Crença

Resgate do passado familiar mostra saída para problemas

Terapia chamada Constelação Familiar encontra solução para dores e sofrimentos por meio da encenação


Publicado em 24 de dezembro de 2017 | 03:00
 
 
 
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“Quem não reflete, repete”, diz um provérbio chinês famoso. Cansados de comportamentos que atrapalham a própria vida, muitas pessoas estão procurando uma terapia chamada ‘constelação familiar sistêmica’. O objetivo é encontrar a origem de seus problemas revivendo a história da família, e os arquivos guardados nas memórias de várias gerações.

A crença é a de que herdamos dos nossos antepassados muito mais que características físicas. A técnica virou uma verdadeira febre e, quando conduzida por um bom profissional, o resultado pode ser um arrepio – porém, saudável. E já são cerca de 4.000 consteladores formados no Brasil que atuam em diversas áreas além da psicologia, como em resolução de conflitos judiciais, de problemas empresariais e até em curas de doenças.

A propagação da prática gerou um novo significado para o verbo: “constelar”. É a arte de enxergar-se em um sistema, entendendo seu papel e o dos outros em situações problemáticas. Você leva uma questão que te aflige para ser analisada em uma espécie de encenação. Pessoas desconhecidas representam a pessoa, seus familiares e sentimentos.

É difícil explicar, principalmente porque é algo que se sente. A melhor forma de compreender seria participando como voluntário ou arriscando-se a ser constelado, se houver algo específico que se queira mudar ou melhorar.

A reportagem de O TEMPO assistiu a três constelações, participou de quatro como representantes e “constelou” ao final. Na primeira que vimos, a constelada foi Carol*, 37. Assim que começou a falar seu problema, ela já chorava. Dizia que não aguentava mais se sentir mãe da própria mãe, “carregar esse peso e mandar em todo mundo”. Posicionadas de frente a ela, as pessoas que representavam os familiares (mãe, pai, avós e ela) iam falando as sensações (raiva, cansaço, arrepios, leveza) que tinham ao se aproximarem uns dos outros, sem saber ainda quem eles estavam representando. “Eles não incorporam ninguém, mas tem uma energia, um calor de forças que a física quântica explica. Os representantes precisam estar bem centrados para que a gente faça essa leitura corporal. Não é teatro, não é mágica, chegamos a um diagnóstico preciso do problema, é uma terapia brevíssima (pode durar de 20 minutos a uma hora)”, explicou o advogado Hércules Randazzo, que faz constelações há 18 anos. Ele ressalta que tudo tem que fazer sentido para o cliente, por isso não pode ser forçado.

Efeito. Dava para ver no rosto de Carol, enxugando as lágrimas, o alívio e a gratidão pelas pessoas que fizeram sua constelação. Ela entendeu que estava repetindo um comportamento da avó e da mãe, que não era dela, e estava pronta para seguir seu caminho. Há uma orientação para não comentar sobre a constelação nos dias seguintes, para que os efeitos possam aparecer.

Para quem assiste, pode parecer que os voluntários estão fingindo um sentimento, mas, ao participar, se você estiver concentrada, é provável que sinta uma energia diferente. Quando fui chamada para representar, sem saber qual era meu papel, tampouco a questão constelada (nesses casos tudo é oculto), senti tontura quando outra pessoa se aproximou, tive vontade de me afastar, quis falar coisas que nunca imaginei, assim como a fotógrafa da equipe, que também experimentou sensações impensadas. Na minha vez de “constelar”, só posso dizer que as reações das pessoas que escolhi para representar minha questão se encaixaram perfeitamente.

As pessoas constelam por vários motivos: dificuldades de relacionamento, financeiras, profissionais e por questões de saúde. A empresária Daniela Queiroga Léo, 46, tomava morfina para dores fortes na coluna. Descobriu que as dores eram emocionais. Ao constelar, entendeu que estava carregando um peso familiar. “É como se você pedisse licença aos antepassados para não seguir o mesmo destino. O momento da cura é muito bacana, você fala: “eu vou seguir a minha historia, não preciso dar continuidade a isso nem transmitir a meus descendentes. Consegui tomar várias decisões”, contou ela.

*Nome fictício

Psicoterapeuta alemão criou técnica

A constelação familiar sistêmica foi criada nos anos 80 pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger. Formado também em teologia e filosofia, ele incorporou várias técnicas, inclusive da psicanálise. Após trabalhar na África do Sul como missionário católico, ele entendeu que os antepassados podem influenciar nossa vida, principalmente quando não aceitamos ou negamos parte de nossa história. Hellinger viu que muitas dificuldades e doenças estavam ligadas a membros do grupo familiar. Na técnica, o sistema familiar é usado para formar uma estrutura que transmite e recebe informação.

FOTO: Mariela Guimarães
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Constelado fica observando sentado enquanto outros representam sua vida

Método não está ligado a religião ou misticismo

Consteladores enfatizam que o método não está ligado a nenhuma religião, credo ou misticismo. Já entre os que já constelaram, uns falam na presença divina, outros em espiritismo, em energia dos antepassados ou em liberação de maldições, dependendo da crença de cada um. “Eu trabalho com ciência, é tudo real, fenomenológico, é a união da psicologia sistêmica com o psicodrama”, explicou a psicóloga Simone Guimarães. Depois de sete anos constelando histórias, ela entende que “só pode ser algo de Deus, porque é bonito demais”. “Tem gente que, no dia seguinte à constelação, liga para dizer que está começando a se resolver”.

Uma mostra de que a prática envolve amor é a doação de pessoas que se concentram na constelação para resolver problemas dos outros. A teoria da constelação familiar sistêmica, criada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, é baseada em três leis denominadas “Ordens do amor”. A primeira: todos têm o igual direto de pertencer; ninguém pode ser excluído de uma família, nem mesmo os bebês abortados. Depois, entende-se que é preciso haver um equilíbrio entre dar e receber em todas as relações. Por fim, existe uma hierarquia entre os familiares, segundo a qual os mais antigos vêm primeiro. Quando essas regras não são observadas, acredita-se que a vida começa a desandar.

“Se não reconhecemos a grandeza dos nossos ancestrais, estragamos nossas vidas, somos pequenos diante dos nossos pais. E se alguém não for lembrado, um familiar que vai repetir a história dele por amor”, explicou Simone, com quem a equipe de reportagem participou das constelações em Belo Horizonte. Na sessão seguinte, ela ia constelar uma família do Mato Grosso que precisava discutir herança.

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