“Se você quer testar o caráter de um homem, dê-lhe poder.” Essa frase, atribuída a Abraham Lincoln, pode ser usada para explicar a mudança de comportamento que uma pessoa tem após receber um aumento de prestígio ou domínio. Pode ser uma promoção no trabalho ou algum cargo de liderança em uma associação ou igreja, por exemplo. O resultado, geralmente, é que a pessoa, por se achar superior, passa a usar dessa autoridade para ser sentir respeitada, tornando os dias mais fáceis ou mais difíceis para os outros.
Chamada de “síndrome do pequeno poder”, essa série de ações – comum a muitos ambientes, de familiares a corporativos –, muitas vezes, não é uma patologia em si, mas pode levar a um sofrimento individual e até mesmo à depressão. Tanto para quem tem – ou acha que tem – o poder quanto para as pessoas que são atingidas.
O gerente de banco Bruno*, 30, mudou de comportamento depois de ter sido promovido no trabalho. “Eu me sentia superior porque acreditava ser a única pessoa dentro da agência bancária capaz de exercer a gerência. À época, eu acreditava que a promoção serviu apenas para provar isso. Comecei a tratar de forma enérgica colegas que se tornaram meus subordinados”, afirma.
Consequências. Para Tânia Azevedo Cardoso, professora de psicologia da Universidade Newton Paiva, em Belo Horizonte, a síndrome faz com que a pessoa assuma uma atitude opressora, principalmente quando ganha poder, posição ou responsabilidade. “A relação de poder é natural ao ser humano, mas a pessoa com a síndrome tem dificuldade em enxergar o cenário como um todo e as pessoas que o compõem. Ela distorce a realidade de acordo com o que acredita ser o certo e, provavelmente, vai agir assim em todos os âmbitos da vida: dentro de casa ou no trabalho, por exemplo”, explica.
De acordo com Roberto Debski, médico e psicólogo da Unimed-SP, as pessoas com esse transtorno costumam apresentar baixa autoestima, egocentrismo, vaidade, falta de limites e desvio de comportamento. “Esses sinais fazem parte de uma dinâmica de comportamento que não é autêntica. A pessoa tenta mascarar todos eles com um poder a ela dado ou, muitas vezes, que ela se ilude achando que tem”, pontua.
O designer gráfico Breno Carvalho, 34, afirma que pediu demissão do último emprego por não suportar a postura de superioridade da antiga chefe durante nove meses. “Depois que ela foi promovida, fazia questão de mostrar que exercia poder sobre os funcionários. Por exemplo, ela monitorava nosso tempo de ida ao banheiro e até para beber água. Dizia que a cadeira ainda tinha que estar quente quando sentássemos de novo”, diz.
Ele conta que o comportamento não era exclusivo aos subordinados da ex-chefe. “Quando eu perguntava, as pessoas me procuravam voluntariamente para dizer que ela fazia questão de ser ‘nariz empinado’ com todo mundo”, afirma.
Segundo o psicólogo Roberto Debski, não é fácil lidar com a situação. “Quem convive com pessoas com esse tipo de comportamento, precisa enxergar diferentes formas de responder a essas agressões”, garante. Para ele, não se deve ficar em silêncio, mas bater de frente também não é a melhor solução. “Mostre que você está do lado da pessoa, colaborando. Se não ajudar, tente conversar e expor a situação. Na pior das hipóteses, afastar-se é o melhor”, orienta.
Segundo a psicóloga Tânia, é necessário que a pessoa com a síndrome entenda suas limitações com ajuda profissional. “Ela precisa ter noção de que as consequências dessas atitudes fazem mal a ele e às pessoas que estão à sua volta e achar o melhor caminho para mudar de comportamento”, pontua.
Superioridade nas redes sociais
Quase todo mundo conhece alguém que exibe uma postura de superioridade nas redes sociais, como se sempre soubesse mais do que os outros ou se o valor de presença no mundo virtual fosse imensurável. De acordo com a psicóloga Tânia Azevedo Cardoso, a internet serve como um tipo de escudo para essas pessoas. “A internet alimenta essa fantasia. É como se a pessoa jogasse uma lança, achando que nada vai atingi-la. Ela faz comentários abusivos, agressivos, porque acredita que tem direito a esse poder no seu perfil”, analisa.
Para Tânia, a postura não seria similar no mundo real. “Se ela não tem a tela do celular ou do computador para se proteger, é muito difícil que confronte pessoalmente”, afirma.
*Nome fictício