Comportamento

O que não dizer para pessoas grávidas

Em geral, palpites sobre a gestação são intrusivos e, em vez de ajudar, geram estresse e apreensão


Publicado em 26 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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“Nossa, sua barriga está grande demais!”, “esse bebê vai ser muito grande, muito gordo” e  “você tem que tomar cuidado para não engordar ele demais”. Essas foram frases rotineiramente ouvidas pela farmacêutica Andréa Bastos, 33, durante a complicada gestação de Maria Júlia, hoje com 1 ano e 4 meses. “Foi uma gravidez de risco, eu ficava muito inchada, e isso assustava as pessoas, que não se continham”, conta, citando que foram meses ouvindo conselhos não solicitados e muitas vezes impertinentes, críticas indelicadas e até histórias de tragédias familiares, de perdas gestacionais e de casais que se separaram depois do nascimento de um filho. Nesse tempo, não apenas familiares se sentiam à vontade para despejar cobranças, dizendo como o período gestacional deveria ser conduzido, como também desconhecidos pareciam se sentir convidados a fazer intromissões. “Na rua, acontecia de mulheres perguntarem se eu não estava com medo, dizendo que meu quadril não era tão largo e poderia ter problemas com o parto normal”, lembra.

E, sim, pode até ser pelo ímpeto de querer bem, mas, ainda assim, o fato é que dificilmente uma pessoa gestante chegará ao parto sem ter ouvido – ou se acostumado a ouvir – frases que não apenas soam desnecessárias, como também podem causar sofrimento, irradiando sentimentos como culpa, ansiedade, irritabilidade e angústia. É o que observa a psicóloga Andrea Cristina do Nascimento, especializada em atendimento a gestantes e puérperas. “Nós, seres humanos, temos o mau hábito de comentar o corpo do outro –  e isso não é só com a grávida. Mas, no caso delas, nem todas estão se adaptando bem às mudanças físicas e emocionais desse ciclo, então esses comentários podem ser um fator para aumentar ainda mais o estresse”, avalia.

Para a mãe de Maria Júlia, a sensação é de que a pretensa preocupação alheia, manifestada de forma muitas vezes destrambelhada, apenas ampliava o desconforto que ela já vinha sentindo. “Não sei quantas vezes eu cheguei em casa chorando, me achando horrível. Foi muito pesado para mim (ter que ouvir tudo aquilo). Até porque o tamanho da barriga, se muito pequena ou muito grande, não é a gente que escolhe. Às vezes, a gente engorda, mas não é algo proposital”, observa.

Para a surpresa de Andréa, os enraizados comentários sobre a gestação e sobre o tamanho dos corpos, que revelam também um olhar gordofóbico sobre aqueles que fogem dos padrões socialmente idealizados, vinham dos lugares mais inesperados. “O pior momento, o que mais me chateou, foi quando fiz uma consulta com uma médica, porque estava passando mal e com muita tosse. Mas ela não deu importância para os sintomas (relatados) e só falou do meu peso. Ela dizia que, se eu engordasse, teria estrias. E eu tentava voltar ao assunto que tinha me levado a fazer a consulta. Então, ela minimizava e insistia que eu não poderia engordar mais”, rememora.

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Se tivesse seguido o conselho da profissional da saúde e negligenciado o mal-estar que vinha sentindo, Andréa não teria descoberto, dias depois, uma embolia pulmonar, complicação que está entre as principais causas de morte materna durante a gravidez em todo o mundo.

Histórias de partos complicados deixam mães apreensivas

Além do aumento da sensação de culpa e da baixa na autoestima, um dos efeitos mais perceptíveis e comuns de todo esse falatório dirigido às pessoas gestantes é o medo do parto. “Quando se faz um pré-natal obstétrico com médico que orienta bem, geralmente essa apreensão diminui. Contudo, essa ainda é uma das queixas mais corriqueiras, principalmente quando a mulher chega aos sete meses de gestação. Isso porque o mito de que o parto vai ser sempre muito doloroso é repetido há séculos, sendo algo que até mesmo vai minar o empoderamento da mulher, desestimulando que tenha autonomia nesse momento”, sinaliza, à luz de sua experiência clínica, a psicóloga Andréa Cristina do Nascimento.

A profissional aponta para algumas queixas que são comuns no universo gravídico-puerperal: “Muitas relatam que pessoas já chegam tocando na barriga delas, sem saber se elas se sentem confortáveis. Há também muitos questionamentos sobre a escolha do nome do filho e até pressão para que façam homenagem ao avô ou ao pai. Não é raro que a família ou os amigos do trabalho tenham uma opinião muito impositiva sobre o tipo de parto a ser feito. Outra questão é dizer que essa mulher não vai dar conta ou questionar como ela vai fazer depois do nascimento, subestimando-a. Por fim, de modo geral, podemos dizer que todo tipo de comparação pode gerar incômodo”.

No sétimo mês de sua primeira gestação, a contadora Emmanuele Leite, 31, tem convivido com situações como as descritas por Andrea. Ela lembra, por exemplo, já ter escutado frases como: “Aproveita para dormir agora, porque depois não vai ter nenhuma noite inteira”, “você está comendo muito pouco, precisa comer pra dois” e “desajeitada como é, quero ver como vai cuidar do bebê”.

O que mais incomoda – e irrita – Emmanuele são os pitacos sobre escolhas pessoais, como o nome do bebê ou a decoração do quarto. “Quem precisa gostar são os pais, e o que é importante hoje (para eles) pode não ter sido no passado. Os tempos mudam”, critica. Também são motivo de estresse comentários que subestimam a capacidade dela de cuidar do próprio filho.

“No começo, eu escutava e guardava a raiva pra mim. Depois, aprendi a ser franca e dizer que a decisão final será minha e que a opinião é válida desde que não vá contra as coisas que tenho embasamento, seja por meio dos profissionais que me acompanham ou por meio de estudo próprio”, afirma Emmanuele.

Nessa fase, autoentendimento costuma ser difícil por si só

A psicóloga familiar Daniela Bittar examina que o atravessamento do período gravídico é, por si, um momento conflitivo para muitas mulheres. “A gestação é o lugar da ambivalência. Então, ao mesmo tempo que é muito bom, temos que lidar com o mal-estar; ao mesmo tempo que estou feliz, não me reconheço e não sei mais que corpo é esse; ao mesmo tempo que estou realizada, sinto meu humor oscilante por conta das alterações hormonais”, diz. Contrariando uma expectativa socioculturalmente construída, portanto, a gravidez não será apenas um momento de plenitude. “Tem os gases, a náusea, o sono, a dor de cabeça, o corpo inchado e a barriga pesada que podem criar momentos de desconforto”, cita, lembrando que é cobrado das gestantes que pareçam bem o tempo todo.

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Lembrando de um provérbio africano, que diz ser preciso uma comunidade inteira para criar uma criança, Daniela é enfática: “Ninguém tem que dar conta sozinha. Temos é que dar conta juntas, na coletividade, na empatia. Espera-se que uma mulher não julgue a outra em termos de alimentação, de parto e, depois, de amamentação e de como criar. O que as gestantes menos precisam é de alguém que aponte o que está fazendo de certo ou errado. E o que mais precisam é de alguém que entregue apoio, que ajude quando o auxílio for solicitado”. Para a psicóloga, todas as comuns frases dirigidas às mulheres grávidas poderiam ser substituídas por: “Se você precisar de ajuda, eu estou aqui”.

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