Testes realizados recentemente pelo governo da Islândia indicam que a semana de trabalho com quatro dias de expediente e três dias de descanso, sem que haja perdas salariais, tem se mostrado um recurso eficiente. Segundo análises de um experimento, que contou com participação de 1% da população economicamente ativa do país, a estratégia, além de conferir mais bem-estar aos trabalhadores, não comprometeu os índices de produtividade nem entre aqueles que cumpriam uma carga horária fixa, nem entre os que cumpriam uma jornada irregular.

A proposta de uma reconfiguração da rotina de trabalho vem sendo defendida não só pelo governo islandês. Nas diretrizes econômicas anuais divulgadas em junho, autoridades do Japão também incentivaram a adoção de um calendário laboral que, semanalmente, garantisse três dias de folga aos funcionários. 

A iniciativa é entendida como uma solução para um maior equilíbrio entre vida profissional e social e é uma aposta para aquecer a economia. Afinal, mais tempo livre tende a estimular o consumo e a realização de outras atividades diversas. A propósito, essa é a aposta da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Ela defendeu que o modelo pode ajudar o país a se recuperar economicamente dos efeitos da pandemia da Covid-19. 

No Brasil, contudo, o tema ainda parece um tabu e tem pouca aderência tanto entre trabalhadores como entre empregadores. Tanto que o assunto não aparece no debate público, que se centra em problemas mais emergenciais, como a alarmante taxa de desemprego, que se manteve em 14,7% no trimestre fechado em abril. No total, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) estima que, atualmente, 14,8 milhões de brasileiros estão buscando trabalho. A taxa e o número de desempregados são os maiores desde o início da série histórica, iniciada em 2012. 

Tendência 

Na avaliação de Carolina Jannotti, especialista em comportamento humano e produtividade, a proposta pode até causar estranhamento aos mais conservadores, mas a tendência é que, no longo prazo, essa discussão avance e ganhe terreno, inclusive no Brasil. “Para alguns, a ideia pode soar, inicialmente, estranha e inviável, mas espanto semelhante aconteceu em 1926, quando a montadora americana Ford decidiu estabelecer sábado e domingo como folga dos trabalhadores com a ideia de que o descanso nos dois dias do fim de semana os tornaria mais produtivos. A mudança teve efeitos positivos e hoje é praticada por grande parte das empresas no mundo todo”, analisa. 

“Ainda neste sentido, algumas formas de trabalho tendem a ficar obsoletas, e a pandemia trouxe um cenário laboral de mudanças. Houve uma necessidade de flexibilidade e a resistência por determinados formatos de trabalho (como a modalidade digital) foi quebrada, provando que formas novas são bem-vindas e refletem positivamente no contexto geral de muitas empresas”, acrescenta Carol, ponderando que “o formato da semana com quatro dias de trabalho não se aplica a todas as categorias profissionais e nem a todos os tipos de negócios”. “Empresas que operam em turnos, aqueles que não podem parar, podem ter seus custos aumentados pela necessidade da contratação de mais funcionários, e dificilmente conseguirão se adaptar a este modelo”, avalia. 

Teoria e prática

Carol Jannotti reforça que os benefícios de uma jornada mais enxuta estão vastamente demonstrados. “A ideia de trabalhar mais, ter resultados melhores, não parar, não se cansar e crescer sempre não existe e é insustentável. A produtividade tem mais a ver com o estado mental do que qualquer outra coisa. A exemplo disso, a Microsoft do Japão e grande outras empresas da Nova Zelândia, da Inglaterra e da Dinamarca descobriram que, ao diminuir horas na semana de trabalho, a produtividade teve um aumento expressivo, calculado em 40%”, atesta, complementando que a chave de tais resultados está no bem-estar dos colaboradores. “O maior tempo para se dedicar à família e às atividades pessoais os fez trabalhar com mais alegria e disposição”, diz. 

“Temos, na gestão do tempo, o que chamamos de lei de Pareto, ou Princípio 20/80. O nome vem de um economista italiano que observou a relação 20/80 em várias áreas e situações do cotidiano. Na produtividade, o que essa métrica significa é que apenas 20% das atividades são responsáveis por 80% dos resultados. Então, o ideal é que o trabalho seja concentrado nas poucas ações que vão, efetivamente, gerar resultados significativos”, examina.

A mentora de desenvolvimento e capacitação humana cita outro conceito que empresta credibilidade à proposta. “Pensando em eficiência, existe um princípio, conhecido como a lei de Parkinson, em referência a Cyril Northcote Parkinson, que diz que o trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização. Em outras palavras, se eu te der cinco dias para fazer uma atividade, você a fará, mas se eu te der dez dias para fazer a mesma atividade, você tende a gastar os dez dias para essa mesma atividade”, menciona. 

Portanto, o trabalhador que é inserido em uma escala menor tende a ficar mais focada e a ser mais eficiente, além de se abrir para soluções rápidas. “Por outro lado, quanto mais tempo disponível, mais detalhista nos tornamos, mais complexa a tarefa se torna, e o progresso geral diminui, tornando-nos mais suscetíveis a distrações e até propensos a procrastinar”, informa. “Desta forma, um dia a menos no trabalho ao final da semana – principalmente se o descanso for no meio da semana – incentiva os funcionários a usarem seu tempo com mais eficiência”, observa. 

Contra o absenteísmo. “Menos um dia de dedicação ao trabalho pode resultar em mais um dia de capacitação, estudo e lazer, o que tem relação direta com a autoconfiança, motivação e eficiência”, crava Carol Jannotti, lembrando que essa mudança laboral pode trazer mais qualidade de vida e gerar redução do estresse e da ansiedade entre os trabalhadores. “Efeito disso, teremos um aumento da imunidade e, inclusive, redução das faltas e afastamentos por consultas médicas ou por acometimento de doenças”, inteira. 

Compromisso. A coaching adverte que a mudança depende do compromisso, da autorresponsabilidade e da maturidade de toda a equipe. “Caso contrário, a medida pode resultar em inviabilidade financeiras das empresas e pode ser uma armadilha para os trabalhadores realmente dedicados, que serão colocados em uma situação de sobrecarga de trabalho para compensar a ausência dos outros”, situa.