenvolvimento infantil, afirma o professor de português Fábio Ramalho. “Isso sempre foi parte essencial da cultura e da formação da humanidade. Ter uma boa relação com a escrita manual ainda é necessário. Por isso, dominar essas habilidades ainda deve ser um padrão de ensino fundamental básico”, diz.
Ramalho explica que as cartas valorizam a linguagem. “É por isso que, quando as pessoas mandam correspondências ou convites impressos para familiares e amigos, elas tomam o cuidado de escreverem tudo com a maior clareza possível, para mostrar como aquela pessoa é importante”, aponta.
Ele afirma ainda que as palavras podem transmitir melhor os sentimentos de quem as escreve. “Um pouco da nossa personalidade emocional fica registrada nas linhas quando se escreve”, expõe o professor.