Falha

De uso contínuo, Ritalina desaparece das farmácias

Estado é o segundo com maior número de reclamações sobre carência de remédio


Publicado em 10 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Há nove anos, a advogada Luíza*, 32, foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Desde então, ela faz tratamento com Ritalina (cloridrato de metilfenidato). Os sintomas como falta de concentração e diminuição do foco estavam sob controle até o mês passado, quando o remédio desapareceu das drogarias de Belo Horizonte. “Tomei o último comprimido há 20 dias, das cartelas que comprei há dois meses. Percorri várias farmácias, mas não tinha Ritalina em lugar nenhum”, afirma.

Desde maio, a falta de Ritalina tem sido sentida em todo o país. Na capital mineira, de seis farmácias consultadas, quatro não tinham o remédio. O medicamento também está em falta nos 15 estabelecimentos contatados em Contagem, Betim, Montes Claros, Barbacena e Juiz de Fora. Não há previsão para reabastecimento.

As queixas sobre a falta de Ritalina no Reclame Aqui – site de reclamações contra empresas sobre atendimento, compra, venda, produtos e serviços – subiram entre o fim do mês de maio e agora, fazendo o remédio ser o produto mais buscado neste ano. Foram mais de 1.200 reclamações entre janeiro e setembro. Minas é o vice-líder em registros, com mais de 16% das ocorrências (196). Em primeiro lugar, está São Paulo, 23,5% (283).

Resultado

De acordo com o psiquiatra Aloísio Andrade, presidente do Conselho Estadual de Política sobre Drogas de Minas Gerais, os efeitos colaterais causados pela falta de Ritalina comprometem os resultados do tratamento. “Trata-se de um medicamento que não pode ter seu consumo interrompido de forma abrupta. Se, por um acaso, o paciente parar com o remédio sem tomar nenhuma precaução, certamente vai sofrer um efeito rebote”, explica. Isso inclui a redução da capacidade de assimilar as coisas, de ter foco e concentração.

Segundo o neurologista Druzus Perez, médico do Hospital Vera Cruz, de Belo Horizonte, o paciente não deve ficar mais de dois dias sem o medicamento. “O ideal é procurar um profissional para buscar um remédio substituto e evitar, sem exceções, a compra sem prescrição médica”, orienta.

No caso de Luíza, os efeitos impactam o trabalho. “Eu lido com papéis e documentos o dia inteiro. Por não estar tomando, preciso ficar até quatro horas a mais todos os dias na empresa para revisar tudo o que fiz antes porque não posso deixar passar nenhum detalhe”, diz.

Para o universitário Leandro*, 25, o desaparecimento de Ritalina em Belo Horizonte impactou o início do tratamento. “Fui dignosticado neste ano com TDAH depois que os sintomas começaram a me prejudicar no trabalho e nos estudos. O problema é que eu mal comecei a me tratar e tive dificuldade em encontrar Ritalina. Depois de tanto procurar, consegui comprar, mas já estou nos últimos comprimidos”, diz.

Procura

No Brasil. De 2010 para 2013, o número de caixas de Ritalina vendidas passou de 2,1 milhões para 2,6 milhões, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

 

Novartis diz ter duplicado produção

A Novartis, que produz a Ritalina, admite a falta do medicamento e informa que o estoque só deve ser normalizado no início do mês que vem. “Para garantir a normalidade no acesso à Ritalina, duplicamos a produção nacional de 150 mil embalagens para 300 mil por mês nos últimos três meses”, diz João Sanches, diretor de relações governamentais e comunicação corporativa da Novartis.

“Além disso, estamos fazendo o abastecimento por transporte aéreo para centros de distribuição, farmácias e secretarias de Saúde do país”, afirma Sanchez. O laboratório alega que o produto é controlado com retenção de receita e segue rígidos processos de exportação e importação.

O dado mais recente sobre Ritalina no país aponta que seu consumo cresceu 775% em dez anos (de 2003 a 2012). O levantamento foi divulgado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) em 2014.

 

Prescrição abusiva é uma ameaça

As dificuldades de comportamento de crianças irrequietas são vistas como doença pelos profissionais de saúde, afirma o psiquiatra Aloísio Andrade. “Eles receitam remédios”, diz. “Como consequência, temos um número crescente de crianças recebendo medicação, mas sem se discutir se ela é mesmo necessária ou se é a melhor forma de cuidado”, alerta. Para o médico, é preciso buscar entender os desvios de comportamento. “A maioria das crianças é só agitada”, pondera.

*Nomes fictícios

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