O que a urna eletrônica, a tornozeleira popularizada pela operação Lava Jato e o transmissor de TV digital têm em comum? São tecnologias projetadas e desenvolvidas na pequena Santa Rita do Sapucaí, localizada a 387 km de Belo Horizonte. Com 43 mil habitantes, o município ostenta hoje o título de Vale da Eletrônica brasileiro – e garante que seu modelo de sucesso, centrado em investimento em educação com foco em tecnologia, pode ser replicado em qualquer cidade, inclusive em uma metrópole como o Rio de Janeiro.
“Cada cidade precisa descobrir sua vocação, mas o investimento em educação, tecnologia e empreendedorismo vale para todo mundo, inclusive para o Rio de Janeiro. É possível replicar o modelo, que tem o tripé academia, indústria e poder público, em diferentes regiões da cidade, já que o Rio é uma metrópole. Trata-se de um investimento de longo prazo, mas que traz resultados”, garante o vice-prefeito e secretário de ciência e tecnologia de Santa Rita do Sapucaí, Wander Wilson Chaves.
Ele ressalta que a cidade, onde ainda há plantações de café e rebanhos de gado leiteiro pastando nas fazendas, foi a primeira na América Latina a ter uma escola técnica de eletrônica, além da primeira faculdade de engenharia de telecomunicações do Brasil. Isso garantiu a Santa Rita do Sapucaí uma mão de obra altamente especializada, que atraiu empresas de tecnologia. Hoje, são 153 companhias e mais de 20 startups em preparação nas três incubadoras do município.
Uma delas é a Neurobrinq, que trabalha com tecnologia afetiva e desenvolve soluções para crianças com autismo, incluindo um jogo que estimula fazer tarefas em casa ou caminhar pela cidade. Já a Sancult, de equipamentos eletromédicos, está testando um aparelho a ser usado em fisioterapia, que promove a regeneração celular.
As empresas de tecnologia locais faturaram R$ 3,2 bilhões em 2016, o dobro do registrado pelo Porto Digital, de Recife. No ano passado, elas exportaram para 30 países, incluindo tigres asiáticos como Singapura e Tailândia, e geraram 14,7 mil postos de trabalho formais. Isso se reflete na renda per capita dos moradores. Enquanto a dos brasileiros gira em torno de R$ 27,9 mil ao ano, a dos santa-ritenses é de R$ 31,6 mil. “Continuamos a produzir café e leite, mas hoje 60% do PIB local sai das indústrias de tecnologia”, afirma Chaves.
O Vale da Eletrônica, porém, não escapou da recessão. Desde 2014, o faturamento das empresas está estável. Antes da crise, o crescimento médio anual era de 30%.
“A chave para manter o faturamento e evitar demissões é inovação. A cada ano, cerca de 7.000 produtos saem de linha. Mas nossas indústrias criam novos, e, assim, mantemos a média de fabricação de quase 15 mil produtos diferentes ao ano”, diz Roberto de Souza Pinto, presidente do Sindicato das Indústrias do Vale da Eletrônica (Sindvel).
Caminhada. Essa trajetória de sucesso começou no fim da década de 50, quando a santa-ritense Sinhá Moreira levou ao presidente Juscelino Kubitschek um projeto para fundar a primeira escola técnica do país. Filha de banqueiro e mulher de diplomata, ela se inspirou no Japão, que, para se reerguer depois da Segunda Guerra Mundial, investiu em educação e tecnologia.
A Escola Técnica de Eletrônica (ETE) criada por Sinhá tinha 1.300 alunos no fim dos anos 50, quando a cidade tinha apenas 9.000 habitantes. Tornou-se um polo educacional e atraiu estudantes de outras cidades. Na década seguinte, foi criado o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a primeira faculdade de engenharia das telecomunicações do país.
“Não havia uma escola de engenharia para o setor. O país precisava importar mão de obra, e o Inatel nasceu oferecendo cem vagas”, conta o diretor da instituição, Marcelo de Oliveira Marques.
Com os centros de formação, surgiu o desafio de reter esse pessoal qualificado, que acabava partindo para os grandes centros. “Começou um movimento de criação de empresas de tecnologia na cidade. Eram pequenas e funcionavam em garagens ou casas alugadas. Era o que hoje se chama de startups”, conta Souza Pinto, do Sindvel, lembrando que, na década de 80, foram criadas pelo menos 17 empresas. (Agência O Globo)
Ecossistema tecnológico. Santa Rita do Sapucaí atraiu uma série de empresas dos mais diversos produtos, e, hoje, calcula-se que cheguem a 200 as indústrias do município.
Números
153 companhias estão situadas em Santa Rita do Sapucaí
R$ 3,2 bi foi o faturamento das empresas em 2016
14,7 mil postos de trabalho formais foram gerados na cidade
60% do PIB local sai das indústrias de tecnologia
Desenvolvimento em parcerias
A parceria entre poder público, indústria e academia foi crucial para Santa Rita do Sapucaí. Como de 80% a 85% das empresas são micro ou pequenas, elas acabam fechando acordos com ETE e Inatel para pesquisar e desenvolver tecnologias e produtos. A prefeitura fez sua parte cedendo terrenos ou pagando aluguel de galpões para empresas que fossem criadas ou se instalassem na cidade. Nas outras esferas de governo, as companhias têm diferimento do ICMS e incentivos pela Lei de Informática.
“Hoje, 60% do faturamento do Inatel, que é uma fundação sem fins lucrativos, vêm de projetos de pesquisa e inovação que desenvolvemos junto às indústrias. Temos 300 engenheiros trabalhando nessas parcerias. Do nosso lado, conseguimos colocar os professores dentro da realidade de mercado”, diz Marcelo de Oliveira Marques, diretor do Inatel, observando que, dos R$ 25 milhões obtidos com esses acordos, cerca de R$ 4 milhões são reinvestidos em pesquisas e na infraestrutura do campus.
Santa Rita do Sapucaí pode produzir hoje 90 mil tornozeleiras eletrônicas por mês, basta que o governo federal abra uma licitação. São invioláveis e mais baratas que as importadas da Suíça. A LC Eletrônica produz cerca de 15 milhões de chips de cartão de crédito por mês e até 7 milhões de chips para celular no mesmo período. Já a DL lidera a produção no país de tablets destinados às classes C e D.