Entrevista

Papo honesto sobre como viver depois do despertar

O trabalho de Steven Gray Adyashantié é instigar todos os buscadores da paz e da liberdade a levar a sério a possibilidade do despertar espiritual


Publicado em 22 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O que é o despertar espiritual?

Trata-se do despertar do sonho da separação criado pela mente egóica. Compreendemos que nosso senso de self, que foi formado e construído a partir de nossas ideias, crenças e imagens, na verdade, não é quem somos. Não nos define, não tem centro. O ego pode existir como uma série de pensamentos passageiros, crenças, ações e reações, mas, em si e de si, não tem identidade. O que chamamos de ego é simplesmente o mecanismo que nossa mente usa para resistir à vida como ela é. No despertar ocorre uma mudança na percepção de ver a si mesmo como um indivíduo isolado para ver a si mesmo, se ainda houver um senso de self após essa mudança, como algo muito mais universal – tudo e todos, e todos os lugares simultaneamente. O despertar espiritual é um recordar. Não se trata de nos tornarmos algo que não somos e nem de mudarmos a nós mesmos.

Quem desperta é o eu?

É o espírito ou a consciência universal que desperta para si mesmo. Em vez de o “eu” despertar, o que somos desperta do “eu”. O que somos desperta do buscador. O que somos desperta da busca. Não somos capazes de imaginar o que somos. Nossa natureza é aquilo que está observando, aquela consciência que está fingindo ser uma pessoa separada. No despertar, o que somos é aquilo que se manifesta como todas as coisas, como todas as experiências, como todas as personalidades. Somos aquilo que sonha todo o mundo em existência. O despertar espiritual revela que aquilo que é indizível e inexplicável é, na verdade, o que somos. Quando o despertar acontece, ainda estamos caminhando nesse mundo, mas sabemos que não estamos limitados a um corpo ou a uma personalidade específicos e que, na verdade, não somos separados do mundo à nossa volta.

O despertar envolve a dissolução do ego?

Podemos despertar, tenha o ego se dissolvido ou não. Egos muito fortes e destrutivos também podem despertar. Após um vislumbre da realidade, não há nada que você possa fazer para evitar que o ego se dissolva com o tempo. O ego não desperta; o “eu” não desperta. Não somos o ego, não somos o “eu”. Somos aquilo que está desperto para o ego e para o “eu”. Somos aquilo que está desperto para o mundo e somos também todo o mundo quando visto da perspectiva verdadeira. Na verdade, o estado de despertar despertou do “eu”. Não é a pessoa que se iluminou. É a iluminação que se iluminou.

O senhor desconstrói a ideia de que a iluminação é tornar-se perfeito

Sim, a iluminação não tem nada a ver com tornar-se perfeito, santo ou virtuoso. O que é verdadeiramente sagrado é perceber a partir da totalidade, que significa não estar dividido internamente. É o que nos divide internamente que precisa ser curado. O que é exigido após um vislumbre de despertar é honestidade radical, uma disposição de olhar para como nos “desiluminamos”, como nos levamos de volta à força gravitacional do estado de sonho, como nos permitimos ser divididos. A iluminação não é muito diferente do despertar, mas é o amadurecimento do despertar, um profundo retorno à nossa essência, à simplicidade do que somos, que é anterior e além de ser e não ser. É anterior e além de existir e não existir. É onde há um desaparecimento, onde nossa mente não mais se fixa em qualquer nível de experiência. Esse não é um estado místico, de imensidão ou particularidade.

O senhor acredita que existe alguma experiência que esteja disponível após a morte que não esteja disponível quando estamos encarnados?

Despertar é morrer. O despertar é isso. Absoluta, não existência. Nada, nada, nada. É tudo o que aterroriza a todos. E é simplesmente assim: a morte é a própria vida. Devemos morrer para viver de verdade. Devemos experienciar a não existência absoluta para verdadeiramente existir de uma maneira consciente.

A morte seria, então, um despertar forçado?

Sim. Quando o corpo físico se desprende, a estrutura da personalidade também vai se desprender. Não significa que você vai se desapegar dela; ela simplesmente será levada. Nesse momento, muita coisa torna-se disponível, pois muito do que agarramos não existe mais. Você não está mais sonhando o corpo na existência – ele simplesmente não está mais lá. Então, muito se torna possível? É claro. A mesma coisa é verdadeira para algumas pessoas que estão próximas da morte. Há uma experiência de total esplendor. É como se o corpo se tornasse totalmente transparente ao espírito, à presença interior. E a única razão de tornar-se transparente é porque a pessoa não está mais se agarrando ao corpo. Portanto, claramente, o verdadeiro momento físico da morte não precisa acontecer para que alguém solte, afinal.

Por que algumas pessoas ficam perdidas após vivenciarem o despertar?

Aquilo que nos orientava em nossa vida não existe mais. As crenças a que nos agarrávamos e que costumavam nos definir agora se revelam vazias e sem substância. Muito da nossa motivação egóica desapareceu, o que pode ser bastante desorientador para a mente. É apenas nesse ponto específico que as pessoas começam a perceber que quase tudo que previamente as motivou na vida era autocentrado. Após ver além do véu da separação, a identificação com nossa personalidade específica começa a se dissolver.

“O Despertar Autêntico: Como Lidar com o Fim do Seu Mundo”
Adyashanti
Editora Merope
224 páginas
R$ 39,90

 

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